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Lógica antiquada sobre homem é justificativa para cultura do estupro

"Delegado nenhum deve perguntar como uma vítima de violência sexual estava vestida porque não há justificativa para isso", diz Nadine Gasman, representante no Brasil da ONU Mulheres - Ilustração UOL/DidiCunha
"Delegado nenhum deve perguntar como uma vítima de violência sexual estava vestida porque não há justificativa para isso", diz Nadine Gasman, representante no Brasil da ONU Mulheres Imagem: Ilustração UOL/DidiCunha

Natália Eiras

Do UOL, em São Paulo

03/06/2016 13h58

"Há mulheres 'estupráveis' e não 'estupráveis'. Depende do comprimento da saia.” Este pensamento cruel nem sempre é dito em voz alta, mas a falta de esclarecimento ainda faz com que muita gente siga sustentando tal argumentação em rodas de amigos e parentes. Identificou-se? Pois saiba que é este um dos pontos da cultura do estupro.

O termo, que ganhou as redes sociais após uma adolescente de 16 anos ter sido violentada por um grupo de homens no Rio de Janeiro (RJ), é um conjunto de conceitos que normaliza o abuso e é o responsável por ideias como a de que uma mulher que opta por uma minissaia está mais vulnerável a uma violência sexual ou está, até mesmo, "pedindo" para que seja assediada.

Em 2014, a internet ferveu com fotos de mulheres com cartazes com a frase "Não Mereço Ser Estuprada" após o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgar um levantamento no qual 26% dos brasileiros concordam inteira ou parcialmente com a frase "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Na mesma pesquisa, 30% dos entrevistados concordam com a ideia de que "se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros".

Por sua vez, o levantamento "Violência contra a mulher no ambiente universitário", feito em 2015 pelo Instituto Avon com o Data Popular, mostrou que 27% dos 1.823 universitários entrevistados não consideram violência abusar de uma garota se ela estiver alcoolizada.

"Isso vem da concepção machista da sociedade de que a mulher existe como um objeto", diz a representante no Brasil da ONU Mulheres, Nadine Gasman, ao UOL. "Uma mulher deveria poder sair nua na rua sem ser tocada, xingada ou estuprada.".

De acordo com a diretora de conteúdo do Instituto Patricia Galvão, Marisa Sanematsu, uma lógica antiquada de que o homem "não consegue se controlar" é usada para justificar este tipo de pensamento. "É uma noção que diz que os homens são animais com apetite sexual exacerbado e, por isso, a mulher tem que saber se portar e se vestir de maneiras que não estimulem o homem", fala Sanematsu.

Segundo Marisa, o estuprador é condenado pela maior parte da sociedade quando ele ataca uma pessoa que "sabe se portar". O mesmo não acontece quando a vítima não atende aos padrões ditos de uma mulher "recatada", como é o caso da menina de 16 anos, que convivia com pessoas ligadas ao tráfico de drogas. "As pessoas acham que eles [os estupradores] agiram naturalmente. É uma barbárie. É a mesma coisa do que dizer que pessoas que usam roupas azuis devem ser espancadas", completa Gasman.

O figurino, o comportamento ou o local em que uma pessoa está não interfere nos riscos de ela sofrer abuso, já que o criminoso pode ser um familiar, amigo ou colega de trabalho. "É mais uma questão de relações desiguais e desequilibradas de poder entre os gêneros", esclarece a Nadine Gasman. "Delegado nenhum deve perguntar como uma vítima de violência sexual estava vestida porque não há justificativa para isso."