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Dar troco na mesma moeda não é educar, dizem especialistas

Reprodução do vídeo da mãe dando chineladas no filho, que teria filmado uma relação sexual com a ex-namorada - Reprodução
Reprodução do vídeo da mãe dando chineladas no filho, que teria filmado uma relação sexual com a ex-namorada Imagem: Reprodução

Thamires Andrade

Do UOL, em São Paulo

06/03/2015 16h22

 

Inconformada com a atitude do filho de 15 anos, uma mãe gravou um vídeo dando chineladas no adolescente. O motivo da surra foi outro vídeo, este feito e divulgado pelo garoto, em que ele aparece em uma relação sexual com a ex-namorada. O caso aconteceu nesta semana, em Minas Gerais. A gravação da agressão ganhou muito mais fama do que o primeiro vídeo, dividindo opiniões entre quem apoiou e criticou a atitude da mulher. Para especialistas ouvidos pelo UOL Gravidez e Filhos, dar o troco na mesma moeda não é a melhor forma de educar.

Quezia Bombonatto, diretora da ABPp (Associação Brasileira de Psicopedagogia), afirma que, ao filmar o garoto para mostrar a falta de respeito que é expor a intimidade de alguém, a mãe apenas repetiu o comportamento do adolescente, que acabou sem uma referência de modelo a ser seguido. "Como posso falar que filmar alguém não é bom quando estou fazendo a mesma coisa? Quando a mãe faz isso, ela mostra para o filho que essa atitude é razoável. Os pais educam dando exemplo, portanto, se algo é inadequado, eles não devem repetir."

A violência também não é o caminho indicado para educar os adolescentes. “Em nenhum momento, os pais devem utilizar a força como medida educativa, e isso não quer dizer que o jovem tem total liberdade, pois existem outras formas de educar e impor limites”, afirma Leila Salomão Tardivo, professora do departamento de psicologia clínica do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo).

Para a educadora sexual e diretora-executiva do Instituto Kaplan, um centro de estudos da sexualidade humana, Maria Helena Vilela, ao descobrir um caso desse tipo, os pais devem ter uma conversa séria com o adolescente para entender o porquê de o filho ter agido mal. "Caso o garoto tenha sido ingênuo, a família deve conversar e pensar em um limite para esse jovem. Mas se o rapaz tomou essa atitude consciente de como prejudicaria a ex-namorada, a orientação é buscar tratamento psicoterápico", diz Maria Helena.

Leila também fala sobre a importância de alertar o adolescente sobre o perigo de divulgar vídeos e imagens com conteúdo erótico. "O jovem precisa ser transportado para a realidade, e cabe aos pais explicar que ele cometeu um crime e quais podem ser as possíveis punições legais para isso", declara.

Deixar para lá, não

Segundo Maria Helena, relevar e não estabelecer limites no dia a dia do adolescente que praticou um ato reprovável é um erro. Quezia concorda que algum tipo de restrição é válida para que o jovem reflita sobre o que aconteceu. "A punição é uma maneira de o jovem refletir. Caso os pais resolvam retirar o smartphone dele por um tempo, toda vez que ele sentir falta de mexer no aparelho, relembrará a razão de estar naquela situação", fala a diretora da ABPp.

Para que a punição funcione, os pais devem restringir algo que os jovens gostem –como celular, computador, viagens e baladas no fim de semana–, mas também é importante que eles cumpram os próprios limites que deram aos adolescentes. "A família precisa ser coerente. Não adianta falar que o filho não pode mais ir para a balada e, logo depois, mudar de ideia ou então dizer que a atitude dele foi ruim e contar a mesma situação para os outros rindo. Não cumprir o que foi dito desmoraliza os pais perante os filhos", declara a diretora-executiva do grupo Kaplan.

De acordo com Maria Helena, o adolescente deve procurar reparar o erro que cometeu e só pedir desculpas quando sentir que está arrependido de verdade. "Não adianta mostrar arrependimento, mas, sim, sentir e perceber que aquilo feriu alguém e não valeu a pena. Só assim ele nunca repetirá o mesmo erro."

Além do pedido de desculpas, o jovem pode oferecer algum tipo de ajuda para minimizar os danos da situação. "Como o caso chegou a público, ele pode pedir perdão publicamente e reconhecer que errou. Não precisa se ajoelhar nem nada do tipo, mas mostrar que sabe que magoou alguém com um ato inconsequente", declara Quezia.

Questão jurídica

Além de a atitude da mãe ser questionável do ponto de vista educacional, ela também é passível de discussão juridicamente. "Fazer justiça com as próprias mãos é inadmissível. Os pais, a quem compete o exercício do poder familiar previsto no Código Civil, na Constituição Federal e no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), têm o dever de proteger o filho, e não expor e humilhar a criança ou o adolescente", afirma Alessandra Borelli, advogada especialista em direito digital do escritório Opice Blum, em São Paulo.

A maneira como a mãe agiu pode ser enquadrada na Lei da Palmada. "Quando ela envia o vídeo (a mulher teria mandado apenas para a ex-namorada do filho) visando algum tipo de tortura, punição ou sofrimento para o jovem, o fato pode ser enquadrado nessa lei, mas depende da avaliação do Conselho Tutelar, que pode entender o ocorrido apenas como uma correção educacional", diz Marcio Chaves, especialista em direito digital, sócio do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados, também na capital paulista.

O artigo 18-B da Lei da Palmada prevê algumas medidas para a mãe: encaminhamento para programa de proteção à família, tratamento psicológico ou psiquiátrico e advertência. "Tudo depende da gravidade do acontecimento. Ela também poderia ser enquadrada no artigo 232 do ECA, que prevê detenção de seis meses a dois anos para quem submete o adolescente a vexame ou constrangimento", fala Alessandra.

Chaves avalia a importância de conversar com os adolescentes sobre o compartilhamento de vídeos que violam o direito de intimidade e são passíveis de punição. "Não importa se o garoto mandou para um amigo ou para 20, se pediu sigilo ou não. Só de ter enviado uma imagem da menina, ele cometeu uma infração. Muitos jovens não têm maturidade e conhecimento da legislação. E eles devem saber as consequências dos atos que praticam", afirma o sócio do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados.

Por ser menor de idade, no caso de uma eventual queixa por parte da família da menina, o garoto não seria punido pela legislação penal vigente. O jovem poderia ser condenado a algumas medidas socioeducativas, como advertência, prestação de serviços à comunidade, internação em estabelecimento educacional e liberdade assistida.

No âmbito civil, os pais responderiam pela atitude do filho. "Eles são os responsáveis pelos danos e atos do menor, que está sob tutela deles", explica Chaves. Sendo assim, se a garota decidir entrar com uma ação requerendo os prejuízos morais e patrimoniais que a exposição provocou, eles podem ter de arcar com uma indenização.