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Casos de autismo sobem para um a cada 68 crianças; especialistas explicam

A parceria da família é fundamental no tratamento da criança autista. Enquanto ela não se fortalece, fica difícil ter melhorias - Getty Images
A parceria da família é fundamental no tratamento da criança autista. Enquanto ela não se fortalece, fica difícil ter melhorias Imagem: Getty Images

Thamires Andrade

Do UOL, em São Paulo

21/08/2016 07h15

No fim dos anos 1980, uma a cada 500 crianças era diagnosticada com autismo. Hoje, a taxa é uma a cada 68. O significativo aumento chamou atenção até da ONU (Organização das Nações Unidas), que classificou o distúrbio como uma questão de saúde pública mundial. Mas, afinal, o que fez com que aumentasse tanto o número de crianças diagnosticadas?

Uma série de fatores. De acordo com Carlos Gadia, neurologista pediatra e diretor associado do Dan Marino Center, do Miami Children's Hospital, na Flórida, nos Estados Unidos, a mudança na maneira de diagnosticar o autismo é uma delas.

"Até meados dos anos 1990, para ser considerada autista, a criança precisava não interagir socialmente nem se comunicar. Depois foi considerado que ela precisava ter alguma alteração na qualidade da comunicação e da interação social em comparação com outras da mesma idade. Com isso, houve uma expansão no diagnóstico", explica.

Ao mesmo tempo, houve um grande aumento do conhecimento sobre o transtorno, tanto entre os médicos quanto na comunidade em geral. "No fim dos anos 1990, as pessoas passaram a falar mais sobre autismo, as famílias de autistas criaram grupos para discutir o assunto. E quanto mais se fala, mais o autismo passa a ser reconhecido pelos médicos e pelas famílias", diz Gadia.

O fator ambiental também pode estar associado ao aumento de casos de autismo. "Temos estudado fatores ambientais, como uso de pesticidas, de medicações durante a gestação, exposição ao tabaco, fumo, álcool e diferentes substâncias. A probabilidade é que causas multifatoriais genéticas e ambientais se combinem e façam com que o feto tenha predisposição ao autismo", afirma Daniela Bordini, psiquiatra e coordenadora do Ambulatório de Cognição Social da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Ainda vai levar alguns anos até que esses estudos sejam concluídos, no entanto, vários trabalhos realizados desvendaram alguns mitos que cercam o autismo, como a relação entre o problema e as vacinas.

"Esse é o maior mito, mas foi comprovado que não há relação entre imunização e autismo. Mais recentemente também desvendou-se que os polihidrocarbonetos --substância presente em uma série de equipamentos usados no dia a dia-- não têm relação com o distúrbio", afirma o neurologista Gadia.

Em maio de 2013, um novo critério do DSM - 5(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) acabou com todas as subdivisões usadas para classificar o problema e criou o termo TEA (Transtorno do Espectro Autista).

"Não há mais Síndrome de Asperg, Transtorno Global ou Invasivo de Desenvolvimento. Tudo virou TEA. Os especialistas criaram essas subdivisões, pois achavam que ter grupos homogêneos dentro dos transtornos facilitaria as pesquisas, mas não foi o que aconteceu. Essas subdivisões só causavam confusões para a família. Essa mudança de nomenclatura reafirma a ideia de espectro, de que há diferentes severidades do problema", afirma Gadia.

Primeiros sinais

Os estudos mostram que a primeira manifestação do autismo é a anormalidade no contato visual. "Crianças dentro do espectro, mesmo pequenas, têm pouco interesse ao olhar para pessoas. Elas preferem observar objetos e, quando olham para indivíduos, tendem a focar no corpo e na boca. Enquanto as crianças típicas olham primariamente para os olhos para entender a carga emocional do olhar", declara o neurologista Gadia.

O atraso na fala não é necessariamente o primeiro sintoma, mas quase sempre é o mais percebido pelos pais. "A família identifica que tem algo errado com a criança e a leva a um pediatra, mas a maioria desses profissionais não são capacitados para se atentar aos primeiros sintomas do autismo. Muitos têm uma conduta mais expectante: 'Vamos esperar mais um pouquinho, tem criança que demora mais para falar mesmo'. E isso atrasa o diagnóstico", afirma Daniela.

"Esperar porque alguém da família demorou para falar ou porque meninos falam depois de meninas não é algo benéfico. Passa a impressão de que alguns critérios de desenvolvimento são fluidos, o que não é verdade. Se a criança não fala e tem um ano e meio, é fora do padrão, e é preciso uma avaliação com especialistas", diz Gadia.

Outro sintoma do autismo é a falta de resposta quando a criança é chamada pelo nome e a falta de atenção conjunta. "Pais se queixam de que entram no quarto, o filho está brincando e continua, como se eles não estivessem ali. Outro exemplo: se a criança vem no consultório pela primeira vez, eu entro na sala e ela segue brincando como se nada tivesse acontecido também não é normal. A reação da criança típica é olhar para a pessoa desconhecida e, na sequência, para os pais, para ler se ela deve ter medo ou se sou uma pessoa amiga. Essa é a base do déficit de interação social do autista: ele não se preocupa com o acontece à sua volta", fala o neurologista Gadia.

O diagnóstico ainda hoje tem um peso muito grande para a família. "É um luto. Os pais sonham com um filho saudável, com futuro garantido. Ao descobrir que ele é autista, começam a questionar como será o futuro, se ele terá independência na vida adulta. A parceria da família é fundamental no tratamento. Enquanto ela não se fortalece, fica difícil ter melhorias", afirma a coordenadora do Ambulatório de Cognição Social da Unifesp.

Tratamento

O tratamento do autismo é multifuncional e precisa englobar tanto a família quanto a escola para ter maior chance de sucesso. "Quanto mais precoce é o diagnóstico e o tratamento, melhor o prognóstico da criança no futuro. Não existe um medicamento para os sintomas principais do transtorno, mas alguns sintomas 'alvo', que não fazem parte do problema, mas atrapalham a vida do autista --como agressividade, insônia e agitação--, podem ser tratados com remédios", fala Daniela.

Além disso, a criança também é submetida a tratamentos para as áreas de deficiência. "A fonoaudióloga vai trabalhar as questões de linguagem. Os terapeutas ocupacionais, a questão da hipersensibilidade. Já os terapeutas comportamentais fazem uma intervenção chamada de ABA [Terapia Aplicada de Análise do Comportamento, em livre tradução do inglês] para desenvolver com a criança o contato visual, a capacidade de imitar, de apontar, de prestar atenção nos outros", explica o neurologista Gadia.

Com relação à escola, as instituições regulares não podem recusar a matrícula de crianças autistas e precisam se preparar para as adaptações que forem necessárias. "Para os casos de autismo mais grave, a escola precisa arcar com tutores para fazer a intermediação dos conteúdos ministrados na aula. Mas há pacientes com altas habilidades em algumas áreas, acima da média até. E é preciso aproveitar essas potencialidades e investir nisso para que ele possa ter um emprego no futuro e uma vida independente", fala Daniela.