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Na infância, vestir-se com roupas do sexo oposto pode ser só brincadeira

Angelina Jolie com os filhos (da esquerda para a direita): Maddox (de gorro), Shiloh (de camiseta vermelha), Zahara e Knox, em um aeroporto de Sidney, na Austrália - EFE
Angelina Jolie com os filhos (da esquerda para a direita): Maddox (de gorro), Shiloh (de camiseta vermelha), Zahara e Knox, em um aeroporto de Sidney, na Austrália Imagem: EFE

Camila Dourado*

Do UOL, em Londres

10/12/2013 07h05

É natural que a criança, a partir do momento que se dê conta da existência de dois sexos, o que ocorre por volta dos três anos, queira experimentar roupas e acessórios característicos do gênero oposto ao seu. Segundo especialistas, a experimentação não, necessariamente, quer dizer que ela está em conflito com sua sexualidade.

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“Essa experimentação possibilita entender como agem e pensam as pessoas do sexo oposto. É comum e salutar”, afirma a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do ProSex (Projeto Sexualidade) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo.

De acordo com a psiquiatra, a brincadeira de experimentar papéis acontece “desde que o mundo é mundo”, mas passou a ser uma preocupação para alguns adultos por causa de notícias, cada vez mais comuns na imprensa, como a do garoto britânico Sasha Laxton, 6 anos, que cresceu, com o apoio dos pais, tendo acesso a todo tipo de brincadeiras, independentemente de elas serem, culturalmente, determinadas como coisa de menino ou de menina.

Os pais de Sasha nunca reprimiram escolhas, entre outras, de roupas, cortes de cabelo, feitas pelo menino, que, em um cartão de Natal feito pela família, apareceu vestido como uma fada. A notícia colocou em evidência o movimento “gender neutral parenting” (criação do gênero neutro), que tem com princípio não fazer distinção entre garotos e garotas, tratando a criança pelo “gênero neutro”.

A garota Shiloh, 7 anos, filha dos atores Angelina Jolie e Brad Pitt, já há alguns anos se veste como um garoto. Em entrevista a uma revista americana, em 2010, Angelina declarou que a filha queria ser um menino. Na reportagem, a atriz falou que ela mesma era assim quando criança e que apoia as escolhas da filha.

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Disforia de gênero

A preocupação de muitos adultos é que comportamentos como o de Sasha e o de Shiloh sejam sinais de disforia de gênero, quando o sexo anatômico não é congruente com a identidade de gênero ou sexo psíquico, o que é um exagero.

De acordo com Alexandre Saadeh, psiquiatra e professor da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC de São Paulo, os primeiros sinais da disforia podem surgir na infância, mas a questão eclode na adolescência.

“A criança corrige os adultos quando se referem a ela, só quer brincar de jogos que são característicos, culturalmente, do sexo oposto ao seu biológico... A criança age de uma forma constante e insistente”, diz Carmita Abdo.

Mesmo assim, declara a psiquiatra, apenas um terço das crianças com esse comportamento na infância se torna homossexual ou transexual. O número citado pela psiquiatra vem da observação clínica de casos acompanhados por especialistas, pois não há uma pesquisa que sistematize os dados no Brasil.

Segundo o psicólogo Oswaldo M. Rodrigues Jr., do Inpasex (Instituto Paulista de Sexualidade), outro fator a ser observado é se a criança demonstra sofrimento ao ter de se portar como esperado pelo seu sexo anatômico. "Ainda existe muita discussão sobre se é possível estabelecer, na infância, alguma conclusão do tipo."

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A psicanalista Marcia Neder, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Psicanálise e Educação da USP, e autora dos livros “A Arte de Formar: o Feminino, o Infantil e o Epistemológico (Ed. Vozes)” e “Déspotas Mirins – o Poder nas Novas Famílias (Ed. Zagodoni)”, também afirma que o interesse da criança pelo universo do sexo oposto ao seu pode até significar um conflito de sexualidade, mas não necessariamente.

Um exemplo, citado pela especialista, é a história do filme “Billy Elliot" (2000). No longa-metragem, um garoto de 11 anos se identifica muito mais com a dança do que com o boxe, atividade a qual seu pai gostaria que ele se dedicasse.

O interesse do garoto nada tem a ver com sua sexualidade. A questão levantada é justamente a do gênero: luva de boxe versus sapatilha. “Por que um tem de ser de menino e o outro de menina?”, diz a psicanalista.

Como lidar

Para lidar com a situação, o primeiro ponto a ser observado é a idade em que a criança está manifestando o comportamento. Como dito no início do texto, só por volta dos três anos é que ela começa a perceber a existência de um gênero oposto ao seu.

O segundo aspecto que deve ser analisado é a duração do interesse por elementos considerados do gênero oposto. “Quando a criança entra e sai da fantasia, quando ela quer brincar em um dia e no outro não, ela está apenas brincando”, diz a psicanalista Katia Bautheney, especializada em psicologia educacional e escolar.

Seja uma situação transitória ou não, de acordo com Carmita Abdo, não proíba a criança de exercitar sua curiosidade, muito menos puna-a por isso. “É interessante tentar entender o porquê de ela estar agindo daquela maneira, conversando. Qual é a motivação dela? É vaidade? Ela é mais livre e avançada do que os colegas?”

A psicanalista Katia aconselha a verificar o contexto em que a criança vive. “Veja como ela percebe as referências em casa, que informações recebe sobre os dois gêneros e pergunte a ela o que está acontecendo e por que os interesses dela são aqueles.”

Caso a criança queira ir a locais públicos, como um shopping ou à escola, usando uma roupa ou acessório característico do sexo oposto ao seu, os pais devem prevenir de que ela pode chamar atenção. “Ela precisa estar preparada para lidar com a reação das pessoas à sua diferença. Esse é o papel dos pais”, afirma a psiquiatra Carmita.

"Todas as crianças precisam ser educadas a enfrentarem problemas do cotidiano em todos os lugares. Aprenderem a suportar frustrações é um elemento necessário para que se tornem adultos", declara Rodrigues Jr.

Segundo Alexandre Saadeh, psiquiatra e professor da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC de São Paulo, se o interesse pelo universo do sexo oposto tornar-se constante e intenso na vida criança, o melhor a fazer é buscar orientação especializada –como um psiquiatra ou psicólogo– para deixá-la seguir a identidade de gênero com a qual se sente melhor. “Não se deve criticar ou demonstrar sofrimento pelo comportamento do filho”, fala Saadeh.

*Colaborou: Adriana Nogueira