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Parto pelo mundo: mulheres contam como foi ter o bebê fora do Brasil

Beatriz Vichessi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

25/05/2016 18h43

Várias peculiaridades fazem Canadá, Itália, Inglaterra e França serem países que encaram a gestação e o parto de forma mais natural e cuidadosa quando comparados ao Brasil. A qualidade do sistema público de saúde acessível a todos, a predileção pelo parto normal e o estranhamento no que diz respeito à cesárea eletiva são alguns dos quesitos que comprovam isso. Confira o depoimento de quatro brasileiras que moram atualmente nesses locais.

Marcia Bindo, 37, mãe de  Théo (1 ano e 6 meses) e Mia (3 meses) - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
Marcia Bindo, 37, mãe de Théo (1 ano e 6 meses) e Mia (3 meses)

"Meus dois filhos nasceram na França, de parto normal, e praticamente de graça. Mesmo um pouco insegura por estar longe da minha família, fiquei tranquila com as estatísticas. Na França, menos de 20% dos partos acabam em cesariana. Ao contrário do Brasil, a operação só acontece em último caso, quando o parto normal não é mesmo mais viável. Aqui, mesmo se o bebê não virou, está sentado ou a mãe está com diabetes, por exemplo, tentam o parto normal. Também não existe a possibilidade de agendar uma cesariana. Quem é francês ou cidadão europeu que trabalha no país (e portanto paga imposto na França, como é o meu caso) tem direito ao serviço de saúde, em que 70% das consultas, tratamentos e etc. são pagos pelo governo. O restante é por conta do contribuinte. Em caso de gestação, após o sexto mês, não é preciso desembolsar mais nada. A maioria dos partos acontecem em hospitais públicos, geralmente muito bons, mas também há a opção de clínicas particulares, em que a maior parte do custo também é reembolsado. A cidade onde fica o hospital faz diferença. Théo nasceu em uma pequena cidade nos Alpes. A maternidade era nova, tinha duas salas para parto enormes para a mulher poder andar, com apetrechos para ajudar o nascimento de modo natural, banheira e luz amena. Já Mia nasceu perto de Paris, em um hospital que não tinha salas especiais. Sinto que os médicos e obstetras franceses, de maneira geral, são bem práticos e frios. Em um momento tão delicado como a gestação, fez falta um sorriso e a cordialidade brasileira. Ainda bem que quem conduz o parto por aqui são as parteiras, muito mais cuidadosas e respeitosas do que os médicos. Eles entram em cena apenas para ministrar a anestesia, se necessário, e caso surja alguma complicação ou se for preciso operar a mulher. Outra coisa interessante é que as grávidas têm direito a seções de treinamento para o parto completamente pagas pelo governo. São aulas teóricas e diversos cursos, como de respiração, ioga e ginástica na piscina. Após o parto, a mulher também é orientada a fazer aulas de reeducação do períneo, tudo de graça. Eu me senti realmente cuidada com tudo isso. Também gostei muito de outra iniciativa: um serviço, público também, em que enfermeiras especializadas em bebês vão à residência da família para examinar e pesar a criança e ainda esclarecer dúvidas sobre cuidados e amamentação. Um luxo."

Nahara Bauchwitz, 41 anos, mãe de Benjamin, 3 anos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
Nahara Bauchwitz, 41, mãe de Benjamin, 3

"Em Montreal, no Canadá, onde moramos, as mulheres têm bebê na rede pública, da mais rica a mais humilde. O sistema de saúde na província de Quebec está meio saturado, mas, quando se trata de gestante, tudo é perfeito. Se a pessoa estiver aqui e não tem acesso à rede do governo por algum motivo [não tem os documentos ou está em viagem], o parto tem de ser pago como se fosse particular e é bem caro. Meu parto aconteceu no Sainte-Justine Centre Hospitalier Universitaire Mère-Enfant, o maior centro mãe e filho do país. No Canadá, cesárea só é feita em último caso, se necessária de verdade. Os canadenses não compreendem quando digo que, no Brasil, as mulheres e os médicos podem agendar a data para o bebê nascer. Quando morava no Brasil, minha médica sempre dizia que eu nunca poderia ter parto normal porque era estreita demais, mas meu filho nasceu de parto normal, sim. Esse tipo de fala dos médicos doutrina as mulheres a serem submetidas à cesariana. Embora o médico que me acompanhou no pré-natal não tenha sido o mesmo que fez o parto e esse só tenha passado pelo quarto para ver como eu estava algumas vezes antes do parto propriamente dito, ele foi muito humano e doce. Alguns estudantes de medicina acompanham o momento, já que esse é um hospital universitário, e foram muito respeitosos. As enfermeiras foram ótimas também, esforçam-se muito para que a mulher dispense a peridural --apesar disso, pedi para ser anestesiada e fui atendida. Elas também incentivam muito que a mulher caminhe pelas redondezas do hospital durante o trabalho de parto. Durante toda minha estada na maternidade, não fiquei um só instante sozinha, sempre tinha alguém por perto, verificando como eu estava. O quarto é o lugar onde ocorre o parto e tem acessórios como a bola de pilates, para a mulher poder se movimentar, e banheira. Minha mãe e meu marido estavam ao meu lado no momento do nascimento. Depois, meu filho foi levado para a UTI, para ser aspirado. Meu marido foi com ele, o pai tem de acompanhar. E, em seguida, o bebê ficou em um lugar de observação. É como se fosse um berçário, mas é só para bebês que têm de ser observados, nem todos são levados para lá, diferentemente do Brasil, onde todos têm de ficar um tempo no berçário, mesmo que estejam bem de saúde. Fiquei em um quarto privado por opção --paga-se uma quantia simbólica por isso. Depois que retornamos para casa, uma enfermeira do posto de saúde local nos visitou em menos de dez dias. Ela pesa a criança, confere se está tudo bem."

Mariana Marchioni, 33 anos, mãe de Angelo, 1 ano e 7 meses - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
Mariana Marchioni, 33 anos, mãe de Angelo, 1 ano e 7 meses

"Meu filho Angelo nasceu no Ospedale Dei Bambini Vittore Buzzi , em Milão, na Itália. Escolhi esse hospital porque é uma das melhores instituições pediátricas da região da Lombardia e possui uma UTI neonatal, caso fosse necessário. É um hospital da rede pública e, por ser cidadã italiana, não tive de arcar com custos durante a gravidez nem com o parto. Fiz o pré-natal em uma clínica obstétrica com um médico que também atendia no hospital. As consultas são, inicialmente, mensais, e depois passam a ser mais constantes. O hospital oferece o curso pré-parto, só não fiz, pois perdi a data da inscrição. O parto normalmente é acompanhado por um profissional chamado 'ostetrico', um enfermeiro especializado em parto. Só em situações de emergência o médico entra em cena. No meu caso, comecei a ficar nervosa no decorrer do parto e pedi que o médico fosse chamado e, então, ele acabou acompanhando o nascimento. Mas não houve necessidade de nenhuma intervenção. A mulher que quiser pode optar pela anestesia, mas conheço várias que dispensam. Logo após o parto, o recém-nascido é colocado sobre o peito da mãe e coberto com uma manta. Mãe e filho ficam assim por mais ou menos duas horas. A ideia é que nesse tempo o bebê instintivamente comece a mamar. Foi um momento muito bonito e forte, apesar do meu cansaço. Ficamos eu, meu filho e meu marido juntos e meu filho mamou. Nesse tempo, aproveitamos para avisar os avós, que estavam nos visitando na Itália, que havia corrido tudo bem. Depois desse tempo, as enfermeiras foram me ver, fui liberada para voltar ao quarto e elas ficaram com o Angelo para fazer alguns exames. Mais ou menos meia hora depois, ele já estava novamente comigo. Fiquei por três dias no hospital --essa é a recomendação para quem tem parto normal. O alojamento é coletivo e o berçário é usado para os casos de emergência --ele esteve sempre bem vazio enquanto estive lá. Meu bebê ficou todo o tempo comigo, salvo os banhos matinais, dado pelas enfermeiras. Todas as trocas de fralda eram minha responsabilidade, porém podia pedir ajuda aos profissionais. Enquanto estive no hospital, a equipe supervisionou a descida do leite, se não havia sinais de empedramento e estava pronta para tirar minhas dúvidas. Ao contrário do que ocorre no Brasil, as visitas para mãe e filho são bem restritas. Podia receber no máximo duas pessoas durante uma hora por dia. Quando recebi alta, ganhei um guia com indicação de diversos centros de apoio à amamentação em Milão e frequentei um desses nos primeiros seis meses. Uma consultora me visitou várias vezes para ver como as mamadas estavam andando. Depois que o bebê nasce, a família tem de fazer o cartão de saúde para ele e escolher um pediatra e, então, todo o atendimento passa a ser responsabilidade desse médico, com exceção de duas consultas feitas no hospital: um controle depois de uma semana e um exame cardiológico no primeiro mês."

Rhaniele de Lanteuil, 33 anos, mãe de Tom, 2 anos e 8 meses, e Liz, 4 meses - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
Rhaniele de Lanteuil, 33 anos, mãe de Tom, 2 anos e 8 meses, e Liz, 4 meses

“Tive dois filhos no Reino Unido. As crianças nasceram pelo sistema público de saúde, como acontece com a maioria das famílias. Só existe uma maternidade totalmente privada, que fica em Londres. Tom, o mais velho, nasceu em Londres, no Chelsea & Westmister Hospital. Liz, a caçula, no Lister Hospital, em uma cidade chamada Stevenage, perto de onde moro. Na gravidez de Tom, tive opção de escolher entre duas maternidades. Na de Liz, entre três. As possibilidades são oferecidas de acordo com proximidade da residência. Porém, há opção, caso a família queira, que a criança nasça em uma maternidade específica --apesar de geralmente o recomendado seja optar por um hospital próximo ao local de moradia.
Logo que a mulher descobre que está grávida, o primeiro passo é ir a um posto de saúde do bairro onde mora e começar o pré-natal. Na verdade, a primeira consulta é burocrática, não tem pedido de exame de sangue, como no Brasil. A médica basicamente perguntou se estava feliz com a gravidez. Achei estranho, só depois percebi que é uma pergunta que faz sentido, porque, no Reino Unidos, o aborto é legalizado. Nessa consulta também foi feito um cartão para acesso à medicação gratuita, como é praxe para grávidas. Conversamos sobre os hospitais possíveis para se fazer o pré-natal de fato e nada mais. Nada mais acontece até o terceiro mês, quando a instituição escolhida entra em contato para a mulher começar a fazer exames, (de sangue e a primeira ultrassonografia), salvo algum problema de saúde. Por conta de pouca coisa a ser feita até então, é bem comum as pessoas nem anunciarem a gestação nem mesmo para seus empregadores. Nesse tempo, elas também não ficam sabendo o sexo da criança. O sistema de saúde só fala o sexo da criança na ultrassonografia da 20ª semana (e ainda assim, depende da política do hospital, eles não têm obrigação de revelar). Outra grande diferença em relação ao Brasil é que no pré-natal a mulher tem espaço para conversar sobre parir em casa, no hospital ou em uma casa de parto, com parteiras. Escolhi parir no hospital. Para mulheres grávidas pela primeira vez e que passam bem de saúde na gestação, o pré-natal tem dez consultas. Na segunda, sete. Durante esse tempo, são feitas somente duas ultrassonografias, se estiver tudo bem com mãe e bebê, é claro. Todas as consultas são feitas por parteiras, as 'midwives'. Elas têm profissão regulamentada e formação específica. Aliás, elas fazem tudo durante o parto, se não houver necessidade de chamar um médico. Meus dois filhos nasceram de cesárea, por isso fui atendida por médicos. Não tive dilatação suficiente e fiquei com febre, não havia realmente o que fazer. Na Inglaterra, cesárea nunca é possibilidade de escolha. A mulher pode escolher onde parir, se quer anestesia, se quer parir na água, dentre outras coisas. Mas desde o início, marcar cesárea simplesmente por vontade da mãe não pode. A não ser que exista motivos e ainda assim é preciso receber indicação médica para tal. A mulher, inclusive, passa por uma junta médica e até por análise psicológica, se necessário, para atestar que o caso dela necessita de cesárea. A mulher é orientada ir para o hospital somente quando está em trabalho de parto ativo. Não adianta ir antes, ela é orientada a voltar para casa.  A orientação é sair de casa com contrações de um em um minuto, por exemplo. Quando eu e meu marido fomos conversar com a 'midwife' porque a bolsa tinha estourado, ela me examinou e disse: 'Parabéns, dentro de 48 horas, vocês vão ser pais. Voltem para casa, relaxem'. Mesmo meu primeiro filho tendo nascido em uma cesariana, no pré-natal do segundo bebê, fui orientada a tentar o parto normal. Nos dois hospitais, as equipes foram incríveis e maravilhosas. No pós-operatório, fiquei no hospital por cinco dias por conta da cirurgia, em enfermarias (no caso de parto normal, a mulher pode ir embora depois de seis horas). Os bebês sempre ficaram comigo, não há berçários. Os profissionais, inclusive, pedem para ninguém visitar mãe e bebê. Recomendam esperar a família voltar para casa. Aqui é realmente importante confiar na rede de atendimento. Não há um médico ou uma 'midwife' que acompanha a mulher do começo ao fim da gestação. Inclusive durante o trabalho de parto, as equipes mudam no decorrer do tempo. Ainda assim, todo mundo sabe muito sobre o caso da gestante, tudo é informatizado."