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Vítimas de preconceito, ateus confiam em si mesmos nos momentos difíceis

Thiago Sprovieri, de 29 anos, é ateu - Junior Lago/UOL
Thiago Sprovieri, de 29 anos, é ateu Imagem: Junior Lago/UOL

Marina Oliveira e Thaís Macena

Do UOL, em São Paulo

31/10/2014 17h49

A estudante Ingridi Tombini, de 20 anos, do Rio Grande do Sul, nunca gostou de rezar, mas até os 15 anos frequentou a igreja católica e chegou a estudar a doutrina por exigência dos pais. Hoje, ela se declara ateia, alguém que não acredita em deuses. "Acho que, se alguém pode me ajudar, esse alguém não é Deus e, sim, a família e os amigos. Não me sinto desamparada por não ter fé. Quando tenho alguma dificuldade na vida, paro e penso o que devo fazer para superá-la", diz.

O Censo 2010, divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), indicou que 8% da população brasileira, mais de 15 milhões de pessoas, assim como Ingridi, declaram não professar nenhuma religião. O número de pessoas que faz parte dessa estatística cresce com o passar dos anos: em 2000, cerca de 12,5 milhões de pessoas assumiam não ter religião, representando 7,3% da população.

Não é possível afirmar que, nessa categoria do Censo, todos sejam ateus. Afinal, ela também reúne pessoas que creem em uma divindade, mas não seguem uma religião específica. Mesmo assim, o número chama a atenção. “Ainda estamos tentando mensurar o número de ateus no Brasil”, diz Daniel Sottomaior, presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos). A entidade tem, atualmente, 13 mil associados. Mas a página do Facebook já reúne quase 350 mil fãs.

Para o filósofo Anderson Clayton Santana, mestrando em Ciências da Religião pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Goiás, a mentalidade pragmática em relação à vida pode ser uma das portas para o ateísmo. “Estamos em uma sociedade que valoriza o gozo e a felicidade. Nesse contexto, a religião que prega que a vida é sofrida e que temos que nos conformar com isso está fadada ao fracasso”, diz.

Muitos ateus nasceram em famílias religiosas, mas passaram a questionar os dogmas em algum momento de suas trajetórias pessoais. Foi o que aconteceu com o projetista mecânico Ramom Mirovski, de 21 anos, de Curitiba. “Nas aulas de ciências e história do colégio, eu comecei a achar respostas plausíveis para as minhas dúvidas, que não tinha encontrado na religião. Aos 13 anos, eu nem sabia da existência da palavra ateu e muito menos conhecia a definição do termo. Mas já era um adolescente que não acreditava em Deus por não ver motivos lógicos para a existência dele”, diz.

Os ateístas defendem que crer em uma divindade não é uma condição para encontrar um sentido para a vida. Nos momentos difíceis, quando muitos recorrem à fé para seguir em frente, ateus voltam seus pensamentos para si mesmos. “A vida não é fácil, entendo pessoas religiosas que precisam de algum tipo de alicerce para viver. Mas confio em mim mesmo para me ajudar e resolver os meus problemas. Não vou me sentir desamparado enquanto tiver confiança na minha pessoa”, explica o projetista mecânico.

Preconceito existe

Assim como acontece com os religiosos, nem todos os ateístas são iguais. Há desde os militantes, que atuam na defesa da causa, aos que apenas não creem no divino sem ter necessariamente pensado muito a respeito. “Não se trata de uma qualidade do ateísmo e, sim, da maneira como as pessoas se relacionam consigo mesmas, com a sua vida e com as demais. Há quem seja mais reflexivo, racional e há quem seja mais fanático ou militante”, explica o teólogo Erico Hammes, professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Grande do Sul.

Independentemente das diferenças, ateus ainda são uma minoria no país. E, no Brasil, em que ser temente a Deus é quase um imperativo social, ir contra a maioria, geralmente, resulta em preconceito. Uma pesquisa feita pelo Instituto Rosa Luxemburgo e a Fundação Perseu Abramo, em 2008, revelou que 42% dos brasileiros sentem aversão aos ateus. Desses, 17% declararam sentir ódio ou repulsa e 25%, antipatia. O número é maior do que a aversão aos usuários de drogas, que chegou a 41%.

Mas, em um país tão religioso, não seria um contrassenso ter ódio de quem não tem fé? “O motivo do ódio não é nem religioso nem ateu. Ele se apoia na incapacidade de conviver com quem pensa e vive de modo diferente”, explica Erico Hammes.

“Somos odiados como qualquer um que avise que não é o Papai Noel que traz os presentes”, diz o tradutor Thiago Sprovieri, de 29 anos, de São Paulo. O biólogo Henrique Abrahão Charles, de 37 anos, do Rio de Janeiro, concorda. “Ser ateu no Brasil é extremamente difícil. Ao dizer que é ateu, você pode perder o emprego, a admiração, o prestígio, os amigos e causar ódio nas pessoas. Mais cedo ou mais tarde, vamos precisar de asilo político na Noruega”, diz.

Diante desse cenário, vale a pena insistir na descrença? Os ateus garantem que sim. “Vivo uma vida plena, sem excessos, com uma família linda. Vivo uma vida de filosofia e ciência, em que a felicidade é importante, sem cabrestos dogmáticos. Ser ateu me possibilita sentir e degustar cada momento de minha existência como se fossem os últimos, porque eu entendo que realmente são”, diz Charles.