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OPINIÃO: Experimente trocar a palavra Emilly por "sua filha"

Reprodução/Gshow
Imagem: Reprodução/Gshow

Lia Bock

Colaboração para o UOL

11/04/2017 13h13

Mas não pode nem mais pegar no braço? Responda essa pergunta você mesmo, mas antes, pense que esse bracinho roxo é da sua filha. E ela já chorou, já reclamou, já disse que estava doendo e foi chamada de burra de variadas formas. Ah. E foi intimidada e encurralada na parede. Só pra te convencer de vez (ou te deixar em pânico), vou te contar que a sua filha nessa história tem 20 anos e já passou por situações do tipo algumas vezes. Um professor a beijou numa “brincadeira” de gato mia quando ainda tinha 13 anos. O primeiro namorado “brincou” de estrangulamento, só pra mostrar como ele tinha o domínio. Um amigo tentou “fazer sexo” com ela que jazia bêbada e desmaiada depois de uma festa. E o primeiro chefe, num escritório bacana, a beijou a força.

Outro dia, depois de avisar que queria se separar de um sujeito, sua filha foi proibida de sair da casa. Ele escondeu a chave. Ela escondeu as facas –  just in case. Teve também um ginecologista que, enquanto ela estava com as pernas arreganhadas na maca, lhe estimulou o clitóris divagando como ele era bonitinho. Tá duvidando? Pergunta pra ela. Se não te contou foi porque achou que faria alarde – ou que a culpa era dela. Acontece. Vai ver ela ficou com medo de você achar que ela mereceu. Ela mesma, já chegou a pensar isso.

Mas como pode? Tua filha é de classe média alta. Escola boa. Plano de saúde muito acima da média. Tua filha é uma privilegiada e nunca se meteu com “gente ruim”. Uma amiga dela já foi estuprada. Mas essa... você sempre percebeu que era doidinha. Tua filha, não. Mas e daí? Enquanto você mesmo achar que “tudo bem um apertãozinho no braço ali no reality da TV”, tua filha vai seguir sendo apertada. Entende? E isso não tem nada a ver com “se dar ao respeito”.

Ela sabe se virar. Ufa. A vida ensinou – sim, a vida ensina cada coisa. Mas no fundo, a gente sabe que ela deu foi sorte de não ter cruzado com Lindemberg (que matou Eloá), com Bruno (que esquartejou Eliza), com Igor (que matou Patrícia, grávida de seu filho), com Ariosvaldo (que matou Tânia) ou com Marco Antônio (que por duas vezes tentou assassinar Maria da Penha).

Pois então, é pra não termos que contar com a sorte no caso da tua filha que a gente reafirma: não, não pode pegar no braço.

Violência não é amor. Nunca. E em terra de machismo endêmico, briga de casal é problema social.

Por mais denúncias. Por mais esclarecimento sobre violência doméstica. Por mais filhas que (oxalá) cheguem aos 20 anos sem um relato de medo do parceiro ou roxos pelo corpo.