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Países que descriminalizaram uso de droga combatem melhor o tráfico

Assumir o uso de maconha como problema de saúde trouxe benefícios para Portugal - Getty Imaes
Assumir o uso de maconha como problema de saúde trouxe benefícios para Portugal Imagem: Getty Imaes

Yannik D´Elboux

Colaboração para o UOL

12/11/2015 07h15

“A decisão de descriminalizar e assumir a dependência como problema de saúde trouxe vantagens muito grandes para nossa sociedade”, afirma João Goulão, presidente do Sicad (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências) de Portugal e do conselho administrativo do EMCDDA (Centro Europeu de Monitoramento de Drogas e Dependência de Droga).

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Segundo Goulão, na década de 1990, era raro uma família portuguesa que não tivesse, pelo menos, um membro dependente químico. Por causa desse cenário, foram adotadas uma série de políticas, de 1999 em diante, para tratar a questão como problema de saúde pública em vez de assunto criminal. Portugal e outros países que tomaram novas medidas para lidar com usuários começam a colher efeitos positivos.

Desde 2001, não é considerado crime em Portugal o porte de qualquer tipo de droga em quantidade para consumo, conforme uma tabela que estabelece um montante para cada substância, correspondente ao uso durante dez dias.

Apesar de não ser criminalizado, o usuário pode sofrer sanções administrativas, como multa ou prestação de serviço comunitário, e receber encaminhamento para tratamento, de acordo com cada caso.

O principal argumento para impedir a descriminalização do uso de drogas recai sobre o temor de que a liberação aumente o consumo. Segundo o presidente do Sicad, isso não aconteceu em Portugal, pelo contrário, houve uma redução na utilização de drogas pelos jovens a partir de 2003.

No relatório do EMCDDA de 2011, Portugal aparece com uma média de consumo de maconha inferior à da Europa. O consumo dessa droga na faixa etária de 15 a 34 anos foi de 6,7%, em comparação à média europeia de 12,1%, apurada em 2007.

O uso de cocaína pelos jovens portugueses teve predominância de 1,2% entre esse mesmo grupo, em comparação a 2,1% dos europeus dessa faixa etária. Ainda de acordo com o documento, na Holanda, país famoso por seus cafés que comercializam maconha, o consumo da substância é menor do que na França, onde prevalece a criminalização.

Menos prisões

Reduzir o tráfico, a violência e desafogar o sistema carcerário são benefícios relacionados à descriminalização do uso e à regulação do mercado. O secretário nacional de drogas do Uruguai, Julio Heriberto Calzado, declarou no ano passado que a liberação da maconha no país zerou as mortes ligadas ao uso e ao comércio da substância.

Para Diego Pieri, integrante da equipe de política nacional de drogas da ONG Pro Derechos, do Uruguai, que participou ativamente nas mudanças recentes implementadas no país, a regulação da maconha é fundamental para reduzir os problemas. “No futuro, os usuários não precisarão recorrer ao mercado negro.”

O Uruguai desponta como país com um dos planos mais ousados de controle e regulação da maconha. Além de permitir o cultivo para uso recreativo, mediante cadastro (até agora são 3.500 inscritos), o governo autorizou duas empresas a produzirem quatro toneladas da erva por ano, que será vendida em farmácias autorizadas.

Os usuários, registrados nos correios, poderão comprar dez gramas por semana de maconha. Segundo Pieri, que acompanha de perto o andamento desse processo, provavelmente a venda será iniciada em meados de 2016.

Os Estados Unidos, pais no qual cinco estados liberaram o uso da maconha, também avançam com diretrizes mais brandas nas punições relacionadas às drogas. No início de novembro, mais de 6.000 presos em penitenciárias federais, condenados por crimes não violentos associados a entorpecentes, foram liberados. A expectativa é de que nos próximos anos mais de 40 mil tenham suas penas reduzidas. É bom que se diga que a nação tem a maior população carcerária do mundo, com mais de 2 milhões de prisioneiros.

Estigma social

“Diversos países da América Latina estão flexibilizando suas políticas de drogas porque constataram o fracasso da proibição”, afirma Cristiano Maronna, secretário-executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e vice-presidente do IBCC (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

Para Maronna, a descriminalização no Brasil permitiria que a polícia e o Ministério Público concentrassem seus esforços no combate às organizações criminosas, além de tirar o estigma do usuário, facilitando ações de cuidado e de tratamento para dependentes.

Em Portugal, segundo João Goulão, a polícia deixou de se preocupar com pequenos delitos para trabalhar em ocorrências mais importantes. Em 2006, conforme dados do EMCDDA, as apreensões de cocaína bateram o recorde de mais de 34 toneladas.

Tanto Goulão quanto Maronna apontam também para o estigma social envolvido na criminalização do usuário como traficante, que acaba atingindo as camadas com pior nível socioeconômico.

“O perfil do condenado por tráfico no Brasil é o de afrodescendentes homens, entre 18 e 29 anos, com baixa escolaridade, sem antecedentes criminais, presos em flagrante na via pública, sem arma, com pouca quantidade de drogas e sem um trabalho prévio de inteligência policial”, fala Maronna.