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Dificuldade para engravidar? O problema pode ser a endometriose

A bancária Laís Carvalho, que teve endometriose, segura a filha Lavínia - Arquivo Pessoal
A bancária Laís Carvalho, que teve endometriose, segura a filha Lavínia Imagem: Arquivo Pessoal

Maria Laura Albuquerque

Do UOL, em São Paulo

14/10/2013 08h15


A endometriose é uma doença que se caracteriza pela presença do endométrio (tecido responsável por revestir a cavidade uterina) fora do útero. Parece estranho? Pois é isso mesmo. Para entender melhor esse mal, que pode comprometer o desejo de engravidar, é necessário conhecer detalhes do ciclo menstrual.

Normalmente, depois do sangramento mensal, o tecido chamado endométrio, estimulado pelo hormônio estrogênio, cresce a fim de receber o embrião. Quando a gravidez não acontece, ocorre a descamação do útero e ele é eliminado na menstruação seguinte.

No caso do quadro de endometriose, o tecido migra no sentido oposto, subindo pelas tubas uterinas, caindo na cavidade abdominal, instalando-se em qualquer parte da região pélvica, como os ovários, o intestino grosso, a bexiga, o apêndice e até nas próprias tubas uterinas, provocando uma reação inflamatória, a endometriose. Até hoje a ciência não descobriu o que provoca esse problema.

De acordo com Artur Dzik, ginecologista de São Paulo e diretor científico da SBRH (Sociedade Brasileira de Reprodução Humana), a doença aparece em pacientes que manifestam falhas no sistema imunológico e que têm predisposição genética. Somado a isso tudo, também contribui –e muito– o fato de as mulheres estarem gestando cada vez mais tarde.

Quanto mais adiada a gravidez, mais ciclos menstruais a mulher tem, um quadro bem diferente do de nossas avós, que gestavam mais vezes e por isso menstruavam pouco. Hoje, maior é a ação do estrogênio, o combustível da doença, que tem tratamento, mas não cura.

"É uma patologia da mulher moderna", fala Dzik. Atualmente, cerca de 176 milhões de mulheres no mundo sofrem de endometriose, de acordo com dados do World Endometriosis Research Foundation, fundação internacional de pesquisa sobre a doença. No Brasil, são 7 milhões.

Muitas mulheres que têm o problema nem sabem disso, ainda que manifestem um ou mais sintomas por anos a fio: dificuldade para engravidar, cólicas intensas, alterações intestinais e urinárias durante a menstruação, com ou sem dor, fadiga e dor pélvica, nas costas e/ou durante a penetração no ato sexual.

O fato de os sintomas variarem bastante de uma paciente para outra, além de aparecerem em outros males, contribui para o diagnóstico demorado. Segundo o estudo “The Global Study of Women’s Health”, cujos dados foram divulgados em 2011, mulheres com endometriose levaram, em média, sete anos depois do início dos sintomas para a doença começar a ser diagnosticada e tratada. A pesquisa recrutou 1.418 mulheres, entre 18 e 45 anos, de dez países de todos os continentes.

Como diagnosticar e tratar?

Para descobrir a endometriose, o ginecologista, além de ter uma conversa detalhada sobre o histórico de saúde da paciente, questionando ocorrências de cólicas e outros problemas já citados, precisa investigar casos da doença na família e realizar um exame de toque vaginal.

De acordo com Nicolau D'Amico Filho, ginecologista e diretor da Associação Brasileira de Endometriose e Ginecologia Minimamente Invasiva, com o exame de toque, o médico tem condições de notar alterações provocadas pela patologia. Se o problema é nos ovários, ele pode perceber o aumento deles, por exemplo. Exames de imagem, como ultrassonografia pélvica transvaginal e ressonância nuclear magnética da pelve, também são aliados de um diagnóstico preciso. Ainda pode ser necessária a realização de biópsia, por meio de videolaparoscopia.

Embora sejam mais frequentes em mulheres entre 20 e 35 anos, que estão no ápice da atividade menstrual, os casos podem aparecer bem mais cedo ou mais tarde. Por isso, vale a pena conversar com seu médico a respeito na próxima consulta.

Segundo os especialistas, a gravidade dos sintomas não reflete a gravidade da endometriose. Em alguns casos, eles são imperceptíveis.

Atualmente, os tratamentos mais comuns são medicamentos anticoncepcionais –para casos leves e pacientes jovens, com objetivo de interromper ou regularizar a menstruação–, uso de DIU de progesterona, que bloqueia a menstruação e, assim, impede o crescimento do endométrio, e a já citada videolaparoscopia, indicada para casos mais severos e com alta incidência de dores e problemas intestinais. O procedimento cauteriza as lesões.

Dificuldade para engravidar

Para que a mulher engravide, as tubas uterinas precisam estar saudáveis, o que não ocorre quando se sofre de endometriose. A mobilidade, por exemplo, é comprometida, a ponto de elas não conseguirem encaminhar o óvulo até o útero, de acordo com Rodrigo de Freitas, ginecologista e obstetra do Hospital Samaritano, em São Paulo.

Quando a região abdominal está inflamada por conta do endométrio fora do lugar, a qualidade da ovulação também decresce.

Mesmo as mulheres que recorrem a técnicas de reprodução assistida podem continuar enfrentando o problema. A endometriose não dá trégua: o procedimento  tem chance de não ser bem-sucedido, pois o ambiente reprodutivo está inflamado. Por isso, mais do que buscar um tratamento para tornar o sonho da gestação possível, é urgente cuidar do problema em si.

A bancária Laís Carvalho, 34 anos, descobriu que sofre de endometriose há cerca de 15 anos, mas, ao contrário de muitas mulheres, conseguiu engravidar naturalmente e hoje é mãe de Lavínia, que está com dez meses.

Desde a adolescência, ela sofria com cólicas menstruais e, aos 20, o problema se tornou insuportável, a ponto de ela desmaiar de dor. Ao consultar um ginecologista, ele considerou a possibilidade de endometriose e encaminhou a paciente para a realização de uma videolaparoscopia.

  • Arquivo Pessoal

    A psicóloga Luciana Diamante criou um grupo para apoiar mulheres portadoras da doença

"O exame revelou que parte do ovário esquerdo estava comprometido com lesões e então foi feita uma cirurgia para a retirada da área afetada. Eu tinha 21 anos, nunca tinha ouvido falar disso", conta. O passo seguinte foi suspender a menstruação com um implante para parar de menstruar por três anos.

Na época, ela não tinha planos de engravidar, mas a possibilidade de não conseguir por causa da patologia era um fantasma. "Para fugir do assunto, eu falava que não queria ter filhos", diz ela. O tempo passou. Depois de nove anos, ela quis ser mãe. Voltou a conversar com o médico, que sugeriu retirar o implante e analisar o quadro por seis meses.

Uma nova videolaparoscopia revelou que havia lesões nas tubas também, o que talvez comprometesse os planos. Mas, no quinto mês, ela estava grávida. "Mesmo assim, não fiquei tranquila até fazer todos os exames. Por causa da endometriose e das aderências formadas pelas lesões, eu poderia ter uma gravidez tubária", diz.

Depois do parto, Laís voltou a falar com o médico, que a orientou a voltar usar pílula depois da amamentação, para evitar que a doença progredisse. Agora, ela planeja recolocar o implante.

A psicóloga Luciana Tavares Golegã Diamante, 35 anos, sofre as consequências de um diagnóstico tardio de endometriose.

"Descobri que tinha a doença porque tentava engravidar e não conseguia, embora todos dissessem que eu era jovem (tinha só 27 anos) e acabaria conseguindo. Sentia cólicas a ponto de ficar na cama e, depois de um tempo, passei a ter dores para evacuar. Uma médica chegou a levantar a hipótese da doença e orientou que eu tomasse pílula por seis meses, mas nem pediu exames".

A psicóloga fez o tratamento e voltou a tentar a ser mãe. Nada aconteceu, a não ser o surgimento de outro sintoma: dores durante a relação sexual. Ela se lembrou de a médica ter mencionado a palavra endometriose e voltou a procurar outro ginecologista, que, enfim, pediu uma ultrassonografia.

O resultado do exame apresentou endometriose no ovário, no intestino, atrás da vagina, atrás do útero, em cima da bexiga... "O processo da doença estava avançado, por isso eu não engravidava".

Ela foi submetida a uma videolaparoscopia e depois a um tratamento com análogo de GnRH, bloqueador de estrogênio que interrompe a menstruação, por sete meses. O quadro inflamatório melhorou e ela pôde retomar as tentativas de engravidar. Atualmente, prepara-se para uma fertilização in vitro.

"Sempre digo que vou aprender a superar a doença, mas jamais, simplesmente, aceitar", diz ela, que, há oito anos, desde que começou a pesquisar sobre endometriose na internet, mantém-se conectada com outra mulheres que têm o mesmo problema ou buscam informações.

"Formamos um grupo, o Gapendi (Grupo de Apoio às Portadoras de Endometriose e Infertilidade). Esse é o meu jeito de lidar com o problema", fala.