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Refugiadas africanas contam dores e expectativas de serem mães no Brasil

Grávida de quatro meses, a cabeleireira Liliana Mujinga, 26, veio de Angola com as duas filhas e hoje passa por dificuldades  - Lucas Lima/UOL
Grávida de quatro meses, a cabeleireira Liliana Mujinga, 26, veio de Angola com as duas filhas e hoje passa por dificuldades Imagem: Lucas Lima/UOL

Luciana Mattiussi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

05/08/2016 07h05

Cercada de dúvidas, expectativas e preocupações, a gravidez é um momento único e complexo para qualquer mulher, mesmo para aquelas que estão com a vida bem estabelecida. Quando se está em um país desconhecido, longe da família e sem grandes perspectivas, não é de se estranhar que essa fase se torne ainda mais delicada. Ser refugiada e gestante exige uma dose extra de coragem e esperança, como comprovam os relatos abaixo.


Liliana Mujinga, 26, cabeleireira e maquiadora, de Angola

“Viver em Angola tornou-se difícil por causa dos conflitos, da violência física e sexual a que somos submetidas, das constantes ameaças e do desrespeito aos direitos humanos. Por isso eu saí de lá. Já sou mãe de duas meninas de quatro e dois anos e nunca pensei que ficaria triste com uma terceira gravidez. Mas foi justamente assim que me senti quando soube, logo que cheguei ao Brasil, há cerca de três meses, que estava esperando outra criança. É tudo muito diferente de estar grávida na sua terra ao lado de sua família e amigos. Estou sozinha aqui com minhas filhas e passando muitas dificuldades. Nas consultas, os médicos mandam eu ganhar peso, mas tem dias que não temos nem o que comer direito e nem consigo trabalho. Ficamos por um tempo na Missão Paz [instituição filantrópica de apoio a imigrantes e refugiados] e ainda dependemos da ajuda dos outros. Estou grávida de quatro meses e nem dá para ver a barriga. Tenho medo e, ao mesmo tempo, sei que preciso me manter forte e saudável para dar a volta por cima, arrumar um serviço e poder cuidar das crianças”.

Benette Muaka, 27, cabeleireira, da República Democrática do Congo

“Descobrir-se grávida em um país totalmente estranho, longe de todo mundo e recém-chegada é muito difícil. Mas resolvi deixar na mão de Deus. Foi ele quem me deu o filho e sabe o que faz. Vim para o Brasil há cinco meses, para fugir da guerra, da fome e da violência, e estou entrando no sétimo mês de gestação. Saí do Congo sem saber que estava esperando uma filha. Primeiramente, meu marido ficou lá e eu vim antes com meu filho mais velho para juntar dinheiro e mandar para ele também poder vir. Agora ele já está aqui comigo. Com a gravidez, a situação está mais difícil, pois não consigo trabalho. Estou morando em uma boa casa na Penha, mas falta muita coisa. Os médicos dizem que eu preciso ganhar peso, comer melhor para o bebê se desenvolver. O problema é que nem sempre consigo comer direito e, às vezes, sinto fraqueza. Mesmo assim, minha saúde vai bem no geral e a gestação segue sem maiores riscos. O pior mesmo é ficar longe da família em um momento tão especial quanto a gravidez”.


Sylvie Mutiene, 33, advogada, da República Democrática do Congo

Sylvie Mutiene, 33, advogada, da República Democrática do Congo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sylvie e os filhos
Imagem: Arquivo pessoal

“Cheguei ao Brasil em 2013, com dois dos meus três filhos mais velhos. Deixei o meu país por causa da guerra, da miséria e da violência. Minha filha mais velha, de 16 anos, não pôde vir, mas espero juntar dinheiro para conseguir trazê-la também. Quando descobri que estava grávida em um país estranho, longe da minha mãe, sem dinheiro suficiente e sem ter com quem deixar as outras crianças pequenas, fiquei desesperada. Pensei até em abortar, mas o médico me disse que era crime no Brasil e resolvi seguir com a gravidez. Na época, trabalhava como ajudante geral em uma escola e minha patroa me deu total apoio. Fui atendida pelo SUS e, apesar da demora para agendar as consultas, no fim deu tudo certo e fui muito bem tratada. Mesmo assim, foi muito difícil. O que mais me entristeceu foi dar à luz sem ninguém ao meu lado. Meu esposo me levou até o hospital, mas teve que voltar para casa para cuidar das crianças e, então, eu fiquei lá sozinha, fragilizada e triste. Chorava muito pedindo pela minha mãe. Ela sempre esteve ao meu lado e aqui me vi desamparada. Quando passou o período da licença-maternidade, surgiu outro problema. Sem família e amigos próximos, não tinha com quem deixar a bebê e precisei largar o trabalho. Nossa situação ficou ainda mais complicada, mas não podia deixá-la sozinha. Hoje, ela está com um ano e cinco meses e estou procurando serviço. Era advogada no Congo, mas aceito qualquer trabalho digno para criar meus filhos. Gosto do Brasil, hoje sou mãe de uma brasileirinha e tenho fé que as coisas vão melhorar”.


Saiba como ajudar:

Boa parte da esperança dessas mulheres vem da ajuda que elas recebem de instituições como a maternidade Amparo Maternal e a Missão Paz. Atendendo exclusivamente ao Sistema Único de Saúde (SUS), a maternidade oferece abrigo provisório para gestantes e mães recentes em situação de vulnerabilidade e risco social, como é o caso das refugiadas. Quem quiser pode colaborar com qualquer valor em doação única ou recorrente. Mais informações: (11) 5080-5551 ou desenvolvimento.institucional@amparomaternal.org

Ligada à SIMN (Scalabrini International Migration Network), a Missão Paz é uma instituição filantrópica de apoio a imigrantes e refugiados. Além de acolhimento, também são oferecidos cursos de português e profissionalizantes, auxílio jurídico, orientação sobre o acesso ao SUS e mediação para trabalho. Para saber como ajudar, acesse www.missaonspaz.org

Outras instituições de apoio ao refugiado:
Cáritas – caritas.org.br
Adus - www.adus.org.br
Agência da ONU para Refugiados - www.acnur.org/portugues