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Pai coxinha e filho mortadela: quando a treta política começa em casa

Mariana, 18, e o pai Vitor, 46, não concordam quando o assunto é política, mas mantêm boa relação - Julia Guglielmetti/UOL
Mariana, 18, e o pai Vitor, 46, não concordam quando o assunto é política, mas mantêm boa relação Imagem: Julia Guglielmetti/UOL

Natália Eiras

Do UOL

06/12/2016 07h05

As famílias não estão imunes ao clima de Fla x Flu que paira no ar. Por isso, para que uma divergência de opiniões de pais e filhos não ganhe contornos de guerra doméstica, os adultos precisam fazer uso da maturidade conquistada com a idade para entender o adolescente e não impor a própria visão.

Marisol Sendin, pediatra e psicoterapeuta do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, fala que o embate faz parte de um período muito importante para o desenvolvimento do adolescente: o questionamento das ideias vindas dos pais para formar uma opinião própria. "É preciso tolerar essas visões opostas sem levar para o lado pessoal."

Na casa do advogado Vitor Alessandro de Paiva Porto, 46, basta um comentário mais indignado da filha, Mariana Muçouçah Porto, 18, para a sala de estar se tornar palco de um debate. Ambos têm muitas opiniões parecidas, mas divergem quando o assunto é o impeachment de Dilma Rousseff. Para Mariana, foi golpe, para Vitor, a democracia foi exercida.

O debate político na casa de Vitor e Mariana acaba quando um dos dois perde a paciência - Julia Guglielmetti/UOL - Julia Guglielmetti/UOL
O debate político na casa de Vitor e Mariana acaba quando um dos dois perde a paciência
Imagem: Julia Guglielmetti/UOL
O advogado diz que os debates param no momento em que um dos dois perde a paciência.

"Nunca brigamos porque não faz parte da minha natureza. Encerramos a discussão quando vemos que um não vai convencer o outro de nada", declara o pai. "Ele é muito compreensivo. Se fosse menos centrado, a gente entraria em discussões mais pesadas", fala Mariana.

Segundo a professora Leila Tardivo, do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), o respeito mútuo é o segredo para manter uma relação harmoniosa dentro de casa. Os jovens têm de respeitar a experiência dos adultos e estes, a juventude dos filhos.

Opinião: cada um tem a sua?

Vitor diz acreditar que o debate político é fundamental para qualquer família e para a relação que tem com a filha. "Preciso aprender a ouvi-la e defender o direito dela falar o que acha", diz o pai.

A psicóloga Graça Maria Ramos de Oliveira, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, defende que essas discussões podem mesmo reforçar o vínculo entre pais e filhos. "Permitir que o jovem tenha pensamentos diferentes e estimulá-lo a ter senso crítico o ajuda a se interessar verdadeiramente por diversos temas e favorece o raciocínio. Essas conversas aproximam e permitem que todos conheçam o que cada um pensa", afirma a especialista.

O cuidado, no entanto, reside na forma como serão abordados os assuntos "quentes". "É para falar se for para conversar e não brigar. Muitas vezes, as pessoas puxam o tema como uma forma de provocar o outro", declara Leila Tardivo.

Invadir escola x manifestação

Mas há momentos em que as discussões acabam se tornando planos de ação, como é o caso das invasões de escolas públicas em protesto à PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 241 --que estabelece um limite para o aumento de gastos públicos pelos próximos 20 anos-- e manifestações de rua.

Segundo Leila, concordando ou não com o filho, é importante deixá-lo ir para a rua. "Permita que o adolescente pense, proteste, mas tudo dentro do limite da legalidade."

Graça lembra que os pais serão responsabilizados pelos atos ilícitos dos filhos. Caso o menor de idade seja preso por vandalismo, são os adultos que terão de enfrentar a Justiça. "Os pais precisam estar cientes que, ao permitirem que os filhos permaneçam em um ambiente sem uma estrutura que possa assegurar segurança e bem-estar, como uma invasão de escola, eles podem estar sendo negligentes a cuidados básicos."

Mesmo quando a filha era menor, Vitor nunca impediu que Mariana fosse a passeatas, mas não a deixaria participar da ocupação de uma escola. De qualquer forma, ele fala que essa negociação, sobre como ela pode exercer sua cidadania, é importante para todo mundo. "Respeitar o crescimento dos nossos filhos também é uma forma de proteger."