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Criança pode fazer tarefas sozinha? Saiba a importância da autonomia

O desenvolvimento motor da criança também se desenvolve com algumas tarefas  - Getty Images
O desenvolvimento motor da criança também se desenvolve com algumas tarefas Imagem: Getty Images

Suzel Tunes e Thaís Macena

Do UOL, em São Paulo

03/08/2014 08h05

A papinha vai à boca, a comida é amassadinha e, na hora de vestir, há sempre um adulto por perto para abotoar a camisa e amarrar os sapatos da criança. O que é normal –e necessário– nos cuidados com um bebê, pode ser extremamente prejudicial à medida que a criança amadurece. O alerta é da psicóloga Patrícia de Souza Almeida, doutora em neurociência pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), de Ribeirão Preto.

“Superprotegendo os filhos, os pais não permitem que eles tenham a liberdade de viver as dificuldades específicas de cada fase do seu desenvolvimento, necessárias para promover a construção dos recursos e das capacidades que as crianças aplicarão nas situações futuras de sua vida”, diz.

Segundo Patrícia, o desenvolvimento motor de uma criança é caracterizado por uma série de marcos, capacidades que ela adquire antes de avançar para outras mais difíceis. “Esses marcos não são realizações isoladas, cada capacidade obtida prepara o bebê para lidar com a seguinte”, afirma a especialista.

No desenvolvimento da ação de agarrar com precisão, por exemplo, o bebê tenta, inicialmente, pegar as coisas com a mão inteira, fechando os dedos sobre a palma (é o que se chama de movimento ulnar). Posteriormente, o pequeno aprende o movimento em pinça, no qual as pontas do polegar e do indicador se encontram, formando um círculo, o que torna possível pegar também os objetos pequenos. E o mais interessante: é a partir das tarefas realizadas no cotidiano que o bebê desenvolve essas habilidades.

Portanto, permitir que a criança faça algumas tarefas sozinha é importante para o desenvolvimento motor dela. Mas vai além. Esses treinos também são fundamentais para a aquisição de independência e autonomia, duas habilidades que, de certa forma, se completam.

“Pode-se dizer que a independência está relacionada às habilidades da criança em realizar tarefas e seguir regras. Já a autonomia está relacionada ao desenvolvimento emocional da criança. Uma criança é autônoma quando ela se envolve em atividades a partir da sua vontade e interesse, e não apenas porque está obedecendo a alguma regra. A autonomia é desenvolvida por meio do respeito aos interesses da criança e da relação de confiança que ela estabelece com os pais”, declara a psicóloga Scheila Machado da Silveira Becker, integrante do Núcleo de Infância e Família da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). 

Nesse processo de aprendizado, é fundamental que os pais respeitem o ritmo do filho, compreendendo que o desenvolvimento varia um pouco de uma criança para outra. “Da mesma forma, as responsabilidades atribuídas pelos pais ao filho, como guardar os brinquedos, devem ser antecedidas pelo próprio exemplo dos adultos, ao organizarem o ambiente familiar”, afirma Scheila. 

Mãozinhas sujas

O aprendizado da autonomia e da independência não é uma tarefa fácil. É algo que exige dedicação, persistência e paciência. “Provavelmente, a criança não vai conseguir dominar determinada tarefa na primeira vez que tentar e isso faz parte do processo. Toda a aprendizagem envolve várias fases: tomar a iniciativa, errar ou acertar, lidar com a frustração diante do erro, perseverar e até buscar ajuda”, diz a psicóloga Patrícia. Por isso mesmo, quando a criança estiver treinando para algo novo, como comer com talheres, por exemplo, deve-se ficar ao lado e incentivá-la a persistir –mas não fazer por ela.

“É importante que a criança tenha a experiência de se sujar comendo, que explore a textura e a temperatura dos alimentos”, diz a psicóloga e pedagoga Clarice Krohling Kunsch, mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da USP.

“É claro que nem sempre isso é possível e também não há problema em ajudá-la. Deve haver um equilíbrio entre experiências de ação direta da criança e experiências de orientação. Se ela lavou as mãos e continua suja, podemos pedir que ela mesma faça novamente e também podemos ajudá-la, orientar sobre como se faz. E, claro, lembrar de elogiar quando ela fizer tudo certo”, afirma.

Crianças entediadas

A educadora aconselha que os pais busquem inserir na agenda semanal alguns momentos mais tranquilos para esses treinos compartilhados. Na escolinha, espera-se que os professores estejam preparados para lidar com o ritmo e as dificuldades de cada criança. E quando esse papel cabe às babás, os pais devem orientá-las a respeito de como desejam educar a criança.

“Muitas vezes, as babás assumem também o trabalho doméstico e aí falta tempo e paciência para se dedicarem mais à criança. Porém, se a função for cuidar exclusivamente do pequeno, é muito importante pedir à babá para estimulá-lo a realizar algumas tarefas, como comer sozinho, guardar brinquedos, cuidar dos pertences pessoais, entre outras”.

Segundo Clarice, a criança que é tutelada por um adulto na maior parte das atividades que realiza dificilmente conseguirá se posicionar de maneira ativa e crítica em situações corriqueiras que lhe forem apresentadas. “Quando não há um adulto por perto, essas crianças ficam perdidas, não sabem o que fazer”, diz a educadora.

Em sua pesquisa de doutorado, ela entrevistou crianças com idade entre cinco e sete anos e constatou que a superproteção e o excesso de controle dos adultos aparecem como as principais causas da vivência do tédio na infância. Ela explica que a superproteção tira das crianças a criatividade e a espontaneidade. E o que fica no lugar é um vazio. “O tédio implica desinteresse, apatia, falta de sentido e falta de projetos. Essas crianças estão sempre à espera de alguém que lhes diga o que fazer”.

Conheça tarefas que ajudam a desenvolver a autonomia, divididas por idade:

Comer com as mãos: “Na fase entre um e dois anos, é importante que a criança explore diferentes texturas, pesos, tamanhos, formas, sons e cheiros”, diz a psicóloga Clarice Kunsch.

Guardar os brinquedos: “Espera-se que a criança com idade entre um e dois anos comece a andar. E, a partir daí, já é possível envolvê-la na organização dos brinquedos. Ela pode iniciar seu treino alcançando as peças espalhadas e entregando-as para o pai, que vai efetivamente guardar”, diz a psicóloga Scheila Becker.

Comer sozinha, de colher: segundo a psicóloga Patrícia Almeida, a partir dos dois anos a criança já tem condições de se sentar à mesa e de se alimentar sozinha.

Tomar água no copo: entre dois e três anos, a criança já tem uma coordenação motora que lhe permite movimentos mais delicados, como os que são necessários para manusear o copo, segundo a psicóloga Scheila Becker. Para começar, deixe-a beber sozinha em copo de plástico.

Escovar os dentes: entre dois e três anos a criança deve ser estimulada a escovar os dentes sozinha, mas com um adulto ao lado, dando as orientações. Entre três e quatro anos, ela já pode fazer essa tarefa de forma mais independente, de acordo com a psicóloga Patrícia.

Tirar a roupa: "Entre dois e três anos de idade, espera-se que a criança já peça para ir ao banheiro, que tire e coloque algumas peças de roupa ou sapato”, afirma a psicóloga Scheila Becker. Nessa fase, também é válido ensinar o filho a colocar a roupa suja no cesto e o sapato na sapateira.

Vestir-se e abotoar roupas: entre três e quatro anos, a criança consegue fazer sozinha algumas atividades mais complexas, como abotoar e desabotoar peças de roupa e vestir-se sem precisar de ajuda, conforme indica a psicóloga Scheila Becker.

Colocar a comida no prato: entre três e quatro anos, a criança já tem condições de colocar, sozinha, a comida no prato, segundo a psicóloga Scheila Becker. É também nessa fase que ela deve ser estimulada constantemente a experimentar diferentes alimentos. Mas tome cuidado para que ela não manuseie recipientes e panelas quentes. 

Subir escadas: aos três anos, a criança já tem habilidade para subir uma escada colocando um pé em cada degrau. Nesse período, é interessante acompanhar de perto, porém, sem se desesperar com pequenas quedas. “Até caindo a criança está aprendendo. Uma das coisas que ela aprende é como deve reagir de maneira a proteger o corpo, para se machucar menos da próxima vez”, diz a psicóloga Clarice Kunsch.

Ir ao banheiro: entre três e quatro anos, a criança pode usar o banheiro com a supervisão de um adulto, diz a psicóloga Patrícia Almeida. Aos cinco anos, no entanto, já está apta a se limpar sozinha.

Tomar banho: entre quatro e cinco anos de idade, a criança já tem condições de se lavar sozinha. “Certamente, o adulto pode supervisionar a limpeza ao final, para ver se está tudo em ordem”, diz a psicóloga Clarice Kunsch.

Utilizar a faca: uma criança de cinco anos já deve saber comer sozinha e pode manusear, inclusive, a faca, desde que ela não tenha corte. “Uma criança com essa idade tem maior habilidade e controle do próprio corpo. Porém, ela ainda não sabe precisar as consequências ou riscos de todas as suas atividades”, diz a psicóloga Clarice Kunsch.

Amarrar os sapatos: aos cinco anos, os desafios já podem ser de maior complexidade, como amarrar os sapatos. “Nessa fase, também se espera que a criança demonstre cuidado com seus pertences pessoais. Ela já pode cuidar de sua mochila, de suas roupas ou brinquedos, deve saber que não pode arrastá-los ou os jogá-los no chão, por exemplo”, diz a psicóloga Scheila Becker.