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'Creche zen' usa ioga, massagem e comida saudável para acolher crianças na periferia de São Paulo

Mariana Della Barba

02/12/2016 11h23

O cenário é uma creche sem muitos recursos. Os protagonistas têm idade entre um a quatro anos.

O enredo esperado incluiria crianças agitadas, choro de bebê e professores meio tensos, certo?

Na verdade, não. O ambiente no CEI (Centro de Educação Infantil) Ananda Marga, na Zona Norte de São Paulo, é bem diferente.

Na sala do andar de baixo, duas professoras fazem massagem nos bebês, que vão, um a um, caindo no sono em seus colchonetes.

Em outra, crianças cumprimentam a reportagem com a saudação indiana "Namaskar" e depois seguem cantando uma música sobre proteger a floresta, enquanto dançam usando posições de ioga que imitam animais.

Essas são justamente algumas das atividades na rotina das crianças: prática de ioga por meio de histórias, alguns minutos de silêncio com olhos fechados e respirando com calma (como em uma meditação) e massagem.

Contato físico e afeto

Para a pediatra Ana Maria Costa da Silva Lopes, massagear crianças pequenas faz todo sentido quando se fala em desenvolvimento de bebês.

"Hoje sabemos que é fundamental resgatar o contato do bebê com a mãe ou o cuidador. E a massagem é interessante porque facilita esse contato e a troca afetiva. Estudos mostram que o corpo a corpo com o bebê é importantíssimo para o desenvolvimento do sistema nervoso central", explica Ana Maria, que integra o Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).

"Especialmente nos primeiros anos, esse desenvolvimento do sistema nervoso e da própria capacidade psíquica se dá por meio da interação com a voz humano, do aconchego e do corpo a corpo do bebê com o cuidador. Só que, atualmente, a correria a a introdução de telas fazem com que essas coisas venham se perdendo."

Respiração

Na creche, que é mantida por uma ONG em parceria com a prefeitura, as crianças maiores fazem massagens umas nas outras.

Já na sala dos menores, de um a dois anos, antes da hora da soneca as professoras fazem uma técnica milenar de massagem chamada shantala. Ela acalma o bebê, além de trazer outros benefícios.

Todos deitados em seus colchões, eles vão dormindo assim que a professora massageia com a ajuda de um óleo natural os braços, as pernas, a barriga e o rosto.

Para a pediatra Ana Maria, há atualmente muitos "fatores externos que fazem com que as crianças fiquem muito agitadas - seja por excesso de estímulo, como no videogame ou na TV, ou por estarem em um contexto mais violento, de agressividade física ou psicológica."

"Diante desse cenário, você introduz algo como massagem e respiração, isso ajuda a criança a ficar em um estado de organização emocional melhor e, assim, dar conta de fazer as atividades."

Merenda saudável

Outra abordagem diferente da creche no Jardim Peri está na alimentação, que é natural e vegetariana.

Como todas as mais de cem crianças ficam em período integral (das 7h às 17h), há cinco refeições: café da manhã, almoço, jantar e dois lanches.

Em todas elas, a maioria dos alimentos é in natura - raramente entra algo ultraprocessado, como bolacha recheada e achocolatado.

A BBC Brasil acompanhou as crianças almoçando. Pratinho na mão, uma a uma ia se servindo de arroz com cenoura, feijão reforçado com abóbora, beterraba, tofu frito e couve refogada.

"Aqui, brigo com o açúcar. Também não deixo muito sal. Refrigerante também é proibido. Nossa comida aqui é muito bem elaborada, porque 85% das nossas crianças só comem aqui na creche. Usamos manteiga, grão-de-bico, ricota... E fazemos nosso iogurte. É melhor que o grego!", ri a filipina Didi Jaya, coordenadora da creche.

"Você vê que com a alimentação saudável as crianças ficam com a pele bonita. E a gente ensina os pais a fazer. Mas comida vegetariana é cara, então temos que nos virar e até pedir doação para os feirantes", conta Didi, afirmando que esse é, inclusive, seu maior desafio: a falta de verba.

Ela conta que de início os pais se assustam com o cardápio vegetariano, mas, depois, acabam vendo vantagens, especialmente no fato de as crianças comerem grãos e hortaliças.

A pediatra Ana Maria afirma que, segundo a SBP, não há orientação para uma dieta vegetariana - nesses casos, é importante discutir com um pediatra.

"Recomendamos evitar ao máximo alimento ultraprocessados, como aqueles salgadinhos de pacote, que têm muito sódio. O ideal para crianças é tentar sempre consumir alimentos o mais próximo possível de seu estado natural", afirma.

Ela também ressalta que, no caso das crianças pequenas, a recomendação é a de se manter o aleitamento materno até o segundo ano de vida.

"Mas sabemos que a realidade nem sempre permite isso, então, é importante tentar manter a amamentação ao menos de manhã, antes de a criança ir para a creche, e à noite."

Reportagem: Mariana Della Barba / Imagens: Matheus Brant