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Obesidade do pai pode alterar DNA do filho, diz estudo

Fatores ambientais modificam esperma - Kim Murton/The New York Times
Fatores ambientais modificam esperma Imagem: Kim Murton/The New York Times

Carl Zimmer

The New York times

10/12/2015 15h45

 

Em 2013, um homem obeso foi ao Hospital Hvidovre, na Dinamarca, para ser submetido a uma cirurgia bariátrica. Tudo correu normalmente --a não ser por um grande detalhe.

Uma semana antes da operação, o homem forneceu uma amostra do seu esperma para um grupo de cientistas dinamarqueses. Uma semana após o procedimento, ele fez o mesmo. Um ano depois, ele doou uma terceira amostra.

Os cientistas estavam investigando uma hipótese controversa, mas impressionante: a de que determinados acontecimentos podem alterar o esperma e consequentemente alterar os filhos que venham a ser gerados a partir dele.

Essa ideia vai contra o que costumamos pensar sobre hereditariedade: a de que os pais transmitem apenas seus genes aos filhos. As pessoas herdam genes que as predispõem ou não à obesidade, ao estresse e ao câncer. O fato de os pais serem obesos ou estarem sempre ansiosos não é o bastante para mudar o material genético.

Entretanto, nos últimos anos, uma série de experimentos com animais colocaram em xeque as ideias convencionais sobre hereditariedade, sugerindo que algo mais possa estar em ação.

Em 2010, por exemplo, Romain Barres e seus colegas da Universidade de Copenhagen alimentaram um grupo de ratos com uma dieta rica em gordura, colocando-os em seguida para cruzar com um grupo de fêmeas. Quando comparados aos ratos que tiveram uma dieta com menos gordura, as cobaias tinham filhotes que ganhavam peso com mais facilidade e tinham mais dificuldades para equilibrar os níveis de insulina.

Uma dieta rica em gordura é apenas uma das diversas experiências que um pai pode ter e que pode alterar seus filhos. O estresse é outro fator relevante. Os ratos expostos a situações estressantes —como sentir o odor de uma raposa— geralmente têm filhotes com respostas menos intensas ao estresse.

Para encontrar a ligação entre as experiências do pai e a biologia dos filhos, os cientistas passaram a observar de perto o esperma. Obviamente, os espermatozoides levam o DNA diretamente ao óvulo, mas esses genes são regulados por inúmeras moléculas, conhecidas como fatores epigenéticos.

Essas moléculas podem reagir a influências ambientais, silenciando determinados genes e ativando outros, conforme a necessidade. Alguns estudos sugerem que essas mudanças em fatores epigenéticos podem ser transmitidas aos filhotes por meio do esperma.

Quando Tracy L. Bale, neurocientista da Universidade da Pensilvânia, e seus colegas observaram o esperma de ratos estressados, por exemplo, puderam encontrar níveis incomuns de moléculas epigenéticas conhecidas como microRNAs.

Então, a equipe criou um coquetel de microRNAs e injetou nos embriões de ratos que não haviam sido submetidos a situações de estresse. De acordo com um estudo publicado por Bale e seus colegas, os embriões acabaram se tornando ratos com resposta ao estresse alterada.

A noção de que respostas ambientais podem influenciar a saúde humana de formas similares pode ter implicações enormes. Mas os cientistas apenas começaram a investigar a epigenética da paternidade. E como é bastante comum quando os cientistas passam de experimentos em animais para teste em humanos, os resultados foram interessantes, mas estão longe de ser definitivos.

Em 2013, Adelheid Soubry, epidemiologista molecular da Universidade KU Leuven, na Bélgica, e seus colegas estudaram 79 crianças recém-nascidas. Eles encontraram diferenças epigenéticas entre filhos de pais obesos e de pais magros. Mas essas mudanças são causadas pela obesidade masculina? Barres e seus colegas resolveram investigar a ligação potencial em duas frentes distintas.

Primeiro, eles coletaram o esperma de dez dinamarqueses obesos e 13 magros. Eles encontraram inúmeras diferenças epigenéticas. Um tipo de fator epigenético que observaram envolvia as moléculas das extremidades da cadeia de DNA em um processo conhecido como metilação. Barres e seus colegas encontraram mais de 9.000 genes nos quais o padrão de metilação era diferente entre homens magros e obesos.

Então, os cientistas recrutaram seis homens obesos que seriam submetidos a cirurgias bariátricas para ver como a perda de peso modificaria esses padrões de metilação. Em um relatório publicado na revista "Cell Metabolism", Barres e seus colegas identificaram mais de 3.900 genes que metilaram de forma diferente após a cirurgia.

Entre os genes que foram epigeneticamente alterados estão aqueles que afetam comportamentos como o controle do apetite. Contudo, o novo estudo não mostra se essas mudanças teriam qualquer efeito sobre os filhos dessas pessoas, afirmou Barres.

“Prefiro não especular sobre os efeitos positivos ou negativos em relação à próxima geração”, afirmou.

Barres e seus colegas irão estender a pesquisa por meio da comparação de padrões epigenéticos no esperma de pais obesos com os padrões presentes nas células sanguíneas de seus filhos. “Tentaremos ver se algum dado foi transmitido ao logo de toda a cadeia”, disse Barres.

Outros cientistas têm pontos de vista distintos a respeito do estudo. Por um lado, eles concordam que os pesquisadores utilizaram métodos sofisticados para observar as diferenças epigenéticas no esperma. Entretanto, acham perigoso tirar conclusões muito amplas.

John M. Greally, especialista em epigenética da Faculdade de Medicina Albert Einstein, afirmou que era possível que as diferenças genéticas entre os homens pesquisados fossem as principais responsáveis pelas diferenças encontradas no esperma.

Assim como Tracy Bale e Soubry, ele demonstrou preocupação com o fato de o estudo ter envolvido um número tão pequeno de homens. Em uma amostragem tão restrita, as diferenças podem ocorrer aleatoriamente.

“Sinceramente, acho que uma parte considerável do resultado não passa de coincidência”, afirmou Greally.

Isso não significa que Greally acredite que os cientistas dinamarqueses estejam errados, mas que serão necessários muito mais estudos para definir quais efeitos epigenéticos são transmitidos de pai para filho.

“Primeiramente eu diria que precisamos estudar algumas centenas de pessoas. Isso seria factível. Só precisamos ser mais ousados na hora de fazer isso”, disse Greally.