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"No auge como modelo, destruí minha saúde pela magreza, era uma obsessão"

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Helena Bertho

do UOL, em São Paulo

28/04/2017 04h00

Nathália Novaes, 26, era modelo internacional, com carreira de sucesso, quando percebeu que estava destruindo sua saúde e seu bem-estar para ter o corpo ideal. Ela engordou e precisou recomeçar a carreira do zero, mas encontrou a felicidade e hoje questiona os padrões de beleza. Neste depoimento ela conta como foi o processo.

"Meu manequim era 36; minha barriga, chapada; meus braços, finos; meu corpo, todo definido. Se você me visse na rua, diria que eu era muito magra. Mas a única coisa que eu conseguia pensar era que precisava emagrecer. Para os meus clientes, eu realmente precisava. E isso justificava na minha cabeça ficar mais de um dia sem comer, tomar remédios e dedicar a maior parte do meu dia na academia. Eu era modelo, estava no auge da carreira, sendo capa de revista, mas extremamente infeliz e destruindo minha saúde.

Aos 24 anos de idade, eu não tinha energia para nada, vivia cansada e só conseguia pensar em uma coisa: perder peso. Eu não podia sair para comer com amigos, eu não podia aproveitar uma refeição com prazer. Vivia com fome e usando artifícios para lidar com isso: uma hora, cigarro; em outra, diurético; na outra, sibutramina. O que os colegas ou os médicos indicassem, eu tentava.

Era uma paranoia tão grande, que eu vivia ansiosa e comecei a desenvolver compulsão. Depois de passar um dia inteiro sem comer, de repente comia até passar mal, o que tivesse pela frente. Aí subia na balança, para ver quantos gramas tinha engordado, e entrava em um dia de jejum para compensar. Em um ciclo que me destruía, mas que nem eu percebia que era distúrbio alimentar.

"Comecei a modelar por acaso"

Durante toda a vida fui magra, mas nunca estive satisfeita com meu corpo. Sempre precisava perder dois quilinhos e, apesar de sonhar, não achava que poderia ser modelo. Até que, aos 18 anos, eu estava andando pela faculdade quando uma pessoa de uma agência me abordou e me convidou para fazer um casting. Meio sem esperança, decidi ir. E, para minha surpresa, rolou.

Fiz umas fotos para uma marca e ganhei um dinheiro bem bom. Opa! Aquilo poderia dar certo, fazer uma grana. Decidi tentar um pouco mais.

Comecei a participar de vários castings e os trabalhos rolavam. Mas uma coisa que sempre ouvia é que eu estava um pouco acima do (peso) ideal. Então, quando percebi que a carreira como modelo poderia dar certo, decidi emagrecer. Começava aí minha obsessão.

Qualquer dieta que surgia, eu tentava. Proteína, cortar carne, cortar carboidratos, cortar isso, cortar aquilo. Cada hora eu tentava algo diferente. Ao mesmo tempo, ia seguindo os conselhos dos agentes e das colegas, como tomar diurético para começar a perder peso, o que só depois eu fui saber que era arriscadíssimo para a saúde. Mesmo tendo sido hospitalizada uma vez porque meu nível de potássio caiu devido a isso.

Nathália Novaes foi capa de diversas revistas, mas não conseguia aceitar seu corpo.  - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Nathália foi capa de diversas revistas, mas não conseguia aceitar seu corpo.
Imagem: Arquivo Pessoal
"Fui morar em Nova York e fazia campanhas internacionais"

Na minha cabeça, tudo o que eu fazia era muito saudável. Restringir a alimentação ou malhar demais, para mim, eram sinônimos de cuidar da saúde. E, como minha carreira começou a crescer, estava tudo ótimo. Várias marcas me contratavam para publicidade, comecei a fazer desfiles de moda e também editoriais de revista.

Lembro o desespero que era para participar da São Paulo Fashion Week. Eu queria muito, era o máximo da carreira, mas também o máximo da cobrança. Você precisava ser esquelética para subir naquela passarela e a gente estava disposta a tudo para isso. Eu, obstinada, consegui.

E consegui muito mais. Quando finalmente cheguei ao manequim 34, consegui contrato com uma agência internacional. Consegui fazer campanha para grandes marcas de beleza, ser capa de revista, sair nos editoriais de moda das maiores publicações do setor. Tranquei a faculdade e fui morar em Nova York.

A coisa doida daquilo tudo era que a felicidade de conseguir algo legal logo passava e era substituída pela angústia de não estar no peso.

Todas nós, modelos, vivíamos medindo nossos corpos, nos sentindo gordas e fazendo loucuras para emagrecer. Mas nenhuma de nós era naturalmente daquele jeito. O padrão quase esquelético que a indústria da moda exige não representa o corpo da maioria das mulheres.

"Chegava a não dormir de fome"

Morando em Nova York, eu estava em um lugar que para a maioria das modelos era o topo ou algo muito perto dele. Mas não estava bem. Vivia ansiosa, sem energia e tendo acessos de compulsão por comida, que me faziam passar bem mal depois. Chegava a não conseguir dormir de fome.

Aos finais de semana, eu ficava sozinha em casa, não saía para não correr o risco de ceder à tentação. E foi em um momento desses, em que me sentia miserável, que a ficha caiu: eu não estava bem. Como eu podia estar vivendo o que, teoricamente, era um sonho e estar tão infeliz?

Decidi tirar férias, viajei para a Costa Rica e tirei uns dias para pensar sobre isso. Entendi que eu estava mal, mas que muitas outras colegas estavam muito pior. E eu não queria chegar ao ponto delas. Precisava me cuidar. Eu andava tão paranoica com meu corpo, que esquecia da Nathália que havia dentro dele.

Nathália Novaes: "Não me acho gorda, mas para a moda hoje sou curvy ou plus size".  - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Nathália Novaes: "Eu sei que não sou gorda fora do mundo da moda e defendo que haja espaço para todos os corpos na mídia."
Imagem: Arquivo Pessoal
"Precisei recomeçar minha carreira do zero"

Voltei das férias decidida a me cuidar. Comecei terapia e fui abandonado, aos poucos, hábitos que me faziam mal. Comecei a comer melhor, não fazia mais jejum, nem loucuras para perder peso e até aceitava sair para jantar com amigos.

Naturalmente fui começando a me sentir melhor. E naturalmente meu corpo foi voltando ao formato que é dele. E também naturalmente fui perdendo trabalhos como modelo. Os clientes não queriam uma mulher com manequim acima do 36.

E em um ano e meio, meu manequim aumentou bem: cheguei ao 42. Eu me sentia linda!

Meu corpo estava bonito, eu estava feliz, aproveitando as amizades e as relações, mas minha carreira estava afundando. Então decidi que ela também precisava mudar. Descobri uma agência que não diferenciava modelos por tamanho e lá os clientes voltaram a aparecer.

Não foi fácil, tive mesmo que recomeçar minha vida de modelo do zero, mas devagar foi rolando. A indústria chamada "plus size" estava crescendo e me acolheu. Hoje, não me falta trabalho.

Mas não consigo esquecer tudo o que passei, por isso criei um canal no YouTube com duas amigas para falar disso, desses padrões estéticos que nos torturam por todos os lados. Pode ser pior para uma modelo, mas é ruim para todo mundo e isso está ligado. A indústria da moda precisar representar todos os tipos de corpos, para entendermos que existem muitas variações da beleza!"

 

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