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Encobrir pequenas contravenções passa mensagem errada ao adolescente

Não existe contravenção grande ou pequena, o que é errado não se discute - Getty Images
Não existe contravenção grande ou pequena, o que é errado não se discute Imagem: Getty Images

Beatriz Vichessi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

14/03/2016 08h16

Daniel* tem 18 anos e desde os 16 fuma maconha. Sua mãe, Jéssica*, sabe do hábito e prefere que o filho consuma a erva em casa. “Quando descobri que ele estava fumando, chorei muito. Logo pensei que depois da maconha apareceriam outras drogas, como cocaína e crack. Depois, me acalmei e decidi conversar. Deixei claro que ele poderia fumar, desde que sempre em casa. Tenho medo de que ele seja flagrado na rua ou se envolva com más companhias. Não quero que seja pego pela polícia, como os irmãos dele por parte de pai já foram. Também exigi que não fumasse na minha frente nem na do irmão mais novo, que não sabe desse costume”, conta ela. Além do risco de ser preso, já que a droga não é legalizada no Brasil, o uso da maconha na juventude causa danos à memória

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“Ter diálogo em casa é fundamental. Daniel confia em mim e sei que ele me conta as coisas por causa disso. Jéssica defende que cada um deve cuidar do filho como bem entender. “Se ele não estiver fazendo nada que faça mal a outras pessoas, não acho que tem problema”, afirma.

Mesmo cercada de cuidados e regras --como a liberação para uso apenas em casa--, a atitude da mãe é questionável, segundo especialistas em educação ouvidos pelo UOL. Endossar atitudes dos filhos que são considerados delitos perante a lei atrapalha o desenvolvimento da autonomia e faz com que eles vivam situações protegidas e infantilizadas, sem lidar com a realidade como ela é. Liberar o jovem para fumar maconha em casa é dar anuência à contravenção e, ainda que possa parecer uma mensagem de proteção, é, na verdade, um ato prejudicial.

Adolescentes que transgridem regras ou mesmo cometem crimes precisam encarar as frustrações e as consequências dos próprios atos, pensar sobre o que fizeram e como isso impacta não só a vida deles, mas também a de outras pessoas.

É muito perigoso que pais e filhos convivam em um relacionamento horizontal, como se não houvesse hierarquia. Os adultos não podem ser cúmplices dos filhos, se querem formar cidadãos responsáveis. É importante que cada um ocupe seu papel na relação, mantenha o diálogo e que os pais deixem de encarar que dizer “não” é uma atitude ríspida, pois cabe a eles garantir a segurança dos filhos.

Encobrir o erro do filho que, por exemplo, pegou o carro escondido e saiu pelo bairro sem ter 18 anos, e consequentemente, carteira de habilitação, é tão grave quanto autorizá-lo a dirigir antes da hora. Nesse caso, inclusive, os pais que permitem são corresponsáveis legais.

É comum também --e tão preocupante quanto, segundo os especialistas-- encontrar pais que deixam que os filhos se cadastrem em redes sociais permitidas para maiores de 18 anos. Nesse caso, embora a atitude pareça inofensiva, os adolescentes ficam em uma posição vulnerável, já que ainda não dispõem de competências para participar desse tipo de ambiente, nem para se proteger de riscos como pornografia cibernética.

Por mais que a família diga estar sempre atenta ao que o jovem posta e os vínculos de amizade que ele mantém, ao permitir que ele se cadastre, os pais deixam claro que estão violando o que a rede social estabelece. Com isso, valores como honestidade são colocados em xeque, o que pode causar confusão na cabeça dos jovens: se meus pais liberam que eu faça isso, por que não liberariam outras coisas?

Mentir na escola por ter pago por um trabalho escolar ou copiar o conteúdo de algum site na internet é outro comportamento que costuma ser encoberto e validado por muitas famílias. Não ser conivente com esse tipo de atitude, mais uma vez, é o recomendado por especialistas.

Segundo eles, a família tem de entregar os filhos ao desafio social na escola, até mesmo para que ele aprenda a encarar o problema e a assumir a responsabilidade pelo ato em um ambiente ainda protegido, e se preparar para enfrentar, mais tarde, o que acontece no mundo.

Antes de encobrir contravenções dos filhos ou autorizá-los a cometer alguma, é sugerido que os pais se questionem que mensagem estão passando, o motivo de estarem fazendo isso e a quais riscos --inclusive perante a lei-- estão expondo os adolescentes, outras pessoas e a si mesmos, já que são os responsáveis legais. Vale lembrar ainda que não existe contravenção grande ou pequena, o que é errado é errado, e não se discute.

Consultoria: Gabriela de Macedo, orientadora educacional da Escola Vera Cruz, e Cátia Alves, coordenadora pedagógica do Colégio Graphein, ambos em São Paulo.

* Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados