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Acontece do outro lado: Motoristas mulheres relatam assédios de passageiros

Motoristas mulheres relatam assédios de passageiros e criam grupo para se protegerem - Getty Images
Motoristas mulheres relatam assédios de passageiros e criam grupo para se protegerem Imagem: Getty Images

Amanda Serra

Do UOL, em São Paulo

04/09/2017 16h53

Após a escritora Clara Averbuck, 38 anos, relatar ter sido estuprada por um motorista da Uber, outras trágicas histórias de vítimas de machismo e assédio sexual pipocaram nas redes com a #MeuMotoristaAbusador

Mas não é só no banco do passageiro que está o perigo. O UOL foi atrás de motoristas mulheres, que trabalham diariamente transportando passageiros e apurou que, sim, elas também são vítimas de assédios, abusos e são vistas como presas fáceis para estupros, assaltos e furtos. Sim, apenas porque pertencem ao sexo feminino.

Para se proteger, um grupo de motoristas de Porto Alegre (RS) criou o grupo “Clandestinas” no WhatsApp. Por meio do aplicativo de mensagens instantâneas, elas se protegem e prestam assistência umas às outras, principalmente durante a madrugada. Abaixo elas relatam os abusos que já sofreram durante o trabalho.

Enquanto eu dirigia, ele puxou meu cabelo e passou a mão na minha perna

A gaúcha Mariza Helena Albrecht, 48 anos, é motorista desde 2016 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A gaúcha Mariza Helena Albrecht, 48 anos, é motorista desde 2016
Imagem: Arquivo Pessoal
“Trabalho para três aplicativos de carros desde 2016 e há três meses sofri um assédio sexual seguido de violência física. Fui buscar um passageiro na sexta-feira, às 23h20. Assim que cheguei no local, vi que ele estava com uma cerveja na mão. Não costumo levar passageiro com bebida alcoólica, mas abri uma exceção. Ele entrou no carro e começou a soltar vários palavrões, a xingar a namorada, jurou vingança contra ela... Percebi que ele estava me olhando e foi neste momento, enquanto dirigia, que o homem puxou meu cabelo para o lado dele. Gritei para ele soltar, acelerei e como se não tivesse acontecido nada, ele disse: ‘vamos colocar uma musiquinha’.

Desliguei o rádio e ele colocou a mão na minha perna. Parei em um posto de gasolina e ordenei que descesse do meu carro. Fiquei completamente abalada, me senti invadida. Vem um cara que nunca vi na vida e acha que pode me tocar? É muito abusivo. Ele nunca poderia ter encostado no meu corpo. Fiquei dois dias mal, em casa, chorava. Questionei se valia a pena trabalhar à noite. Mas é meu ganha-pão, não posso deixar de dirigir por causa de um idiota. Ainda tenho vontade de chorar quando eu lembro. Quero que esse agressor pague nem que seja com cestas básicas e não faça isso novamente com mulher nenhuma. Fiz Boletim de Ocorrência – ainda em andamento, já que a Cabify explicou que só poderia passar os dados do agressor por meio de uma solicitação do delegado.

Uma amiga da Polícia Federal, inclusive, me aconselhou a nunca mais deixar ninguém, nenhum cara entrar com garrafa dentro do carro, já que o utensílio pode facilmente se tornar uma arma. Nós motoristas somos mulheres, mães (tenho um filho), não somos objetos e trabalhamos porque temos contas para pagar, família para criar".

Os homens não te enxergam como motorista, mas sim como uma mulher que está com eles dentro do carro 
Danielle Giorgeta Proença de Camargo, tem 47 anos e era assessora parlamentar antes de se tornar motorista - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Danielle Giorgeta Proença de Camargo, tem 47 anos e era assessora parlamentar antes de se tornar motorista
Imagem: Arquivo Pessoal

“Sou uma mulher ‘faca na bota’, daquelas que não deixa ninguém passar por cima. Mas teve uma vez trabalhando como motorista que me senti extremamente desconfortável. Fui buscar um cara e assim que ele abriu a porta do carona, disse ‘nossa que delícia, uma loirinha toda bonitinha’. Eram 14 horas de um domingo e esse cara estava com um short, ao sentar no banco, deixou à mostra suas partes íntimas.

No primeiro momento, pensei em não o levar por conta da primeira expressão que usou comigo, mas segui com a viagem. Durante o caminho ele continuou reproduzindo comentários grotescos e passei a gravar a conversa, até para me proteger. De repente esse cara começou a me ofender, dizendo que eu tinha fracassado na vida, pois era motorista. Deixei-o no destino e não consegui conter meu choro, fiquei desestabilizada. Reportei o caso para Uber e logo em seguida eles me retornaram dizendo que o passageiro ia ser removido da plataforma. Essa não era a primeira reclamação contra ele. Assédios de caras elogiando minha beleza, meu perfume são comuns. 

O cara sai na rua e tem medo de ser assaltado, sequestrado, a mulher tem medo de ser estuprada na esquina quando ela sai para comprar uma água. Nosso medo é constante. Tenho medo de colocar um vestido e sair para trabalhar. A madrugada de Porto Alegre está terrível. Não me arrisco a trabalhar à noite. Fui assaltada recentemente, às 8h30 e fui espancada pelos bandidos, todos homens. Sobrevivi, mas vivo com medo. Tenho medo de homem, sempre estou na defensiva, acontece até de forma inconsciente. Infelizmente, nós motoristas não temos a opção de escolher uma mulher como passageira. Ficamos à mercê da sorte, rezando para que tudo dê certo e a viagem seja tranquila".

O passageiro tentou me dar um soco

Fernanda Bado tem 38 anos e trabalha como motorista particular no Rio Grande do Sul - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Fernanda Bado tem 38 anos e trabalha como motorista particular no Rio Grande do Sul
Imagem: Arquivo Pessoal
 "Sou motorista de aplicativos desde 2015, mas parei de trabalhar com a Uber a partir do momento que eles liberaram a plataforma para pagamento em dinheiro, pois é muito arriscado, e para mim, é apenas um meio para assaltos. Mulher geralmente é vista como presa fácil, o que os bandidos mais procuram são mulheres em carros de luxo. Como dirijo um Corolla, preferi não correr mais esse risco, parei por medo. Já que neste caso, o motorista vai até o bandido, ele nem precisa sair de casa.

Uma vez peguei um rapaz, no domingo à tarde no supermercado e no meio do caminho, ele colocou a mão na minha perna e pediu que o levasse em um ‘morro’ para ele comprar cocaína. Ele ainda explicou que queria chegar com uma mulher dentro de Corolla para fazer média com os amigos. No primeiro momento fiquei quieta, com medo e segui viagem. No meio do caminho encontrei um posto de gasolina e já fui apertando o botão de pânico que tenho no veículo. Entrei buzinando, abaixando os vidros e nessa hora o passageiro tentou me dar um soco! Mas o rapaz do posto foi mais rápido e puxou ele.

Segui para registrar um Boletim de Ocorrência, pois precisava me proteger. Até hoje não conheço nenhum motorista que tenha sido amparado pelo suporte de emergência dos aplicativos, parece que existe um movimento de 'abafa' internamente. Os grupos de motoristas são muito mais eficientes. Voltei a trabalhar com comida congelada e agora só presto serviço como motorista particular. Estou esperando o Femini Driver".

Como as empresas protegem suas/seus motoristas?

De modo geral, Uber, Cabify, 99 e Easy Táxi dizem acreditar na importância de combater, coibir e denunciar casos de assédio e violência contra a mulher. 

Uber

Os motoristas parceiros podem compartilhar a sua localização em tempo real por meio de um botão visível na tela do app e há um telefone 24 horas disponível para reportar condutas inapropriadas de usuários. Para pagamentos em dinheiro há uma ferramenta de verificação de identidade que exige que usuários insiram o seu CPF antes de ter acesso ao aplicativo. Além do serviço de "avaliação mútua" anônima após cada viagem - tanto para motoristas parceiros quanto para usuários. Os motoristas precisam ter média de 4,6 (em uma escala de 1 a 5 estrelas) para continuar na plataforma. O usuário também pode ser desconectado da plataforma se tiver uma média baixa de avaliações ou conduta que viole os termos de uso.

A empresa americana ainda informa que as viagens na Uber são rastreadas por GPS. "Isso permite, por exemplo, que em caso de incidentes nossa equipe especializada possa dar o suporte necessário, sabendo quem foi o motorista parceiro e o usuário, seus históricos, e qual o trajeto que foi feito, sempre respeitando a legislação aplicável (em especial o Marco Civil da Internet). Mais que isso, em casos de investigações policiais colaboramos ativamente com as autoridades nos termos da lei", diz o comunicado.

Cabify

A empresa solicita que usuários e motoristas parceiros reportem qualquer situação que considerem atípicas para realizar as ações cabíveis, inclusive a suspensão e bloqueio do usuário ou do motorista parceiro. Além disso, a empresa está à disposição das autoridades locais no sentido de auxiliar em eventuais investigações.

Para o suporte aos usuários e motoristas parceiros, a Cabify conta com um serviço de atendimento 24 horas nos 7 dias por semana por meio do app. No caso dos motoristas, é também oferecido uma central telefônica.

99

A 99 possui uma central exclusiva 0800-888-8999, 24 horas 7 dias, para passageiros e motoristas para acionamento de apoio imediato em situações de emergência como assalto e assédio. Há também o envio de alerta aos motoristas sempre que estes entram numa área de maior incidência de ocorrências, mapeadas pela 99; Recurso de desabilitação do meio de pagamento em dinheiro: o motorista sempre pode optar por só receber pagamento por meio do app, o que aumenta a segurança e solicitação adicional de dados para passageiros em circunstância que apresentam maior risco ao motorista, como: primeira corrida, corrida com pagamento em dinheiro e em área mapeada como mais vulnerável.

Easy Táxi

A empresa afirma manter uma política de intolerância a qualquer acusação de assédio com a retirada imediata do usuário do aplicativo de forma permanente, o mesmo ocorre com os taxistas. Para os passageiros, os registros dos motoristas e dos trajetos contribuem para maior segurança e confiança.