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Da censura ao mamaço: como mostrar os seios se tornou um ato feminista

Bárbara Stefanelli

Do UOL, em São Paulo

01/04/2017 04h00

O meme de 2011 já dizia: mamilos são polêmicos. Seis anos se passaram e eles continuam causando controvérsia. Desde então, foi lançado o movimento "Free The Nipple" (liberte os mamilos, em tradução para o português), e aconteceram inúmeras censuras a peitos femininos no Facebook (até de foto histórica) e no Instagram. Ativistas foram às ruas protestar com os seios à mostra em várias partes do mundo. Até o ato de amamentar ganhou verniz político com o Mamaço, no qual mulheres se reuniram em locais públicos para alimentar seus bebês.

Mais recentemente, durante o show da sueca Tove Lo no festival Lollapalooza, em São Paulo, a cantora mostrou os seios. Em entrevista à MTV americana, Tove disse que odeia quando alguém diz que ela não pode fazer alguma coisa só por ser uma garota. “Para mim, é estranho quando alguém fala que não é feminista. Como uma pessoa pode não apoiar a igualdade? Todo mundo que quiser deveria mostrar os seios”, disse a artista para a publicação.

Meu corpo, minhas regras

Mostrar se tornou um ato feminista. Desde a década de 60, durante o movimento da contracultura, muitas mulheres ficaram com o busto nu. Mas, se naquele momento, o ato tinha uma conotação mais de liberdade, agora o teor de indignação é mais forte. De acordo com a feminista Letícia Bahia, uma das idealizadoras do projeto Mamilos Livres, esse tem sido um mecanismo para chamar a atenção ("Assim como parar o trânsito"). Também é um jeito de chamar a atenção para o conceito de "Meu Corpo, Minhas Regras". 

A ativista ainda diz que não gosta muito da expressão "mostrar os seios". E reflete: "No momento, estou aqui falando com você sem luvas e nem por isso estou mostrando minhas mãos. A questão é que somos obrigadas a esconder os seios. A intenção do projeto e deste debate é retirar essa proibição". 

Já Darlane Andrade, psicóloga e professora do departamento do estudo de gênero e feminismo da UFBA (Universidade Federal da Bahia), um dos principais pontos desta forma de expressão é ressignificar o seio, sem objetificá-lo e erotizá-lo. "Muitas mulheres vão às ruas, principalmente durante a Marcha das Vadias, que acontece em diversas partes do mundo, para mostrar que elas podem se expressar da forma que quiserem e, não necessariamente, precisam ser violentadas por causa disso", diz a professora.

Independentemente da forma que estão vestidas, as mulheres não devem ser violentadas de forma alguma. E mostrar o seio é uma forma de reivindicar esse direito.

Darlane Andrade

De acordo com Letícia, esse não é um chamado para as mulheres saírem tirando a blusa por aí. "A ideia é que elas simplesmente possam ter essa liberdade", acredita. Para ela, essa censura e objetificação dos seios acabam causando situações violentas até nas coisas mais simples da vida, como amamentar. "O caso mais clássico é quando a mulher está amamentando e acaba até sendo censurada ou convidada a se retirar do ambiente. É tamanho constrangimento que, muitas vezes, cercada daqueles olhares, essa mãe até desiste de dar de mamar."

ONG Partejando & Companhia promove mamaço no Parque da Jaqueira, em Recife (PE) - Bobby Fabisak/JC - Bobby Fabisak/JC
17.dez.2016 - ONG Partejando & Companhia promove mamaço no Parque da Jaqueira, em Recife (PE)
Imagem: Bobby Fabisak/JC

Por que mamilos masculinos não chocam?

Mas, afinal, o que muda tanto de um mamilo masculino para um feminino? Por que um homem pode sair sem camisa por alguns lugares e uma mulher não? Uma conta no Instagram chamada Genderless Nipples (mamilos sem gênero, em tradução livre) provoca essa reflexão ao apenas postar "closes" de mamilos. Sem dizer se o dono é homem ou mulher, assim também não tem como a rede social censurar.

14.11.2015 - Marcha das Vadias em Copacabana, no Rio de Janeiro - Fabio Teixeira/Folhapress - Fabio Teixeira/Folhapress
14.11.2015 - Marcha das Vadias em Copacabana, no Rio de Janeiro
Imagem: Fabio Teixeira/Folhapress
De acordo com a psicóloga Darlane, essa diferenciação se deve a toda uma formação e educação da sociedade. "As mulheres não têm esse direito de andar sem blusa e sutiã na nossa cultura, mas, em alguns espaços de lazer na Europa, por exemplo, elas transitam livremente com os seios à mostra e isso não tem problema, lá elas não recebem olhares erotizados como receberiam aqui no Brasil."

A estudiosa ainda acrescenta o fato de que o seio é sempre mistificado: "A gente vê as mulheres sendo exibidas nuas, de forma sensual, para vender um produto. Essa objetificação do corpo da mulher é a questão que o feminismo quer ressignificar e desconstruir."

E para elas isso não significa que essa parte do corpo não possa ser fonte de prazer, mas não o tempo todo. E não custa lembrar: sempre com o consentimento da mulher. “Está escrito em pedra que homem tem que sentir tesão ao ver um seio ou a gente aprende que precisa que ver essa parte assim?", questiona Letícia. A ativista finaliza: "O contexto erótico, quem vai ditar é a própria mulher. Meu corpo tem que ser erótico no momento em que eu digo que ele é."