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Por que é tão difícil encontrar quem saiba mexer em cachos e crespos?

Juliana Simon

Do UOL, em São Paulo

25/07/2016 18h51

Entre cacheadas e crespas, é difícil encontrar alguém que não tenha uma história de cortes desastrosos e comentários depreciativos em salões de beleza. O relato das mulheres aponta para um mesmo problema: muitos profissionais não têm preparo para lidar com esses tipos de cabelo.

O UOL buscou os maiores cursos, profissionais e clientes para entender por que isso acontece e notou que a dificuldade já começa desde a primeira formação. Procuradas pela reportagem, duas das principais escolas de cabeleireiro do país revelam não ter nem disciplina, tampouco material específico para cachos e crespos.

Érico Polôni, docente do curso do Senac, afirma que as especificidades de cada fio são abordadas nas aulas de tricologia (que estuda o próprio fio) e cosmetologia (que aborda os produtos a serem utilizados), mas que cortes e penteados são estudados em cabeças de bonecas com cabelo liso. "Aquela cabeça com cabelo cacheado é difícil de encontrar e bastante cara. Contamos com as modelos que os alunos trazem para a sala de aula", afirma. 

Curso de cabeleireiro do Instituto L'Oreal - Divulgação - Divulgação
Curso de cabeleireiro do Instituto L'Oreal
Imagem: Divulgação

No Instituto L'Oréal, que já foi eleito como uma das melhores escolas de beleza do Brasil, a abordagem não é diferente. Catia Villela, coordenadora de formação da instituição, afirma que, em termos de técnica, não existe diferença entre cabelo liso e cacheado. "O cabelo que tem essa característica [no caso, os cachos] deve utilizar 'low poo' e 'co wash', que não difícil e é abordado até por leigos, como muitas blogueiras", afirma. Para ela, ter o conhecimento de tricologia e formulação dos produtos basta para trabalhar qualquer tipo de fio. "Nossa abordagem dá bastante embasamento para entender o que existe no mercado. O resto é adequação do produto", afirma.

Ambas escolas não oferecem cursos específicos após a formação básica. Segundo Catia, não há tanta demanda dos profissionais e quem se interessa vai atrás de formação em salões voltados para cachos e crespos. O professor do Senac, por outro lado, afirma que cada vez mais os alunos estão levando modelos com cabelo enrolado para a sala de aula.

O que dizem os cabeleireiros
Procurados pela reportagem, profissionais com diferentes formações são unânimes: a maior parte dos cabeleireiros não está apta a lidar com cachos e crespos.

A argentina Milly Olmos, dona do salão Berlin Hair (SP), ainda se espanta com a rejeição de muitos profissionais ao cabelo natural cacheado, apesar de ser a realidade da maioria das brasileiras. "Muitas pessoas estão com progressiva porque os profissionais não sabem o que fazer. Ainda persiste essa referência de que o cabelo liso é um 'status'", diz. Ela mesma cacheada, foi procurar especialização na Espanha, adaptou a técnica no Brasil e defende que o corte faz toda a diferença nesse tipo de cabelo.

Solange Dias, especialista em beleza étnica, teve sua primeira formação dentro de casa com a mãe, que também atuava como cabeleireira voltada para a comunidade negra. Depois que realizou o curso básico do Senac, passou pelos EUA, Inglaterra e até Papua Nova Guiné para conhecer as especificidades do cabelo crespo. A formação profissional no Brasil, segundo Solange, ainda é decepcionante. "Fiquei dez anos fora do mercado e vejo que nada mudou. Corte e acabamento são as principais falhas", declara. Para ela, são poucos os profissionais que conhecem a fundo a diferença dos fios. "O resto improvisa", comenta. "Tem meninas de 16 anos, blogueiras, ditando regras e dando sugestões", diz.

Também especializado em beleza étnica, Marcello Costa acredita que parte da responsabilidade da carência de profissionais voltados para esse tipo de cabelo são as próprias brasileiras. Brasileiro radicado nos EUA, o profissional afirma que "por muito tempo, a demanda foi por cabelos alisados e a paixão por cachos ainda é recente. A partir do momento em que a brasileira se convencer de que tem uma beleza mais livre e natural como identidade, os profissionais também vão buscar o que já é referência em outros países, como técnicas e produtos específicos para esse público".

Sabrinah Giampá, do Cachos e Fatos - Daniel Zago - Daniel Zago
Sabrinah Giampá, do Cachos e Fatos
Imagem: Daniel Zago
Sabrinah Giampá, jornalista do blog Cachos e Fatos e cabeleireira da Garagem dos Cachos, percebe que, da noite para o dia, muitos se dizem especialistas no nicho de cachos e aponta que a técnica específica faz, sim, toda a diferença. "Precisa de muito treino, muita troca de informações. Hoje minha preocupação é de profissional que trata cabelo cacheado como liso. Já vi em matéria recente que dizem que a nova onda é desfiar os cachos. Mas se você desfia, você esfarela o cacho. Cortar molhado também é inconcebível, pois muitas vezes a pessoa tem vários tipos de cacho. E se você estica, a estrutura muda. Quando seca fica cheio de buracos e desestruturado".

Ela própria, uma cacheada com histórico de processos como alisamento e progressiva, lembra de como penou para assumir os fios naturais e hoje usa sua experiência para incentivar muitas meninas a passarem pela temida transição capilar.