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Dinheiro não traz felicidade? Faça o teste e descubra o papel que ele tem na sua vida

"O dinheiro não é o fator mais importante para se ter felicidade, e super valorizá-lo pode até trazer o inverso", diz o Robert Biswas-Diener, diretor do centro de psicologia positiva Positive Acorn, no Oregon - Thinkstock
"O dinheiro não é o fator mais importante para se ter felicidade, e super valorizá-lo pode até trazer o inverso", diz o Robert Biswas-Diener, diretor do centro de psicologia positiva Positive Acorn, no Oregon Imagem: Thinkstock

Simone Sayegh

Do UOL, em São Paulo

31/08/2012 07h15

"O que vale a pena fazer, vale a pena fazer por dinheiro". Essa frase é de Gordon Gekko, famoso personagem de Michael Douglas no filme "Wall Street: O dinheiro nunca dorme", de 2010. O filme é uma continuação do celebre lançamento de 1987, “Wall Street – Poder e Cobiça.” É exatamente na década de oitenta que os "yuppies" de Nova Iorque, jovens ávidos por dinheiro e poder, exportaram para o mundo um novo modelo de ser, e principalmente, de ter. Depois de quase trinta anos e uma infinidade de discursos filosóficos e moralistas, contra ou a favor do dinheiro, o mundo parece continuar o mesmo, assim como a polêmica questão: “Afinal, dinheiro traz a tão sonhada felicidade?”.

Pesquisas de campo
Desde a antiguidade o conceito de felicidade tem intrigado filósofos e pensadores, como Aristóteles e Epicuro, mas seus mecanismos nunca foram tão estudados como hoje, principalmente pelo crescimento de pesquisas internacionais sobre o tema.  A grande premissa que norteia automaticamente o pensamento do homem ocidental é que, sendo mais rico, naturalmente a pessoa será mais feliz.

No entanto, dados de inúmeros estudos revelam que tal crença é apenas parcialmente verdadeira. Desde 2005 são realizadas investigações específicas em vários países alavancadas pela grande pesquisa mundial sobre bem-estar subjetivo, empreendida pelo Instituto Gallup, na qual foram avaliados 155 países, que representam cerca de 98% da população mundial. A base de dados de todas essas pesquisas sobre felicidade fica em Roterdã, e é coordenada pelo sociólogo Ruut Veenhoven, da Universidade Erasmus.

O dinheiro e seu papel no nosso bem-estar tem sido a questão central em boa parte desses estudos, mas existem dois conceitos básicos que devemos entender. O bem-estar emocional se refere à qualidade emocional da experiência individual de uma pessoa –frequência e intensidade das experiências prazerosas, fascinação, ansiedade, tristeza, angústia e afeição que fazem uma vida prazerosa ou não, de acordo com o psicólogo José Aparecido da Silva, professor titular em psicofísica e percepção do Departamento de Psicologia da USP de Ribeirão Preto e autor do livro “Como ser feliz”.  Por outro lado, a satisfação com a vida se refere às concepções de uma pessoa sobre sua própria vida. Desse modo, de acordo com Silva, devemos analisar se o dinheiro compra felicidade com base nesses dois aspectos do bem-estar subjetivo, que têm mostrado diferentes resultados. “Por exemplo, renda e educação são mais estreitamente relacionadas com a satisfação com a vida, enquanto que saúde, carinho, solidão e, mesmo o comportamento de fumar, são relacionados às emoções diárias”.

Com base nas pesquisas, os indicadores de satisfação se elevam com o aumento da renda. Já o bem estar emocional se eleva até o limite de uma renda anual de 75 mil dólares, sendo que depois disso mantém-se estável. Por outro lado, situações de baixa renda aumentam a dor emocional associada com divórcios, doenças e solidão. “Alta renda compra satisfação com a vida, mas não felicidade, enquanto que a baixa renda é associada com pouca satisfação com a vida e baixo bem-estar emocional”, afirma.

Um dos pesquisadores norte-americanos que foi a campo para elucidar essas questões e enriquecer os dados em Roterdã foi o Doutor Robert Biswas-Diener, diretor do centro de psicologia positiva Positive Acorn, no Oregon, autor do livro “The Courage Quotient”. Para Diener, que conduziu pesquisas sobre felicidade e dinheiro nos lugares mais pobres do mundo, existe sim uma correlação entre felicidade e dinheiro. “Eu entrevistei mendigos na Califórnia e moradores das favelas de Kolkata, na Índia, e de São Paulo. E realmente o fato de eles terem tão pouco na vida os tornam estressados e com falta de confiança crônica no próximo”, diz. Contudo, Diener acrescenta que algumas pessoas conseguiram combater essas péssimas condições de vida simplesmente desenvolvendo boas relações sociais no ambiente onde vivem, principalmente na Índia. “Investir no próximo parece ser um bom caminho para a satisfação pessoal e não necessita de dinheiro”, afirma.

A grama do vizinho...
Um aspecto importante quando se fala em dinheiro e satisfação é a comparação. As pesquisas de Diener mostraram que guerreiros africanos Massais que ainda hoje carregam arco e flecha e vivem sem eletricidade ou água encanada apresentam os maiores índices de bem-estar subjetivo.  Segundo Silva, isso se dá, em parte, porque os Massais se comparam consigo próprios e não com outros povos, ou seja, tendo as necessidades pessoais satisfeitas, o nível de aspiração praticamente zera.  “A cultura parece afetar muito os conceitos de satisfação com a vida e o bem-estar emocional”, afirma. “Nas sociedades ocidentais sempre estamos nos comparando com vizinhos ou com outros povos, por isso sempre digo que a grama do vizinho nem sempre é a mais verde”.  Se não fizermos tantas comparações e aspirarmos apenas o que podemos ter nossa vida se torna menos estressante e apenas nossas satisfações primárias se tornam fundamentais. “Talvez aqueles que ainda vivem na roça, desse ponto, sejam mais felizes”, diz.

No entanto, para o empresário, escritor e palestrante Carlos Alberto Julio, em comunidades isoladas é possível a satisfação sem uma unidade monetária, mas é certo que isso não funciona na economia global, de multiconexões e interdependências. “Mesmo nos agrupamentos tribais, há necessidades que seriam atendidas pela posse de algum dinheiro, com investimentos em saúde, educação e preservação ambiental”, afirma. “Isso seria bom até mesmo para os povos do Xingu ou do Serengeti”, diz. Vale aqui uma ressalva com relação ao dinheiro. Ele foi criado apenas para servir como uma referência de trocas econômicas. “Ele define, por exemplo, quantos lanches um alfaiate pode comprar depois de fazer um terno. Essa é a utilidade da moeda: sistematizar trocas de diferentes bens tangíveis ou intangíveis”, diz. Com o tempo, o real valor do dinheiro foi sendo modificado, a ponto dele hoje constituir um bem em si.

Países ricos e felizes?
As pesquisas também mostraram que existe o que se chama de felicidade nacional. Os países ricos fazem um bom trabalho promovendo qualidade de vida com educação, trabalho e infraestrutura, mas de maneira geral os indicadores de felicidade não parecem estar relacionados com o PIB global de uma nação. “Veja o exemplo do Japão, cujo PIB aumentou muito desde a primeira guerra, mas a satisfação geral da população permaneceu constante ao longo dos últimos 50 anos, e bem inferior ao da Irlanda, que tem PIB duas vezes menor”, afirma Silva. 

Há vários estudos mostrando essa mesma tendência, como é o caso da Coreia do Sul, onde a população aumentou absurdamente seu poder de compra, mas apresenta bem-estar subjetivo baixo, onde o estresse, pela competitividade extrema desde a adolescência, gera altos índices de suicídio. No entanto, de acordo com Silva, é somente após um nível razoável de renda que a maioria dos pesquisados relaciona felicidade com quesitos não materiais como a capacidade de se ter amigos íntimos, ter uma vida familiar satisfatória e tempo para refletir e buscar outros interesses.

Segundo Fabio Roberto Munhoz dos Santos, psicólogo membro do conselho da Associação de Psicologia Positiva da América Latina, isso se confirma com os resultados dos estudos realizados com ganhadores de grandes prêmios de loterias. Esses indicadores mostram que o nível de felicidade aumenta por uns meses, mas após certo período volta ao estado basal (nível de felicidade que a pessoa tinha antes de ganhar o prêmio). De acordo com Munhoz dos Santos, este fenômeno é conhecido como "adaptação hedônica", e funciona igualzinho quando compramos um carro novo. Durante um tempo (meses ou mais) sentimos que nossa felicidade aumentou, mas com o passar do tempo, as coisas voltam ao padrão habitual de satisfação com a vida. “É como uma criança que fica muito feliz com um presente mas no dia seguinte o brinquedo já não tem mais graça”, afirma. O conceito explica porque nossa alegria com novas conquistas, ainda que muito aguardadas, nunca duram tanto tempo quanto desejávamos.

Doar faz bem
Presente em várias pesquisas, um dos indicadores que aumentam o nível de bem estar emocional são as doações. Segundo Julio, se um fanático por futebol compra a camisa de seu ídolo, é certo que terá momentos de felicidade. No entanto, Julio indica pesquisas* que mostram que gastar dinheiro com os outros tende a gerar um efeito de felicidade muito mais duradouro. “Foram feitos experimentos que mostram que esse preceito vale tanto para pessoas da América do Norte como de Uganda, nas diversas classes sociais”, diz. Silva explica que a filantropia eleva o bem-estar emocional e o significado da vida ao superdimensionar as emoções positivas e reduzir as negativas. “No entanto, depende muito das características de personalidade das pessoas doadoras”, explica. 

Afinal, dinheiro traz felicidade?
Para Diener, o dinheiro pode ajudar uma pessoa a atingir suas metas, fazer doações, auxiliar pessoas queridas e participar de situações prazerosas. “Mas o dinheiro não é o fator mais importante para se ter felicidade, e super valorizá-lo pode até trazer o inverso, como angústia e tristeza”, diz. Por fim, o pesquisador recomenda que a felicidade seja encarada como um processo, e não um fim. “Alegrias e humores flutuam naturalmente, e as pessoas deveriam saber se adaptar às novas circunstâncias”, diz. A psicóloga, professora e terapeuta Nathalia Villela de Bezerra, coordenadora do espaço Ser Psicologia, no Rio de Janeiro, concorda com Diener e reforça que as pesquisas mostram que dinheiro supre desejos e necessidades materiais, mas não as necessidades emocionais. “Ser feliz de fato está ligado à nossa própria capacidade de sentir satisfação conosco e com o meio, independente do que temos”, diz.

Para Nathalia, o dinheiro é apenas um grande facilitador para tornar coisas possíveis. “É muito bom poder dar uma viagem para um filho, mas eu acredito que seja muito melhor poder ir viajar junto com ele, e partilhar experiências”, diz. A psicopedagoga Maria Teresa Messeder Andion destaca uma inversão de valores, já na infância e adolescência. Maria Teresa trata de crianças e adolescentes que têm todo o conforto material, mas são carentes de valores afetivos. “Eles têm tudo e ao mesmo tempo não têm nada”. Ela cita um paciente que tinha três motoristas e morava em três casas diferentes, mas não tinha amigos e nem se desenvolvia na escola.  “Ele podia tudo, porque tinha dinheiro, mas ao mesmo tempo não conseguia ser ninguém no meio”, afirma. “Por culpa de não estarem presentes em sua vida, os pais davam tudo o que o dinheiro pode comprar”, diz. De acordo com Maria Teresa, essa “barganha afetiva” é muito comum nos dias de hoje em que mães e pais trabalham fora e participam muito pouco da vida dos filhos.

Com relação a esse comportamento, Silva cita em seu livro o estranho fato de nossa sensibilidade realmente se atrofiar para recompensas não monetárias. “Amizade, arte, literatura, beleza natural, religião e filosofia se tornam menos interessantes”, diz. Segundo o professor, a pessoa perde aos poucos a capacidade de encontrar felicidade em outras fontes, desde ler uma poesia até brincar com seu filho. “A moeda usada como medida de todas as coisas reduz pessoas e suas realizações ao dinheiro que representam”, diz. “Desse modo, a única saída para muitos é acumular todos os bens materiais que possam caber em suas mãos”.

Por outro lado, para, Julio, a ausência de dinheiro pode sim trazer infelicidade. “Um pai que não dispõe de dinheiro para comprar alimentos para os filhos fica infeliz como um governante honesto que não obtém recursos para investir em um sistema de saneamento básico”, diz.  O dinheiro pode trazer felicidade quando adequadamente investido na atividade produtiva, gerando empregos, realizando sonhos e, principalmente, quando gera novos empreendimentos e relações de compartilhamento. Julio cita experiências de vendedores belgas do setor de remédios que melhoraram seu desempenho descartando prêmios individuais em benefício de atividades coletivas.  “Querer ter dinheiro não é um crime ou um pecado. O que se pode recriminar é a cultura da ganância, na qual frequentemente o dinheiro perde seu valor de referência, seu lastro”, diz. “É o que mostra, por exemplo, o filme 'Wall Street 2 - O dinheiro nunca dorme', na palestra inicial do personagem Gordon Gekko.”

*Pesquisas realizadas por Michael I. Norton, professor de Administração de Negócios na Marketing Unit e Marvin Bower Fellow da Harvard Business School, especialista em Psicologia aplicada aos negócios e à gestão