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Dizer 'bem feito' sobre acidente de Isis Valverde é atestado de machismo

A atriz Isis Valverde, que sofreu um acidente de carro no dia 31 de janeiro - Getty Images
A atriz Isis Valverde, que sofreu um acidente de carro no dia 31 de janeiro Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

06/02/2014 07h07


O acidente de carro sofrido por Isis Valverde, no dia 31 de janeiro, alimentou ainda mais as manifestações contra a atriz na internet, iniciadas quando ela foi apontada como pivô da separação de Grazi Massafera e Cauã Raymond, anunciada no fim de 2013.

Nas redes sociais e nos comentários dos sites que noticiaram o acidente, internautas fazem ironias e piadas com o caso, e dizem que Grazi teria feito macumba. Alguns chegaram a comemorar o ocorrido, justificando que Isis mereceu a lesão sofrida (ela fraturou a vértebra C1 da coluna) por ter se envolvido com um homem casado e, com isso, "destruído um lar".

É comum que as aventuras e desventuras amorosas dos famosos despertem interesse. No caso do suposto triângulo amoroso vivido por Isis, Grazi e Cauã –nenhum dos três, até o momento, confirmou nada– a revolta direcionada a Isis chama a atenção: ela ganhou o título de vilã da história e a fama de culpada pelo fim de um casamento cuja situação ninguém conhecia, a não ser os envolvidos.

Na opinião do psiquiatra e terapeuta sexual Carlos Eduardo Carrion, o repúdio a Isis vem do fato do ser humano adorar a ideia de estabilidade, mesmo que ela seja ilusória. "Quando uma terceira pessoa surge na vida de um casal, revela uma falha naquele relacionamento, que, teoricamente, não deveria existir. E a terceira pessoa é sempre considerada a errada", explica.

A antropóloga Mirian Goldenberg, professora do curso de pós-graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), afirma que a maior parte das críticas a Isis vem de outras mulheres. São várias as razões: projeção, idealização romântica, machismo e herança cultural. Os famosos funcionam como uma espécie de reflexo do medo de rejeição que as pessoas carregam dentro de si.

"Muitas mulheres pensam: se até a Grazi, que é linda, rica, querida, mãe dedicada e profissional reconhecida passa por um perrengue desses, imagina o que pode acontecer comigo? Será que já está acontecendo?", exemplifica Mirian. E aí fica mais fácil, prático e catártico extravasar a raiva nas redes sociais.

 

Falsa ideia de complemento 

Outra questão importante que vem à tona é a que muitas mulheres almejam um parceiro que as complemente, e têm essa ilusão durante o casamento. A chegada de uma “outra” na vida a dois mostra que na prática o relacionamento não funcionava assim, com um completando o outro. Os homens não costumam pensar nem agir dessa forma –e esse é um dos motivos pelos quais volta e meia são isentos da culpa por um término, como aconteceu com Cauã.

O machismo que ainda permeia a sociedade, nas mentes masculinas e femininas, mostra que é muito mais cômodo condenar a amante do que pensar na responsabilidade do homem, mesmo que seja ele quem tenha um compromisso e que esteja traindo alguém, e não a amante.

"Os comportamentos mudaram muito, mas os valores, não. Esses demoram muito mais tempo para serem modificados, pois as pessoas são resistentes a mudanças", conta Mirian Goldenberg, autora dos livros "Por Que Homens e Mulheres Traem?” e “A Outra: a Amante do Homem Casado”, ambos da Editora BestBolso.

Para a psicóloga e educadora sexual Ana Canosa, apesar da evolução dos costumes, ainda existe um tabu em torno da sexualidade feminina. “Há muita dificuldade em lidar com uma mulher erotizada. As pessoas fantasiam que a mulher seduziu o homem casado, se jogando para cima dele. É difícil enxergar a situação sob a ótica de uma mulher adulta que sentiu desejo e decidiu transar", diz.

No ponto de vista de Ana, o fato de o personagem de Cauã na minissérie "Amores Roubados" (Globo) ser um sedutor fez bem à imagem do ator. Afinal, ainda persiste o pensamento machista de que o papel do homem é ser um caçador de mulheres implacável e, se a alguma ceder –na TV ou na vida real–, que arque com as consequências.

Ficção X realidade

Para a terapeuta sexual Carla Zeglio, a linha tênue entre ficção e realidade diretora do Inpasex (Instituto Paulista de Sexualidade) também contribuiu para Isis ser tratada como vilã e Grazi ser vista como a princesa frágil. Afinal, a primeira ganhou notoriedade por suas personagens sensuais, como a Suelen de "Avenida Brasil" (Globo) e Grazi, no entanto, vem construindo uma carreira calcada em mocinhas delicadas, como Ester, de "Flor do Caribe" (Globo).

Isso explica porque os defensores de Isis lançam mão de argumentos que colocam Grazi no papel de culpada pela hipotética traição de Cauã, já que não soube “segurá-lo”. “Isis, por sua vez, é tida como aquela que tem o ‘borogodó’, o que mais uma vez reforça o machismo feminino e isenta o homem de sua real responsabilidade", declara a especialista.

Para Carla, a separação de um “casal 20”, como Grazi e Cauã, mexe com as fantasias típicas dos contos de fadas. "Todo mundo fala do que os olhos veem, ou seja, os papéis desempenhados, mas ninguém conhece o que acontece na vida privada. A beleza não é a razão principal que motiva os casais a ficarem juntos. No dia a dia, o que funciona é o convívio, a cumplicidade", diz a terapeuta.