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Conheça Jennifer, a primeira mulher a transmitir sua vida ao vivo na internet

Hoje a Jennicam talvez fosse vista como uma estranha performance artística - JKR
Hoje a Jennicam talvez fosse vista como uma estranha performance artística Imagem: JKR

21/10/2016 15h35

Em 1996, Jennifer Ringley ligou a webcam em seu dormitório universitário --e transformou a internet para sempre.

À primeira vista, parecia algo inocente ou bobo. Em vez de usar a câmera para falar com amigos e familiares em Harrisburg, na Pensilvânia (EUA), ela resolveu fazer algo inusitado: transmitir sua vida ao vivo, para um mundo de desconhecidos, 24 horas por dia, sete dias por semana.

No mundo atual de redes sociais e compartilhamento em excesso, isso pode não parecer inovador. A única característica que um consumidor moderno de transmissão ao vivo no Facebook poderia considerar fora do comum sobre a Jennicam, como era chamada a programação, era a falta de qualidade: uma imagem em preto e branco, granulada e inútil era substituída a cada 15 segundos por outro frame inútil, granulado e em preto e branco.

Mas a Jennicam impulsionou Jennifer Ringley a uma fama sem precedentes e estabeleceu os pilares para conversas que temos hoje sobre a internet.

A webcam foi uma tecnologia extremamente futurista na época, quando era preciso um modem e uma conexão com fio para acessar a internet.

Subir uma imagem em um site demorava vários minutos, que eram pagos de um a um. Mesmo assim, a transmissão de imagens mundanas de Jennifer --na maior parte do tempo um quarto vazio enquanto ela estava na aula, ou Jennifer olhando para o computador, sentada na cama estudando, no máximo escovando os dentes-- era muito atraente.

Cerca de 4 milhões de pessoas assistiam a todas as novidades de sua vida cotidiana, uma proporção considerável dos 36 milhões de usuários de internet na época, ainda que a audiência pareça pequena nos dias de hoje, quando o número de pessoas on-line chega a 3,5 bilhões.

Hoje a Jennicam seria vista como uma estranha performance artística, um comentário de rodapé na versão em alta resolução da vida moderna. O granulado, a ausência de cores, a interminável espera entre qualquer possibilidade de ação seriam considerados parte de um manifesto artístico publicado no Facebook.

Se alguém hoje sequer notasse a Jennicam no oceano de blogueiros vendendo, testando, posando, abrindo caixas e fazendo sexo por meio de mensagens ao vivo seria uma curiosidade por aproximadamente 45 segundos. No máximo, três atualizações. Então provavelmente ficaria entediado e passaria para algo com mais vida. Em seu auge, porém, ela realmente "quebrou" a internet.

Fato é que seus competidores mais bem-sucedidos na época eram a transmissão de uma cafeteira (hoje aposentada) e a de um aquário de peixes (ainda ativo).

Existiam outras celebridades de transmissão ao vivo, como a artista e música Ana Voog, que usava sua galeria de imagens em cores para compartilhar tudo de sua vida. O trabalho experimental de Voog fez dela pioneira na arte de brincar e interagir com os fãs no mundo digital de uma maneira que hoje 300 milhões de usuários de Twitter reconheceriam imediatamente.

Jennifer, contudo, era original. Ela era completamente inocente, genuína e jovem, e muita da atenção que recebeu de veículos como o jornal "The New York Times" ou o programa "The Late Show with David Letterman" tinha um tom quase paternal.

Só que a curiosidade virou condenação depois de uma noite íntima com seu namorado. As acusações de narcisismo e exibicionismo não eram muito diferentes das que hoje são feitas a participantes de reality shows como os da franquia "Big Brother".

Para fãs de Jennicam, como o produtor de rádio Alex Goldman, que a entrevistou em 2014, o apelo de Jennifer era o fator mundano. As pessoas entrariam em seu site em uma noite de domingo enquanto dobravam seus lençóis e a veriam fazendo a mesma tarefa, trazendo uma sensação de companheirismo. Ela era uma pessoa real, famosa por ser ela mesma.

Uma comunidade forte cresceu na seção de comentários do site de Jennifer, que ela também frequentava. Ela era acessível, parte da turma, uma amiga. Era surpreendente para os novatos de sua audiência on-line, que provavelmente nunca haviam experimentado esse tipo de conexão com alguém que só haviam conhecido on-line. Provavelmente era surpreendente para ela também.

Afinal, é preciso lembrar que isso foi antes dos programas de TV que transformavam pessoas comuns em celebridades. Foi antes do "Big Brother". Quem observava a vida cotidiana de pessoas comuns era cientista social ou voyeur.

Na época, as pessoas não faziam compras, liam notícias ou se apaixonavam on-line. A internet ainda era uma curiosidade e ali estava uma mulher jovem que convenceu dezenas de milhões de pessoas a se conectar. Ela foi o primeiro fenômeno real on-line do mundo.

Ela trouxe sua humanidade para a era computacional. E, de repente, em 2003, ela desligou sua câmera e nunca mais apareceu. Na época, parecia que a combinação entre superexposição com sumiço total fazia parte de alguma estratégia de Jennifer para falar algo profundo sobre privacidade na era da mídia.

Jennifer Ringley

  • Começou o projeto Jennicam em 1996 enquanto estudava na Faculdade de Dickinson em Carlisle, Pensilvânia
  • No seu auge, jennicam.org teve sete milhões de acesso por dia
  • Saiu do ar em 2003
  • Agora com 40 anos, adotou seu nome de casada, Jennifer Johnson
  • Hoje trabalha como programadora de software em Sacramento, Califórnia

Muitas pessoas reclamam hoje que a mídia está transformando as pessoas em máquinas ou deixando todos narcisistas e exibicionistas. É preciso lembrar, porém como ser adolescente é difícil.

A adolescência é um período de enorme transformação pessoal e social, quando as pessoas se distanciam dos pais para se identificar mais com seus amigos ou com o mundo ao redor.

Por isso, o experimento pessoal de Jennifer Ringley inspirou as conversas que ainda estão acontecendo sobre superexposição digital, o valor da expressão on-line e o significado de comunidade on-line. O que raramente é falado é sobre como adolescentes formam suas identidades explorando o que está à disposição.