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Saber lidar com perdas e vitórias é fundamental para a felicidade

Felicidade não vem da ausência de problemas, mas da capacidade de lidar com eles - Getty Images
Felicidade não vem da ausência de problemas, mas da capacidade de lidar com eles Imagem: Getty Images

Suzel Tunes e Marina Oliveira

Do UOL, em São Paulo

10/10/2014 07h05

"Haverá um dia em que você não haverá de ser feliz", prevê o compositor Marcelo Jeneci na canção "Felicidade". Nesses dias em que nuvens negras encobrem o sol, o conselho do cantor é "dançar na chuva", enquanto se espera a intempérie passar, pois a felicidade dependeria menos das condições externas do que de uma disposição interior: "Felicidade é só questão de ser".

A mensagem da música é que, para ser feliz, basta querer. "Todos os homens procuram ser felizes; isso não tem exceção... É esse o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos que vão se enforcar...", declara o filósofo francês André Comte-Sponville no livro "A Felicidade, Desesperadamente" (Editora Martins Fontes), citando o filósofo, físico e teólogo francês Blaise Pascal (1623-1662). O fato é que, mesmo querendo, nem todos se consideram felizes.

Desde que os gregos inventaram a filosofia, a felicidade é um dos temas mais importantes e constantes, diz Sponville. A felicidade seria a própria meta desse campo de estudos. E se considerarmos o que diziam os gregos sobre o assunto, não dá simplesmente para desconsiderar os fatores externos.

"Muitos autores que escreveram sobre o tema consideravam que a felicidade era determinada por fatores objetivos. Aristóteles pensava a felicidade como uma condição da vida que envolve componentes de prazer, virtude e conhecimento, entre outros. Não se trata, claramente, de uma simples sensação subjetiva ou interior", afirma o filósofo Flavio Williges, professor da Universidade Federal de Santa Maria (RS).

Para o estudioso, "há algo de profundamente errado quando pessoas muito pobres, sem comida e condições mínimas de subsistência dizem que são felizes, mesmo que elas afirmem estar satisfeitas com suas vidas".

Para a psicóloga Bruna Seibel, doutoranda em Psicologia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e pesquisadora da área de psicologia positiva (que tem a felicidade como principal enfoque), colocar "óculos cor-de-rosa" para afirmar uma condição de felicidade pode até ser prejudicial, já que impede o enfrentamento objetivo dos problemas. "Os fatores intrínsecos do indivíduo estão fortemente relacionados ao seu contexto, às suas relações e ao seu tempo", diz Bruna.

Bons relacionamentos são mais importantes do que situação financeira

Outro estudioso do assunto, Fabio Scorsolini-Comin, doutor em psicologia pela USP (Universidade de São Paulo) e professor da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro), diz que, dada a complexidade da palavra “felicidade”, a psicologia positiva tem preferido substitui-la por outras expressões, como bem-estar subjetivo, bem-estar psicológico ou, simplesmente, bem-estar.

Segundo o professor, o conceito de bem-estar leva em conta tanto as condições concretas da vida (possuir renda, trabalho etc.), como os sentimentos, emoções e o modo como a pessoa percebe a própria existência. “Quanto mais experimentamos sentimentos e emoções positivas (confiança, entusiasmo, alegria), mais tendemos a avaliar como positiva a nossa vida. Essa satisfação é que pode ser compreendida como felicidade", afirma.$escape.getHash()uolbr_quizEmbed('http://mulher.uol.com.br/comportamento/quiz/2014/05/10/voce-e-otimista-pessimista-ou-realista.htm')

Foi exatamente isso o que identificou o Instituto Akatu, em uma pesquisa realizada no final de 2012, com cerca de 800 pessoas de todas as regiões do país. Elas responderam à pergunta: “Para você, o que é felicidade?”. E 60% dos entrevistados responderam que conviver bem com a família e os amigos também os aproximava da felicidade. Três em cada dez brasileiros indicaram a tranquilidade financeira em suas respostas.

Felicidade não é fim, mas processo

Segundo o psicólogo Fabio Scorsolini-Comin, todas as pessoas têm condições ou recursos internos que podem ser empregados para ampliar o bem-estar, mesmo enfrentando problemas. "O papel do psicólogo é ajudar a pessoa a olhar para esses recursos, descobri-los e potencializá-los. Mas é preciso compreender que os sentimentos negativos também fazem parte da vida. Assim, não se trata de estar ‘feliz’ o tempo todo, mas, também, de saber manejar os momentos de maior tristeza e de recolhimento, valorizando os aspectos positivos e saudáveis", afirma.

Para os especialistas, a felicidade não é um prêmio que se conquista ou uma meta a ser atingida. "Se pensarmos na felicidade como um fim, uma meta, vamos nos aproximar da ideia da simples satisfação do prazer, o hedonismo. No entanto, esta ideia vem sendo criticada, pois pode estar relacionada a comportamentos de risco, como o uso de drogas por exemplo”, diz a psicóloga Bruna.

Mais aceita seria a concepção grega de “eudaimonia”, que apresenta a felicidade associada ao sentido de vida. “As pessoas buscam sentido, significação, uma experiência plena de vida”, diz o filósofo Flávio Williges. Ele afirma que há algumas que experimentam a sensação de plenitude ou completude com a vida que levam, mesmo sem se considerarem felizes: "Nesses casos, a felicidade, no sentido de uma experiência de satisfação, fica em segundo plano". 

Para o filósofo, aprender a lidar com as perdas e vitórias da vida é elemento fundamental para a felicidade. "A vida não é quieta como a superfície de um lago. E se ela não é quieta, ninguém que não estiver preparado para as ondulações saberá viver bem".