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Ciúme excessivo entre irmãos pode prejudicar a vida adulta

Os pais não devem deixar as manifestações de ciúme passar em branco, mesmo as mais corriqueiras - Thinkstock
Os pais não devem deixar as manifestações de ciúme passar em branco, mesmo as mais corriqueiras Imagem: Thinkstock

Juliana Zambelo

Do UOL, em São Paulo

07/11/2012 07h01

O relacionamento entre irmãos é um laboratório para a vida. Por meio dele, as pessoas aprendem a viver em grupo, a se relacionar com outros indivíduos, a compartilhar experiências e a dividir bens materiais. Dentro desse universo, o ciúme é considerado normal, mas, se excessivo, esse sentimento não pode ser minimizado e precisa ser observado com atenção. Quando é negligenciado, o ciúme pode atingir níveis prejudiciais para a criança e para a dinâmica familiar.

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"O ciúme faz parte do ser humano e não é prejudicial por si só", diz Tania Aldrighi, especialista em psicoterapia familiar e de casal da Universidade Mackenzie, de São Paulo. "Ele deixa de ser saudável quando a pessoa fica totalmente centrada na outra, fixada no ciúme. A criança está em uma fase de formação da sua personalidade e ela pode levar isso para toda a vida".

O filho mais velho

O ciúme mais comum na infância nasce com a chegada de um irmão. Quando a família ganha um novo bebê, o filho mais velho, que até então recebia atenção exclusiva dos pais, pode ter problemas para aceitar que terá de dividir o afeto com alguém. E quanto mais grudada nos pais for essa criança, mais dificuldade ela terá de aceitar o novo membro da família.

"O novo irmão é uma escolha dos adultos, e não da criança. É natural que ela comece a se sentir em dúvida em relação ao amor dos pais. É um sentimento de ser excluído”, afirma o psicólogo Marcelo Lábaki Agostinho, do Laboratório de Estudos da Família, Relações de Gênero e Sexualidade da USP (Universidade de São Paulo).


No momento da chegada do bebê, todos os envolvidos no cotidiano da família, mesmo que de forma involuntária, contribuem para alimentar esse ciúme. "As pessoas esquecem os mais velhos, levam presentes para o recém-chegado, falam que ele é lindo, e a criança não guarda a memória de que também recebeu esse tipo de atenção", declara Tania.

Agostinho afirma que uma manifestação comum desse ciúme é a regressão do mais velho, que pode voltar a ter comportamentos que já havia abandonado, como fazer xixi na cama ou chamar pelos pais durante a noite. "É importante que os adultos entendam que é um pedido por amor e atenção. Ele está testando se ainda gostam dele".

Passa a ser inaceitável o ciúme que leva a criança a machucar o irmão. "Há crianças muito possessivas, ou que reinaram sozinhas por muito tempo, e que desejam e até tentam se desfazer do intruso", afirma Nise Britto, psicóloga e autora dos livros "Briga entre Irmãos" (Azougue Editorial) e "Rivalidade Fraterna: o Ódio e o Ciúme entre Irmãos" (Editora Ágora).

Para que o filho não fique muito enciumado com a chegada do irmão, os pais devem cuidar desse sentimento ainda durante a gestação. A inclusão dele na vida do novo integrante da família desde o início é uma das formas de criar laços. Porém, evite cair na armadilha de construir falsas esperanças.

"Às vezes, a família gera a expectativa no filho de que ele terá um companheiro, mas aí o bebê só dorme. Precisa dizer que a criança vai ter um irmãozinho que, quando crescer, poderá brincar com ela. Assim, ela não se frustra", diz Agostinho. Após o nascimento do bebê, quando ele ainda exige muita atenção da mãe, o pai ou outros familiares podem dedicar mais atenção ao mais velho para que ele não se sinta deixado de lado.

Comparações

Também quando mais crescidos, superada a fase dos primeiros contatos, irmãos podem nutrir ciúme um pelo outro. A razão permanece a mesma: a atenção e a aprovação dos pais e o espaço na família. "O indicativo de que a relação não vai bem são as constantes disputas e as brigas intermináveis por qualquer coisa", diz Nise Britto.


Tania Aldrighi afirma que o sentimento pode ser fruto da falta de maturidade para compreender o comportamento dos adultos. Crianças veem de forma isolada os presentes ou privilégios dados ao irmão e por isso precisam de ajuda dos pais para entender o contexto.

Em outros casos, a culpa pode ser dos pais, que, de forma não intencional, comparam os filhos e incentivam a competição. Para Nise, quando o ciúme entre os filhos está prejudicando seu relacionamento, os pais precisam rever a relação que têm com cada um deles, de maneira honesta e profunda, buscando descobrir onde erraram. "Eles devem tentar reverter essa situação e dar um tratamento equilibrado para todos os filhos, vendo sempre o lado positivo em cada um e motivando-os".

O irmão ideal

Independentemente da idade ou da posição na família, o ciúme pode nascer da idealização. Isso acontece em especial com os mais novos.

"O irmão mais velho é o referencial, o único modelo que o mais novo conhece. Então, para ele, tudo o que for diferente daquele modelo é ruim", afirma Tania. Segundo a psicóloga Cristiana Pereira, diretora do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo, é necessário trabalhar a diferença e incentivar cada criança a valorizar o momento em que está. "Apontar para ele como é bom ser menor ou como é bom ser menina, por exemplo.”


Em qualquer caso, o ciúme, para ser percebido, exige pais atentos à forma como os filhos se tratam. “Se esse sentimento está provocando agressividade, se uma criança está machucando a outra, é preciso intervir”, declara Cristiana. Uma das maneiras de lidar com o problema é, em vez de chamar a atenção ou castigar o filho quando ele demonstra ciúme, valorizar quando ele tem o comportamento oposto. ”Dar atenção aos momentos bons, quando ele for doce ou compartilhar.” A especialista também diz que é preciso individualizar a relação, garantindo que cada filho tenha momentos de exclusividade com os pais.

Para Tania Aldrighi, outra dica é nunca deixar uma manifestação de ciúme passar em branco. "Geralmente, quando os pais percebem uma manifestação pequena, agem como se fosse besteira, mas, se a criança fala que o irmão tem mais privilégios ou algo assim, não se pode negligenciar".

Segundo a psicóloga, o ciúme acima do normal que não for resolvido na infância pode ser levado para a adolescência e para a vida adulta e dar origem a filhos que se desenvolvem como o negativo do irmão, escolhendo sempre o caminho oposto para se diferenciar. "Se um é bom, o outro não vai ser. Se um é competente, o outro vai pular de emprego em emprego". O sentimento também é capaz de resultar em competições por toda a vida e se impor ainda mais forte em momentos de crise, como quando os pais precisam de cuidados.

Cristiana, no entanto, diz acreditar que quase sempre o sentimento é superado à medida que a criança cresce –quando ela consegue compreender que os pais têm amor para todo mundo– e não vai impedir que os irmãos construam uma boa relação para a vida. Agostinho, da USP, também fala que a compreensão vem com a maturidade. "O ciúme na infância ajuda a gente a aceitar que o amor do outro pode ser dividido entre a gente e outras pessoas e que são amores diferentes".