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Mulher faz barriga solidária para ajudar amiga no sonho de ser mãe

Danielle Figueredo topou ser barriga solidária da amiga Gabriela Brenckefeld - Arquivo pessoal
Danielle Figueredo topou ser barriga solidária da amiga Gabriela Brenckefeld Imagem: Arquivo pessoal

Beatriz Vichessi

Colaboração para o UOL

18/09/2015 08h09

 

Gabriela Brenckefeld tem uma doença autoimune chamada Saaf (Síndrome do Anticorpo Antifosfolípide), problema que interfere na coagulação sanguínea, favorecendo o risco de tromboses, principalmente durante a gravidez. Mesmo sem poder engravidar, Gabriela queria ter filhos. Em uma tentativa de realizar o sonho da amiga, Danielle Figueredo, casada e mãe de duas crianças, resolveu ser barriga solidária. Os gêmeos Pilar e Martim nasceram em 15 de agosto com 2,8 kg e 2,6 kg, respectivamente. 

Tomar essa decisão, no entanto, não foi nada simples. Danielle ponderou as consequências psicológicas e físicas, a relação com o marido e os filhos, o contato com a amiga, o marido dela e o novo bebê, porém, considerou que essas questões eram possíveis de serem contornadas, caberiam na rotina e, principalmente, que a atitude valeria cada enjoo ou mal-estar, pois estava contribuindo para a formação de uma família. Depois de passar pela experiência, ela não se arrepende. "Faria tudo de novo! Aprendi muito com tudo, além de ajudar uma família." 

Assim que contou a ideia ao marido, Danielle recebeu o apoio dele. Depois disso, o casal levou a proposta para Gabriela, que ficou emocionada e logo começou a sonhar com a chance de ser mãe. Duas semanas depois, os casais começaram a se informar sobre a burocracia de fazer a barriga solidária e cumprir as etapas exigidas pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) e pela lei.

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"Nem na Constituição Federal nem na legislação ordinária existe regulamentação específica sobre barriga solidária. Mas uma resolução do Conselho é usada para colaborar com a interpretação da decisão judicial", explica Eduardo Dantas, advogado membro da Comissão Especial do Direito Médico do Conselho Federal, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

A resolução a que ele se refere (nº 2.013/13) indica que mulheres com parentesco de até quarto grau (mãe, irmã, avó, tia e prima) e com até 50 anos podem ser doadoras temporárias de útero. Casos que fogem a esses limites precisam passar por uma análise de um Conselho Regional de Medicina, que verifica se não há pagamento envolvido no combinado, se a amizade entre as mulheres é duradoura, como está a saúde delas (o motivo de uma não poder engravidar e de a outra, sim), e o que indicam os testes psicológicos das mulheres e suas famílias.

Gabriela e Danielle seguiram esses passos antes de realizar a barriga solidária. "Para essas situações médicas, é essencial o acompanhamento jurídico. Assim, o hospital tem os documentos essenciais para o momento do parto. E o cartório pode permitir o registro da criança em nome dos pais genéticos", fala Dantas.

Contato entre as famílias

A comprovação de que o procedimento da inseminação havia dado certo e de que Danielle estava grávida foi maior do que todos imaginavam. Não se tratava de um, mas, sim, de dois bebês. Durante a gestação, a dona da barriga solidária se preocupou em envolver os dois filhos, de três e cinco anos, na decisão e acompanhou todas as reações deles para perceber se estavam bem com a novidade.

"Foi uma situação muito atípica, mas sinto que meus filhos compreenderam que na minha barriga estavam os filhos de uma amiga e que, depois de nascidos, eles iriam para o colo dos pais. Nós demos carinho, amor e alimento para que eles se desenvolvessem", afirma Danielle. "Desde o começo, a gente usava a expressão 'devolver os filhos aos pais' em vez de 'entregar' ou 'doar', e não me considero mãe deles por ter sido responsável pela gestação. Acredito que o cuidado com a escolha dos termos é importante para não ter confusão de nenhuma das partes", diz ela.

Gabriela acompanhou a gravidez da amiga viajando uma vez por mês de Recife, onde mora, para Porto Alegre, onde está a família de Danielle, e estreitando laços. As duas se conhecem há sete anos. Para registrar a experiência, Gabriela passou a escrever o blog Sobre Elefantes . "Só tenho a agradecer a possibilidade de ter meus filhos nos meus braços. Claro que, se pudesse escolher, preferiria engravidar e parir, mas como não há possibilidade, a barriga solidária foi a melhor opção possível."

Gabriela permanecerá um tempo na cidade de Danielle, pois tirou férias e licença-maternidade, e irá se revezar com a amiga na amamentação. Ela poderá amamentar porque fez a translactação --tratamento para mães adotivas produzirem leite. A prática também pode ser associada a outras técnicas, como massagens nas mamas e movimento de ordenha manual, além de medicamentos para incentivar a produção de leite.

Para surpresa de Danielle, ela e o marido foram convidados para serem padrinhos da Pilar. “Somos tão felizes pelo que realizamos a eles. Não imaginávamos que poderíamos receber esse convite. Afinal, independentemente de qualquer coisa, nossos laços vão permanecer para sempre, mesmo morando em cidades diferentes”, afirma.

Após o nascimento dos gêmeos, a barriga solidária sentiu que sua missão foi cumprida e ainda recebeu um presente do filho mais velho. “Ele falou que eu era muito corajosa e que mais mulheres deveriam ser como eu. Isso para mim foi o melhor retorno que poderia receber, pois prova que ele entendeu todo o processo. O meu filho mais novo vê a barriga menor e pergunta se não tem mais Martim e Pilar, mas a gente leva eles na casa da Gabi e eles falam e beijam os bebês”, conta.

Outras mulheres aderem à causa

Danielle criou no Facebook a comunidade Barriga Solidária ou Útero de Substituição com o objetivo de registrar as etapas da gestação para que, no futuro, seus filhos pudessem saber mais sobre a experiência que compartilharam ainda pequenos. Ela não divulgou a página nem esperava repercussão de seu diário, mas fica surpresa por receber mensagens diárias com dúvidas, cumprimentos pela atitude e convites para gerar outras crianças.

"Procuro não incentivar ninguém a fazer o que fiz. É uma atitude muito séria, que envolve mudanças grandes na vida. Não posso me comprometer com orientações especializadas. O que posso fazer é somente contar minha experiência."