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Medo de morrer e falta de pique assombram pais com mais de 50

O economista José Eduardo Ferreira Godinho, de 56 anos, com o filho, José Pedro - Arquivo Pessoal
O economista José Eduardo Ferreira Godinho, de 56 anos, com o filho, José Pedro Imagem: Arquivo Pessoal

Marina Oliveira e Suzel Tunes

Do UOL, em São Paulo

13/02/2015 07h25

Por motivos diversos –como casamentos desfeitos e novas uniões–, muitos homens têm deixado a paternidade para depois dos 50 anos. Sem serem assombrados com uma fertilidade com prazo para acabar, caso das mulheres, eles sofrem com outros questionamentos, como ter energia para encarar um bebê e uma criança na terceira idade e o medo de morrer sem ver o filho crescido.

Mesmo com a filha Manuella, de três meses, no colo, o soldador Marco Antônio Porcatti, 51 anos, ainda se questiona sobre sua decisão. “Sinto que não tenho mais idade para isso. Trocar fraldas e dar banho é muito difícil para mim. Estou sempre cansado. Fico pensando que, no futuro, não vou poder acompanhá-la sempre, não vou conseguir correr com ela, por exemplo”, afirma ele, que também é pai de um menino de cinco anos.

Marco Antônio Porcatti, 51, e a filha de três meses - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Marco Antônio Porcatti e a filha de três meses
Imagem: Arquivo Pessoal

Porcatti topou ser pai novamente por insistência da mulher, 29 anos mais nova do que ele. “Estou em uma fase da minha vida na qual poderia estar mais sossegado. Estou cuidando da minha filha, que eu amo, mas penso que poderia ter tido ela antes”, afirma.

Histórias como a do soldador são bastante comuns, de acordo com a psicóloga Luciana Leis, especializada em atender pacientes que enfrentam problemas de fertilidade e que atua no Projeto Beta, focado em medicina reprodutiva. Afinal, muitos homens atendem ao desejo da parceira de ser mãe, sem olharem a fundo suas próprias motivações. “Querer ter um filho é diferente de querer ser pai, o que implica em vivenciar essa experiência, de fato”, fala.

A insegurança também pode ter a ver com o fator financeiro. Aos 52 anos e casado há um ano, pela primeira vez, o representante comercial Carlos Alberto Fontes não teme a falta de disposição, mas ainda avalia a paternidade por medo de não conseguir oferecer ao filho uma vida confortável tanto quanto desejaria.

Autônomo, ele receia ver sua capacidade de trabalho diminuir com o tempo e, assim, comprometer sua renda. “Antigamente, mantínhamos um filho garantindo alimentação e roupas. Mas, hoje em dia, a preocupação maior é com uma boa formação educacional, e o custo disso é alto”, conta. “Também tenho de pensar que as minhas despesas com saúde na terceira idade vão aumentar.”

Pique

A preocupação com dinheiro é coerente, no entanto, o medo de não acompanhar o pique do filho é discutível.  Ainda de acordo com a psicóloga, é muito comum encontrar homens que, ao se tornarem pais após os 50 anos, empenham-se para acompanhar o filho de perto. “Ser pai mais tarde revigora e afirma a potência do homem. Também resulta em autoestima e vitalidade. Muitos homens passam, inclusive, a se cuidar mais após a paternidade tardia”, afirma Luciana.

É o caso do economista José Eduardo Ferreira Godinho, 56, que decidiu ser pai outra vez depois de criar dois filhos. Um deles tem 28 e o outro, 24 anos. “No meu novo casamento, ter filhos era uma prioridade. Minha mulher, que na época tinha 40 anos, nutria o sonho de ser mãe”, conta. Quatro anos após a oficialização da relação, em 2013, nasceu José Pedro. “Não tenho mais a energia e a vitalidade dos 30, mas faço o máximo para acompanhar as atividades diárias dele no tempo que tenho disponível.”

O medo de morrer antes do filho se tornar independente também serve como um estímulo para cuidar melhor da saúde. E também para tomar outras providências, como garantir o amparo financeiro da criança. “Para garantir o futuro, inscrevi a minha filha em uma previdência privada”, diz o aposentado Marcio Francisco D’Almeida, 56, pai de Letícia, 6. Ele se tornou pai novamente aos 50 anos, após se casar pela segunda vez e sentir vontade de ampliar a família. Os filhos da primeira relação estão, hoje, com 33 e 32 anos, e ele tem ainda um neto de 14 anos.

Insegurança faz parte

Receios como o do soldador Porcatti podem ser contornados com a certeza de que, mesmo com limitações físicas, é possível reforçar o vínculo com o filho de inúmeras maneiras. “Atividades lúdicas são fundamentais para promover o bom relacionamento entre pais e filhos. O pai que não consegue jogar bola pode brincar com um jogo de tabuleiro, por exemplo”, declara a psicóloga Olga Inês Tessari.

Os pais mais idosos podem ser mais pacientes do que os jovens e dispor de mais tempo livre para dedicar à criança. “E pais com mais tempo e maturidade podem educar melhor”, fala Olga.

O aposentado Marcio Francisco D’Almeida com a filha, Letícia - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Marcio Francisco D'Almeida com a filha, Letícia
Imagem: Arquivo Pessoal

D’Almeida concorda. Após a chegada da filha, ele se orgulha de ter virado “dono de casa” e garante que desempenha muito bem o seu papel com a caçula. “É bem verdade que, nessa idade, você se torna meio pai e meio avô. Mas tento ser o melhor dos dois para a Letícia: carinhoso e atencioso como um avô, rígido e responsável como um pai."

Relógio biológico masculino

Ao decidir ser pai tardiamente, é preciso ter em mente que o corpo masculino também sofre as ações do tempo. Um estudo conduzido pela Universidade da Califórnia, publicado em 2002, apontou que, à medida que envelhecem, o volume de sêmen dos homens vai diminuindo, ano a ano. Da mesma forma, a contagem total de espermatozoides móveis –índice que avalia o potencial de fertilidade– reduz cerca de 5% a cada ano.

“Os bancos de sêmen, em geral, aceitam doações de homens de até 45 anos. Essa é uma regra aplicada internacionalmente. Isso porque alguns estudos apontaram que, após essa idade, o homem pode demorar mais para engravidar a parceira”, declara Carlos Alberto Petta, coordenador médico do Laboratório de Reprodução Humana do CRH (Centro de Reprodução Humana) do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.