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Traído sofre duplamente: pela quebra de fidelidade e por ser descartado

Segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, tanto a traição masculina quanto a feminina pouco têm a ver com sexo - Getty Images
Segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, tanto a traição masculina quanto a feminina pouco têm a ver com sexo Imagem: Getty Images

Thamires Andrade

Do UOL

09/11/2016 07h05

Em um episódio de traição, o casal passa por um turbilhão de emoções. Enquanto decepção e frustração rondam os traídos, o sentimento de arrependimento é comum entre as pessoas que traíram e foram descobertas. Mas, afinal, quem sofre mais com a traição? De acordo com os especialistas ouvidos pelo UOL, ainda que cada um lide com a situação de uma maneira diferente, o traído, sem dúvida, é o que mais sofre.

"Quem foi traído sofre pela traição em si e pela dor de ver a confiança no parceiro quebrada. O indivíduo se sente magoado, triste, e o episódio provoca insegurança e baixa autoestima", declara o psicólogo Thiago de Almeida, especialista no tratamento às dificuldades do relacionamento amoroso, de São Carlos (SP).

Há também um estigma cultural que cerca o traído. "Ele é visto como alguém que foi jogado no lixo, a quem não foi dada importância. Ninguém sente orgulho de chegar em um grupo e contar que foi traído. Essa situação nunca foi bem aceita socialmente", afirma o psicólogo e terapeuta de casal Elídio Almeida, de Salvador (BA).


Para Almeida, a terapia de casal pode ser uma aliada para que a traição não seja o ponto final para o relacionamento. "Se os pares analisarem o que motivou a traição e mudarem o olhar para ela podem se entender. O cônjuge pode ter traído por uma atração física, o que faz com o ato não represente o fim do relacionamento, pois o amor não acabou. Mas se a traição acontece porque o parceiro acha que deve ficar com quem quiser e quando quiser, aí a situação é diferente", fala.

Ideal de fidelidade

Mirian Goldenberg, antropóloga, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e autora de "Por Que Homens e Mulheres Traem?” (BestBolso), estuda a temática há 30 anos. Segundo pesquisas conduzidas pela estudiosa, ao longo da carreira, 60% dos homens afirmam que já foram infiéis e 47% das mulheres assumem a infidelidade.

De acordo com a antropóloga, o interessante não são os números --bem próximos entre os gêneros--, mas, sim, o discurso da traição.

"Enquanto os homens apontam a própria natureza ou uma crise pessoal ou no casamento, as mulheres sempre culpam o parceiro. Elas dizem que não querem trair, mas que o par não dava o que ela precisava, não reconhecia seu valor ou não demonstrava o quanto ela era atraente. Essa atitude, de certa forma, é uma traição por vingança, pois é aquela ideia de que se ele não dá valor, tem quem dê", declara.

Para a antropóloga Mirian, a fidelidade é algo tão raro nas relações que faz com que seja ainda mais valorizada. "O ideal do casamento fiel é que o parceiro, mesmo que sinta desejo por outra pessoa –o que é natural--, prefira se manter fiel, pois preserva e valoriza a relação."

Esse ideal de fidelidade é o que Mirian encontra na maioria dos entrevistados de suas pesquisas, no entanto, isso não quer dizer que sejam fiéis a seus parceiros.

"É o paradoxo da fidelidade. Eles querem acreditar na fidelidade do outro, mesmo quando são infiéis ou quando sabem que existe uma grande possibilidade de o parceiro ser", afirma a antropóloga.

Para Mirian, isso acontece porque mais importante do que a fidelidade efetiva é a crença nela.

"Um caso clássico é o da amante, que mesmo se relacionando com um homem casado acredita na fidelidade dele. Ela acha que ele está casado por obrigação e que o verdadeiro amor da vida dele é ela, a quem ele é fiel. Se ela não acreditasse nessa fidelidade, provavelmente, a relação não se manteria", conta.

Sofrimento de quem trai

Mas não é só o traído que sofre em um episódio de traição, principalmente quando o acontecimento é revelado. "O que traiu pode sofrer quando o parceiro opta por terminar a relação, não perdoar, o que pode ser muito negativo, principalmente se ele ainda ama essa pessoa", declara Almeida.

Mirian identifica uma diferença de comportamento entre os homens e mulheres que traem. "A maioria das mulheres que traem não querem se dividir, querem ter uma única pessoa. Um homem que preencha uma enorme lista de qualidades que ela busca em um parceiro, e ela sofre com essa divisão até resolver com quem vai ficar. Já os homens sofrem mais por terem medo de perder o casamento e a família e em função das mudanças que a descoberta da traição pode causar em sua vida", fala a antropóloga.

Esse comportamento mais "acomodado" dos homens também é observado pela antropóloga quando eles suspeitam que a mulher está tendo uma relação extraconjugal. "Os homens têm um tipo de cegueira voluntária, preferem não saber, pois, quando descobrem, precisam tomar uma atitude e muitos não querem questionar o casamento. Querem ficar lá, tranquilos", afirma.

Já as mulheres, além de acharem que estão sendo traídas a todo instante, têm tendência a serem mais insatisfeitas. "Ela está muito mais atenta a todos os sinais [de que possa estar sendo traída]. Ela também se ressente mais quando é traída", diz.

Mirian, no entanto, destaca um ponto comum tanto na traição masculina quanto na feminina: o comportamento pouco tem a ver com sexo.

"Pessoas não traem só por sexo. Traem por carinho, compreensão, cuidado, intimidade, escuta e companheirismo. Claro que pode haver um caso eventual, mas, nos duradouros, o sexo está no meio de um pacote muito maior", afirma.