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"O que vivi com a doença do meu filho virou uma rede para milhares de mães"

Luiza Pannunzio com os filhos, Bento e Clarice - Arquivo Pessoal
Luiza Pannunzio com os filhos, Bento e Clarice Imagem: Arquivo Pessoal

Helena Bertho

do UOL

05/08/2017 04h00

Após encarar desinformação e dificuldades com atendimento médico no tratamento do filho com fissura facial e labiopalatina, a artista plástica Luiza Pannunzio criou uma rede que leva informação sobre profissionais e tratamentos para outras mães. 

"Eu não estava pronta. Acho que nenhuma mãe está pronta para receber a informação de que o filho tem uma deficiência. Faltavam uns 20 dias para ele nascer e, durante um ultrassom, o médico me falou que meu bebê tinha uma anomalia no rosto, sem o menor cuidado de me explicar o que era isso ou que significaria para nós."

"Lembro que saí e liguei correndo para meu obstetra, que também ficou desesperado. Minha família teve a mesma reação. Ninguém sabia o que me dizer. Somos pessoas conectadas e estudadas, e, simplesmente, não sabíamos para onde correr."

O parto foi horrível

"O Bento nasceu com uma fissura facial e labial palatina, o que quer dizer que não tinha o céu da boca e seu rosto tinha uma fenda que ia até o olho. O pós-parto foi uma experiência muito difícil. Não me contaram que ele iria para UTI. Eu simplesmente não pude vê-lo e fiquei desesperada."

"Já no dia seguinte, ele foi operado. Mas ninguém me explicou que meu filho ficaria amarrado em seguida. Quando fui vê-lo, estava lá com as mãos presas no pé, algo que é de praxe na medicina, mas que me deixou muito agoniada. Por que não me falaram isso antes?"

"O pior foi descobrir bem depois que essa cirurgia que fizemos é um procedimento não recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Na época, eu não sabia. Fiz porque achei que era o melhor para o meu filho, e não tinha informação o suficiente."

É difícil encontrar informação

"Durante os primeiros anos do meu filho, esses foram dois problemas recorrentes: a falta de informação e de um acolhimento profissional dos médicos mais humanizados. Era uma luta, mesmo, a busca por médicos que conheçam o assunto, as melhores opções de tratamento, fonoaudióloga, psicóloga... Sempre também buscando informação para poder escolher o que seria melhor para ele."

"Na verdade, isso dura até hoje, que ele já tem cinco anos. A condição dele acompanha seu crescimento, temos que estar o tempo todo investigando, para saber se está tudo bem. Então é preciso sempre o acompanhamento com os médicos e especialistas, dia após dia."

"Se nos últimos dois anos pude viver uma sensação de paz e pensar que estava tudo bem, recentemente descobrimos novas complicações: seu olho atingido pela fenda não funciona direito e a retina está retraindo. Agora temos toda uma nova jornada para ver como lidar com isso."

Quando Bento fez sua terceira cirurgia e precisava usar um curativo, Luiza usava também para estimula-lo - Reprodução/ Facebook - Reprodução/ Facebook
Imagem: Reprodução/ Facebook
 Infância marcada pela doença

"A infância da criança que nasce com a fissura também é toda moldada por isso. Minha filha mais velha, por exemplo, está para fazer sete anos. A diferença de idade dos dois é muito pequena, mas a infância foi muito diferente."

"Entre rotina de hospital, exames e consultas, ele teve muito menos tempo para brincar e aprender. Ele não podia fazer tudo que ela fez. E a gente precisa trabalhar isso com ele, com a família toda."

"Além disso, tem toda essa situação das pessoas olharem na rua, de fingirem que não viram, de desviarem o olhar. Eu sei que não querem constranger a mãe da criança, mas é tudo muito desconfortável."

Informação para não ficar refém

"Em 2014, quando o Bento tinha acabado de passar por sua terceira cirurgia, e eu pude respirar aliviada, decidi que queria compartilhar tudo o que aprendi em nossa trajetória para que outras mães não passassem por experiências desnecessárias como passamos. Criei então As Fissuradas."

"É uma rede que conecta mães de crianças com fissuras faciais e labiopalatinas para trocar informações e facilitar o tratamento dessas crianças. Falar dos problemas, das dificuldades, é uma forma de nos aproximarmos e fortalecermos."

"A rede reúne informações para que as mães possam saber quais as opções de tratamento e acompanhamento que existem e também criamos um grande diretório de especialistas no país, para que fique mais fácil encontrar um profissional preparado. Com isso à disposição, elas podem escolher e não ficam refém de especialistas."

"Hoje temos uma rede de mais de 18 mil pessoas e, em breve, todo esse material vai se tornar um livro para poder chegar a mais mulheres ainda."

Visibilidade

A rede Fissuradas organiza encontros de tempos em tempos para promover o encontro e a troca entre as mães e as crianças - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

"Além da informação, fazemos um trabalho para incentivar as pessoas a saírem de casa com suas crianças. Eu conheço caso de crianças que não iam mais para a escola, outras que se fecham por causa das sequelas. E a minha maior alegria é ver a gente na rua."

"Fazemos encontros na Avenida Paulista, em São Paulo, com atrações, brincadeiras e também a presença de médicos que dão orientação para as famílias. E isso é incrível. Porque eu quero que as pessoas nos enxerguem, que nenhuma mãe ache que precisa esconder seu filho. E esse foi nosso maior ganho nesses anos, de as mães passarem a ter orgulho e não vergonha, de expor e não esconder, de estar no mundo, ao invés de esconder seus filhos."

"Nosso sonho é conseguir ainda mais com As Fissuradas. Meu sonho é que toda criança possa ter o mesmo tratamento que meu filho teve. E também de aumentar a humanização dos profissionais que trabalhar com essas crianças. Estar dentro dos hospitais, dizer o quanto os atendimentos podem ser melhores, focados nas mães e nos bebês."