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Parentes sem afinidades devem se esforçar para manter a família unida

Parentes que não se identificam não precisam ser melhores amigos, mas é bom que estabeleçam uma relação de cordialidade - Getty Images
Parentes que não se identificam não precisam ser melhores amigos, mas é bom que estabeleçam uma relação de cordialidade Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

22/12/2014 07h57

É difícil encontrar uma família que não tenha algum tipo de desavença entre seus membros. Dependendo das circunstâncias, o sofrimento e a mágoa provocados pela briga acabam atingindo quem não teve nada a ver com a história. Em alguns casos, atravessam gerações. Para evitar que a desarmonia impere e se perpetue, o ideal seria que os principais envolvidos selassem um acordo de paz. Ou, pelo menos, tentassem conviver cordialmente para manter todos em união. Mas, na prática, isso é mesmo possível?

Para o psicólogo e terapeuta familiar Marcelo Lábaki Agostinho, que atende em consultório particular e no IP-USP (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo), primeiro é preciso compreender o que cada um de nós tem em mente sobre o que é manter uma família unida.

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"Será que não pensamos primeiro em uma idealização de família, como sendo aquela em que tudo vai bem, em que não há problemas, na qual todos devem se relacionar bem, felizes, negando as diferenças, os conflitos e as crises pelas quais um grupo familiar pode passar?", questiona.

Por essa lógica, o caminho rumo ao entendimento seria desfazer no imaginário a ideia de "família perfeita", já que mesmo o mais bem intencionado dos parentes poderia resolver ou intermediar conflitos sem abordar as dificuldades de relacionamentos das pessoas e ouvir queixas, reclamações, lamentações etc.

"Não é raro que muitas famílias que se dizem unidas estejam falsamente em comunhão. As discussões familiares podem ser transparentes e respeitosas, o que leva os membros a ter um vínculo mais saudável. Ambientes onde não se manifestam as individualidades não podem ser chamados saudáveis", diz a psicóloga Fátima Maria Marques Pereira Trevisan, que atua como terapeuta de família e casal e psicanalista, de Santo André (SP).


Não buscar a conciliação com o parente com o qual se desentendeu ou se esquivar de apaziguar os ânimos entre familiares brigados pode fazer com que picuinhas ou fatos isolados virem fendas enormes, trazendo muita discórdia e corroendo mais relações familiares.

"É comum observar, no atendimento a famílias, questões ligadas a brigas por herança, por exemplo, nem sempre na mesma geração, mas de gerações passadas. E que trazem à tona muitos ressentimentos, causando conflitos na geração atual", diz Marcelo. A raiva pode envolver segredos familiares, rivalidades e invejas do passado.

Segundo Fátima Trevisan, trata-se de um mecanismo que em terapia familiar se denomina "lealdades invisíveis". “O que não é resolvido em uma geração, fatalmente passará para a seguinte, deixando para algum descendente a responsabilidade de liquidar essa dívida. Costumo dizer que ‘alguém vai ter de pagar a conta'. Essa é, sem dúvida, a pessoa que mais sofre", observa a psicóloga.

Em que circunstâncias hastear a bandeira branca?

Na opinião da psicóloga Lidia Weber, professora, pesquisadora da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e autora de 12 livros, entre eles “Família e Desenvolvimento Humano” (Ed. Juruá), vale sempre a pena fortalecer relações sociais e, especialmente, afetivas.

"É isso o que nos resta, no fim das contas. Ao final da vida, não queremos mais um carro bonito na garagem, e, sim, estar perto de pessoas que amamos e que nos amam. Então, não é preciso esperar o finzinho da vida ou alguma grande tragédia. Além do mais, uma briga entre duas pessoas da família não afeta apenas as duas, mas todo o sistema familiar", comenta.

Porém, estabelecer a harmonia depende de alguns fatores, entre os quais os motivos que conduziram à desavença. "Há brigas que são como um vaso de cristal: uma vez quebrado, pode até ser colado, mas nunca mais ficará igual. Por isso, ocasiões sociais em que parentes que não se dão bem sabem que se encontrarão podem ser interessantes, mas sem forçar a barra", fala Lidia.

Para ela, brigas corriqueiras devem ser esquecidas, pois há coisas que nem vale a pena ficar remoendo. “Para que ficar lembrando os pais muito idosos fatos que ocorreram e que causaram mágoa há 30 anos? Os mais novos precisam se esforçar, virar a página e ser mais tolerantes, fala a psicóloga.$escape.getHash()uolbr_quizEmbed('http://mulher.uol.com.br/comportamento/quiz/2014/02/08/seu-parente-e-so-chato-ou-e-uma-serpente.htm')Por mais sérias que sejam as razões dos conflitos, como traição, desfalque ou adultério, é importante não repassar aos outros para, como já foi dito, não contaminar gerações que nada têm a ver com isso. Se dois cunhados brigaram, por exemplo, não precisam ficar envenenando as mulheres ou os filhos uns contra os outros. É necessário o mínimo de respeito em relação à opinião e aos sentimentos alheios.

É claro que o fato de as pessoas pertencerem ao mesmo grupo familiar, com origens de antepassados em comum, não obriga a simpatizarem umas com as outras e a se entenderem. Relações de qualquer tipo, sejam elas familiares ou de amizades, são construídas a partir de interesses comuns e afinidades. Mas em determinados casos, as pessoas simplesmente se mantêm afastadas porque uma se recusa a procurar a outra e ambas ficam esperando que a outra parte se manifeste.

Algumas até se esquivam de eventos familiares em que inevitavelmente vão se esbarrar para não ter de olhar na cara da outra, e acabam perdendo a chance de resolver ou, no mínimo, estabelecer um relacionamento cordial. Por que não engolir o orgulho em benefício de alguém –um filho, por exemplo, que pode ter um afeto genuíno pelo tio que você não suporta, mas ambos se dão bem?

“É importante que os demais familiares tentem uma reconciliação através do diálogo com as partes envolvidas, procurando facilitar a reflexão sobre o que e como poderiam fazer para harmonizarem a situação. Um bom começo é lembrar que o desentendimento pode ter tido origem na atitude do outro, mas ambos o alimentaram, pois ninguém briga sozinho”, diz a mediadora de conflitos Suely Buriasco, de São Paulo (SP), educadora com MBA em Gestão de Pessoas e autora de "Mediando Conflitos no Relacionamento a Dois” (Ed. Novo Século).

"Compreender o outro na sua forma de ser e até em seus limites evita muita confusão. Se você está com a razão não a perca mantendo-se inflexível e, se errou, não meça esforços por redimir-se e manter a harmonia. Toda a família ganha com isso.”, fala Suely.