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Flor, estrela e tribal: tatuagem ajuda mulheres a superar o câncer de mama

Para a reconstrução do seio de Joana, foi usado um enxerto de pele das costas. Com a tatuagem ela cobre toda a cicatriz e o peito.  - Arquivo Pessoal
Para a reconstrução do seio de Joana, foi usado um enxerto de pele das costas. Com a tatuagem ela cobre toda a cicatriz e o peito. Imagem: Arquivo Pessoal

Helena Bertho

Do UOL

28/06/2017 04h00

É com orgulho que a administradora Joana Jeker, 40 anos, exibe as delicadas flores de cerejeira que percorrem suas costas até envolver o seio direito. A tatuagem cobre as marcas que o câncer de mama deixou em seu corpo e simboliza sua vitória sobre a doença.

"Mesmo depois da reconstrução da mama, me sentia incompleta. Para mim, o processo todo da luta e da recuperação só acabou quando fiz esse desenho", conta ela que, por quatro anos tinha vergonha das cicatrizes e as escondia, evitando usar biquínis e decotes que deixassem os sinais aparecerem.

Como Joana, muitas mulheres têm recorrido a desenhos de flores, estrelas e tribais delicados para recuperar a autoestima depois de uma mastectomia. Em casos de tumores agressivos, a retirada total do seio e a reconstrução deixam cicatrizes grandes. Além disso, refazer os mamilos requer uma segunda cirurgia com enxertos, que não deixa a cor igual à original. Não são todas as pacientes da doença que se sentem dispostas a passar por tudo isso. 

Para a oncologista Fabiana Baroni Makdissi, chefe de mastologia do Hospital AC Camargo, esse processo de "volta por cima" é uma parte importante do tratamento. "O câncer de mama mexe com o ideal de feminilidade, do que é o corpo da mulher, e isso afeta a autoestima. Por isso a reparação é essencial para que elas se recuperem", explica.

"Fiz a tatuagem quando me libertei do câncer"

Dois tipos de tatuagem têm ganhado a preferência dessas mulheres. O primeiro, mais comum, consiste em redesenhar o mamilo com uma pigmentação próxima a da cor original. "Hoje, com técnicas de desenhos 3D, conseguimos criar um efeito visual que fica realmente parecido a um mamilo real", explica o tatuador Sergio Leds, que atende vítimas da doença, em São Paulo.

O segundo são os desenhos para cobrir as cicatrizes da cirurgia e trazer uma nova beleza aos seios. Joana fez os dois tipos. Primeiro, tatuou um novo mamilo. "Ficou muito bom, parecendo real, mas ainda tinham as cicatrizes e elas me incomodavam", relembra.

Para a reconstrução da mama, enxertos de suas costas haviam sido usados nos peitos, por isso a cicatriz era extensa e bem difícil de esconder. O desenho das flores de cerejeira foi importante nesse processo de resgate de sua autoestima.

Tatuagem cobre todo o seio e cicatriz nas costas de A.C., celebrando o fim do medo de que o câncer volte.  - Divulgação/ Tati Stramandinoli - Divulgação/ Tati Stramandinoli
Tatuagem cobre todo o seio e cicatriz nas costas de A.C., celebrando o fim do medo de que o câncer volte.
Imagem: Divulgação/ Tati Stramandinoli
Marca da superação

A.C., 46, nem teve vontade de refazer o mamilo, optou direto por uma tatuagem. O desenho de rosas escolhido cobriu todo o seio e a cicatriz que vai até as costas. "Fiz a cirurgia em 2008 e todo o tratamento em 2009 e, no ano seguinte, a reconstrução. Nunca quis fazer o mamilo, pois achava artificial, então decidi esperar. Por anos você ainda faz acompanhamento, convive com a sombra da doença, o medo de que volte... Agora senti que finalmente estou livre disso e que era o momento, então fiz a tatuagem", conta ela.

Enquanto a reconstrução da mama afeta mais a parte da aparência que perceptível ao olhar dos outros, para muitas mulheres as tatuagens para refazer o mamilo ou cobrir cicatrizes tem mais a ver com a própria relação com o espelho e autoestima.

Projetos oferecem tatuagens grátis

A tatuadora Tati Stramandinoli nem sonhava em trabalhar com câncer de mama quando foi procurada por um médico para que fizesse a auréola do seio de uma paciente, em 2013. "Eu estudei, pesquisei como fazer e foi tudo muito bem. Mas depois da segunda paciente, eu percebi que não podia mais fazer aquilo, não parecia certo cobrar", lembra Tati, que passou então a oferecer o atendimento gratuito para vítimas da doença.

"É transformador para mim. Essas mulheres me passam algo que a tatuagem comum não tem, não é só estética, tem muito mais a ver com a superação, com elas se reencontrarem como mulheres", defende a tatuadora.

Uma vez por mês ela doa um de seus atendimentos para fazer a pigmentação de auréola e mamilo ou uma tatuagem artística para cobrir cicatrizes em São José dos Campos.

No Rio de Janeiro, o tatuador Roberto dos Santos faz o mesmo trabalho há seis anos. "Tem mulher que fica mais de dez anos esperando para fazer um enxerto que pode nem ficar da cor certa. Outras que não podem pagar pela tatuagem. E é algo que eu posso resolver em meia hora sem prejuízo, sabe?". Ele dedica uma média de quatro atendimentos para o projeto todo mês.

O procedimento nos seios é o mesmo de tatuagens comuns e, segundo Sérgio Leds, que atende gratuitamente pacientes do SUS em São Paulo, um redesenho de auréola e mamilos fica em torno de R$ 800.

Nos Estados Unidos, o projeto Personal Ink (P.ink) conecta sobreviventes do câncer de mama com tatuadores em todo o país. O grupo promove dias de maratonas de tatuagens para mulher mastectomizadas (veja fotos no álbum acima).

Sem riscos, nem complicações

A tatuagem para pacientes de câncer de mama não tem contraindicações. "É como qualquer tatuagem para qualquer mulher: existem riscos de alergia, de infecção e transmissão de doenças. Por isso são necessários os mesmos cuidados", diz a médica.

 O procedimento não traz nenhum risco de complicação para o câncer em si e, segundo a médica, a única restrição é de que a tatuagem não deve ser feita durante o tratamento, pois ele abaixa a resistência e aumenta o risco de infecção, e é preciso esperar a total cicatrização da cirurgia.

Fora isso, a especialista diz que a tatuagem pode ser feita sem medo e é até incentivada como parte da recuperação do tratamento.