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Ex-executiva vira professora de orgasmos após fazer Caminho de Santiago

Mariana Stock, 33, é psicanalista e uma das maiores entusiastas da terapia tântrica - Divulgação
Mariana Stock, 33, é psicanalista e uma das maiores entusiastas da terapia tântrica Imagem: Divulgação

João Luiz Vieira

Colaboração para o UOL

23/12/2017 04h00

Mariana Stock, 33, era, até o ano passado, executiva de uma empresa de grande porte, a segunda de sua carreira. De uma família que valoriza muito as atividades cognitivas, a curitibana percebeu que precisaria olhar para o próprio clitóris antes de ser a mulher mais inteligente do Paraná. Largou dois empregos, supostamente seguros, conheceu 23 países e percorreu o Caminho de Santiago de Compostela, e fez uma terceira viagem, a mais profunda, para dentro de si.

Decidiu que precisava deixar traumas no passado, curar o que precisasse, e isso passaria por um mergulho no orgasmo, na história dele e nos impactos que ele gera. Em São Paulo, ela fundou a Prazerela e hoje é psicanalista e uma das maiores entusiastas da terapia tântrica, embora ache que o termo esteja desgastado. Tem também um canal no YouTube. Conheça melhor quem é é ela:

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UOL: Explica para um leigo: o que é terapia tântrica?

Mariana Stock: O Tantra é uma filosofia milenar indiana que influenciou muitas religiões, entre elas o Hinduísmo e o Budismo. Mas no Ocidente ela foi muito corrompida e se reduziu ao caráter sexual. Para nós, falar de Tantra ainda nos leva a um imaginário da putaria, da perversão, do bacanal. Justamente por isso acho urgente renomear a terapia que eu ofereço. Não é Tantra, mas, sim, um profundo despertar orgástico. A terapia nos ajuda a reconectar com o potencial libidinal do corpo. Não sei para homens, mas para mulheres a terapia orgástica é transformadora! Nessa lógica de repressão da libido feminina, em que a gente se contenta com uma migalha do que pode sentir, é revolucionário. Essa potência inédita que vivemos com os orgasmos múltiplos se estende para outros aspectos da vida, o que nos dá uma outra referência de autoestima e autonomia.

UOL: Quando você entendeu que a bússola de sua vida estava emperrada?

Mariana: Depois de quase 11 anos trabalhando no mundo corporativo, percebi que era um produto de sucesso da sociedade. Aos olhos dos outros, minha vida não poderia ser melhor. Tinha 30 anos, ocupava uma posição gerencial numa grande empresa, podia comprar o que queria, ir aonde quisesse. Mas uma pergunta não me deixava a cabeça: o que verdadeiramente me dava prazer? Nessa mulher de sucesso, o prazer estava necessariamente ligado ao consumo. Um consumo viciante. Quanto mais você quer consumir, mais precisa trabalhar e menos tempo tem. Vive-se com as migalhas de prazer: o fim de semana, viagens nas folgas, restaurante chique, e domingo aquele frio no estômago porque vai começar mais uma semana correndo atrás do rabo do consumo.

UOL: Qual foi o ponto de virada?

Mariana: Tirei férias para refletir, e fui fazer o Caminho de Santiago. Lá tive a certeza que precisamos de muito pouco para sentir prazer, prazer legítimo de viver. Andava com tudo o que precisava numa mochila, apenas cinco quilos nas costas, e o objetivo era só seguir adiante andando. No começo uma mente castradora me importunava: "o que você está fazendo aqui, nem sabe quem é o tal do Santiago, nem católica direito você é". Foi uma luta, mas a mente cedeu quando viu que eu não voltaria atrás. O corpo, então, me conectou a sensações nunca antes percebidas. Passei a ter prazer com questões intrínsecas que nada tinham a ver com consumo. Voltei da viagem decidida e pedi demissão. Todo mundo me perguntava para que empresa eu estava indo. Minha resposta era de que estava voltando para casa. E isso representava um grande passo no vazio.

UOL: E como entrou o Tantra nessa história?

Mariana: Uma das minhas amigas que mais tinha problemas com a vida sexual me disse que estava fazendo terapia tântrica, e que estava sendo transformador. Logo em seguida, um colega, alto executivo, também veio me dizer que a terapia tântrica estava sendo muito importante para o desenvolvimento dele. Pessoas que eu jamais imaginaria fazendo massagem genital, e eu me achando bem resolvida sexualmente. Até então, para mim, fazer terapia tântrica estava completamente fora de cogitação. Mas não dava para ignorar que o assunto estava batendo à minha porta. Busquei o site que oferecia a tal massagem, e escolhi uma terapeuta mulher com critérios bem intuitivos, nada racionais. Assim que cheguei à casa onde receberia a massagem já estava arrependida. A terapeuta me tranquilizou, dizendo que não aconteceria nada do que eu não quisesse ali. Logo ela percebeu o meu perfil indagador e trouxe uma explicação cognitiva bem plausível para eu me entregar àquela experiência. “Nascemos completamente erógenos, tudo é deleite e nirvana para o bebê. Porém, para conviver em sociedade, precisamos ir restringindo as nossas possibilidades de deleite através do corpo. O Tantra nos ajuda a resgatar todo o nosso potencial erógeno que foi abafado ao longo da vida”. 

UOL: Por que interditamos o prazer?

Mariana: Vivemos a lógica da dor. É mais fácil ter controle de uma sociedade que está doente, sofrendo. A dor aliena e nos submete ao grande outro. A dor está relacionada ao universo do sagrado, enquanto o prazer é profano. Por isso, normatizamos a dor e condenamos qualquer experiência de prazer. Aquela terapeuta me ganhou porque me fez refletir sobre todas essas questões.

UOL: O que ela fez além de conversar?

Mariana: Ela me propôs uma prática simples. Fiquei dez minutos acocorada, suei e comecei a sentir muita dor. Ela me indagou: "Dor? Será que não tem outras sensações aí? Sente o tremor nas suas pernas, a sua capacidade de sustentar o seu corpo, sente seus músculos trabalhando, percebe seu suor, o fluxo de energia e água que passa pelo seu corpo". De repente, eu comecei a sentir prazer naquela posição. Estava condicionada a sentir dor, afinal, sentir prazer é algo muito arriscado.

UOL: E a massagem em si, como foi?

Mariana: A primeira foi inominável. Eu não tinha vocabulário nem repertório de vida para explicar o que era viver orgasmos ininterruptos durante quase uma hora. Talvez, se eu não tivesse elaborado antes sobre a lógica do controle pela dor, aquela sensação seria associada a algo insuportavelmente dolorido. Na terceira ou quarta sessão, tive a sensação de viver um parto. Um parto natural, em casa, na água. Foi incrível passar por aquilo para entender que um dia eu poderia parir naturalmente sem morrer de dor. Durante um parto, existe, sim, muita dor em função das contrações uterinas, mas, o que ninguém nos conta, é que depois das contrações vem sempre uma descarga energética que pode, sim, ser muito prazerosa.

UOL: Pode-se gozar no parto?

Mariana: Certamente. Basicamente, para toda carga de tensão há uma descarga na mesma proporção. A tensão é associada à dor, enquanto a descarga é associada ao prazer. Num orgasmo é exatamente isso que acontece: tensão, tensão, tensão, descarga. Portanto é, sim, possível ter um parto orgástico. Mas, para isso, precisamos desaprender muitas coisas que nos foram ensinadas desde pequenas.

UOL: O que você acha que as mulheres precisam desaprender primeiro?

Mariana: A mulher aprende que para ser boa tem de ser muito desejada. E a vida inteira vai aprimorando esse papel, de ser objeto de desejo para o mundo, para ser consumível, apresentável, desejável. Enquanto isso, os meninos aprendem a ser sujeitos desejantes. O que a gente precisa deixar de lado é essa exigência por ser boa para o outro. Precisamos aprender a ser desejantes, a entender o que nos faz bem, o que nos dá prazer antes de oferecer o deleite ao outro. Reconhecer nosso corpo, nossa intimidade, nos apoderar dos nossos limites.

"Muita mulher não se olha, não sabe se tocar", acredita Marina - Divulgação - Divulgação
"Muita mulher não se olha, não sabe se tocar", acredita Marina
Imagem: Divulgação

UOL: Muitas mulheres sequer conhecem a própria vulva.

Mariana: Muita mulher não se olha, não sabe se tocar, nunca colocou um espelho lá embaixo para entrar em contato com a vulva. A grande maioria acha que a vagina é suja, fedida, inóspita. A indústria cosmética é perversa com a vagina, nos distancia da nossa natureza e reforça tabus machistas. É muito moralismo ainda, isso é uma barreira difícil de transpor para as mulheres.

UOL: Isso me lembra o novo clipe de Anitta, "Vai Malandra". O que achou dele?

Mariana: A melhor parte do clipe é, sem dúvida, a bunda da Anitta com celulite. Só ali vejo carne e osso, o resto é plástico. Vejo objetos desesperados para que alguém os deseje. Mulheres, homens, bundas, abdomes, marcas de biquíni, tudo fatiado, despedaçado, sem pé nem cabeça. Onde estaria o sujeito desejante naquela história? O que sempre me chamou atenção (e a tensão) dos clipes de funk, além da objetificação do corpo da mulher, era a pulsão sedenta daqueles homens que, verdadeiramente, queriam devorar as tais "objetas"'. Me dava certo tesão pelo tesão arcaico que ali fluía. No clipe de Anitta só falta o imprescindível: o desejo erótico encontrando espaço para circular e contagiar. E pra piorar, o clipe ainda conta com a assinatura de um diretor gringo abusador de carteirinha.

UOL: Voltemos para os orgasmos femininos. Como foi o curso de terapia tântrica?

Mariana: Um dos primeiros choques do curso é tirar a roupa no meio de cem pessoas. Quase tudo o que fazemos no curso é despido. De roupas e de pudores. Até porque a roupa nos impede de sentir muitas coisas. No curso acontece um fenômeno raro de mudança de perspectiva: homens percebem que a maior potência orgástica está nas mulheres. Historicamente, a mulher sempre espera que o homem goze numa transa. Se o homem não goza, a culpa é dela, que não foi um objeto à altura do desejo dele. O gozo da mulher nunca foi prioridade numa relação. Na massagem orgástica, os papéis mudam, e quem goza mais é a mulher. Enquanto o homem se contenta com sua única ejaculação, a mulher vive uma experiência multiorgástica. A mulher, às vezes, tem 60 orgasmos seguidos. Essa é a dimensão de potência que as mulheres passam a ter acesso.

UOL: 60 orgasmos?

Mariana: As sessões de massagem orgástica podem chegar a duas horas de duração. A mulher entra num estado completamente alterado de consciência ao viver esse oceano orgástico. Esse despertar começa por um toque sensível em todo o corpo, um corpo completamente libidinal, a gente reaprende a ter prazer com um toque na orelha, por exemplo. Depois deste toque sensível no corpo, tem a estimulação clitoriana, aí, sim, uma fonte inesgotável de deleite. Para mulheres, a experiência é revolucionária. É lindo ver como elas saem de lá.

UOL: O que acontece depois das sessões?

Mariana: As mulheres vivem um novo estado de autonomia e de autoestima que não é determinado pelo espelho ou pelo elogio de alguém. É algo potente vivido dentro do corpo e passa a ser expressado fora. Uma lógica completamente nova para a mulher que entra em contato com o seu próprio desejo.

UOL: Você só atende mulheres? Por quê?

Mariana: Precisamos resgatar um espaço de confiança entre as mulheres, onde possamos falar sobre o que nos dá prazer e viver experiências exclusivas. Acho que sororidade é isso, podermos celebrar conjuntamente a potência do feminino. Sem medo, sem repressões. Infelizmente, o gênero masculino ainda nos remete ao lugar do objeto, da submissão, e não da potência. Por isso, por enquanto, só mulheres.

UOL: Por que você criou a Prazerela?

Mariana: Senti que era o momento de criar um espaço para falar de sexualidade sem tabu, de maneira clara, com substância, e saindo dos lugares comuns. Comecei a dar oficinas sobre o poder do prazer para mulheres, apenas falando sobre esse universo. As mulheres que iam também queriam sentir na pele novos referenciais de prazer. Foi aí que decidi abrir uma casa acolhedora e feminina que trouxesse a possibilidade de falar sobre prazer e viver o prazer de habitar um corpo de mulher.

UOL: Você namora um homem?

Mariana: Sim, mas ele é a mulher da relação (risos).

UOL: Você teve relacionamentos com mulheres?

Mariana: Sim. Acho que se não tivesse o namorado que tenho, namoraria uma mulher.

UOL: Por quê?

Mariana: Quando você entra em contato com a profundidade do feminino descobre que cada mulher é um universo vasto. Cada vulva é um portal infindável de sensações, emoções e descobertas. Há uma alquimia na mulher que homem nenhum acessa. Hoje toco mais em vulvas e vaginas que pênis. Meu namorado tem mais ciúme das mulheres do que dos homens. Ele já se deu conta do manancial de poderes que só as mulheres têm. 

UOL: E como os homens e maridos reagem?

Mariana: A maioria dos homens tem uma certa resistência, eu acho que é medo. Uma mulher que acessa o seu poder pessoal já não aceita estar submetida ao outro. Ela quer estar numa relação horizontal, em que haja espaço para ser objeto de desejo, mas também sujeito desejante. Para o homem é novidade se relacionar com uma mulher que deseja sexualmente. No começo eles estranham, mas estou certa de que logo vão perceber que só têm a ganhar com essa história de equidade de gênero, que também precisa passar pela cama. Já não dá mais para sustentar esse arquétipo de homem-hetero-provedor. Acho que está todo mundo precisando relaxar e gozar. Menos consumo, mais orgasmos, por favor.