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A curiosa casa projetada para ocultar um amor proibido

Este quarto se dividia em dois graças aos separadores que estavam perto da saída do cômodo - BBC
Este quarto se dividia em dois graças aos separadores que estavam perto da saída do cômodo Imagem: BBC

05/10/2016 14h20

É comum ver casais apaixonados planejarem uma casa onde poderão viver juntos para sempre, mas e quando o amor do par é proibido por lei?

Foi o caso do arquiteto canadense Christopher Tunnard e de seu namorado, Gerald Schlesinger. Eles queriam morar juntos, mas nos anos 1930 a homossexualidade era proibida no Reino Unido.

O jeito então foi projetar a casa perfeita para "esconder" o amor que viviam.

A ideia era ter um local onde pudessem viver juntos, mas que, ao mesmo tempo, possibilitasse a eles "disfarçar" a relação. Para isso, Tunnard pensou uma mansão que poderia ter sua configuração alterada quando as visitas viessem --o intuito era manter a aparência de que ali moravam dois amigos que dividiam uma casa e não dois namorados.

Projetada por Tunnard, casa foi desenhada pelo arquiteto Raymond McGrath - BBC - BBC
Projetada por Tunnard, a casa foi desenhada pelo arquiteto Raymond McGrath
Imagem: BBC

"Aparentemente, a casa tinha dois quartos, com seus respectivos banheiros e camas separadas. Mas, na verdade, as divisões eram móveis e, quando retiradas, transformavam dois quartos em apenas um, que era o do casal", explicou à BBC Alisson Oram, professora da Universidade de Leeds Beckett, no Reino Unido.

Até 1967, as práticas homossexuais consentidas entre adultos eram um crime no país --implicavam não só em uma possível condenação e prisão, como também a uma estigmatização pela sociedade.

"A ideia era construir um lugar onde eles pudessem conservar sua intimidade e seu segredo, porque aqueles eram anos muito perigosos para ser homossexual. Você poderia até mesmo ser preso por isso", afirmou o pesquisador Justin Bengry.

Por esse motivo, a casa enorme projetada por Tunnard, onde o casal viveu feliz por anos no condado de Surrey, a cerca de 40 km ao sul de Londres, virou um símbolo da luta pelos direitos da comunidade LGBT no país e foi catalogada como parte do patrimônio arquitetônico inglês.

A mansão está a venda por US$ 12 milhões (R$ 38,8 milhões).

A casa

Tunnard foi um profissional reconhecido --ele ganhou fama por seu trabalho em Halland, no centro do Reino Unido, e também pela publicação de vários livros sobre paisagismo moderno.

Em 1936, a casa projetada para "ocultar" seu amor foi erguida em Surrey, em uma região conhecida com St Ann's Court, com os desenhos do arquiteto Raymond McGrath.

"A intenção fica clara nos desenhos: cada vez que havia visitas na casa, eles colocavam as divisões dentro do quarto e eles ficavam como se fossem cômodos independentes", explicou Oram.

A casa, que ocupava uma área de 6.500 metros, foi financiada por Schlesinger, que trabalhava como agente da bolsa de valores, e se tornou um refúgio de amor para o casal durante dois anos.

Sabe-se pouco sobre a história do casal --uma das poucas informações conhecidas é que, segundo relatos do site Historic England, o arquiteto deixou de morar ali em 1938.

O canadense depois se tornou professor na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, para onde se mudou. Em 1945, depois de servir o exército de seu país durante a Segunda Guerra Mundial, casou-se com Lydia Evans e teve um filho. Tunnard morreu em 1979.

Patrimônio gay

A história por trás da casa de Schlesinger e Tunnard ficou escondida por vários anos.

Na década de 1970, o guitarrista da Roxy Music e produtor musical Phil Manzanera construiu um estúdio em um dos quartos da mansão.

O local passou a receber grandes nomes da música mundial, como Pink Floyd, David Gilmour, Paul Weller e Robert Wyatt, que gravaram alguns de seus discos no mesmo lugar onde décadas antes o casal homossexual havia celebrado seu amor e resistido às proibições da época.

Apenas no mês passado a casa branca e redonda de St Ann's Court foi declarada um exemplar da "arquitetura gay".

"Esses edifícios históricos serviram de testemunhas de como foi formada nossa sociedade na época", disse Duncan Wilson, diretor do Historic England, a entidade encarregada de nomear a mansão como "patrimônio LGBT".

"Nosso desejo é que esse reconhecimento que as minorias têm tido recentemente no Reino Unido aumente", acrescentou.