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Sentir raiva dos filhos é normal, mas também exige amadurecimento dos pais

Getty Images
Imagem: Getty Images

Gabriela Guimarães e Rita Trevisan

Colaboração para o UOL

29/03/2017 04h00

Trata-se de um verdadeiro conflito interno. Pais são capazes de sentir um amor incondicional pelos filhos, mas também conseguem sentir muita raiva em determinado momentos. Mas será que esse sentimento demonstra falta de carinho? Sentir culpa pela emoção é normal? É possível tirar algum aprendizado dos momentos de ira? Essas são dúvidas são bastantes comuns entre pais e mães.

O filho mais velho da psicóloga Patrícia Bernadete, 44, já tem 17 anos. E ela ainda se lembra do momento em que ele nasceu, quando "experimentou a maior e mais intensa sensação de felicidade que já havia vivido". Mas é bem verdade que, daquele momento até hoje, as trocas da relação com o filho nem sempre foram prazerosas e alegres. "Em muitas situações, ele também me fez experimentar emoções como a raiva, e por diferentes motivos. A maternidade, em alguns momentos, se pareceu muito com uma prisão", diz. Nos primeiros meses após o nascimento da criança, por exemplo, o filho chorava até perder o fôlego quando ela saía de seu campo de visão, nem que fosse por alguns segundos. “Eu tinha raiva por não conseguir ir ao banheiro sozinha”, lembra.

A professora Veronice da Silva, 46, também viveu esse tipo de conflito com seus três filhos, mas hoje, encara desafios bem diferentes. Ela é mãe de dois adolescentes, com idade de 12 e 16 anos, e de um adulto de 20. "Agora eu sinto raiva quando eles não avisam a que horas vão chegar, quando não atendem o celular e, principalmente, quando delego funções e eles não cumprem, simplesmente porque não estavam a fim de fazer nada", diz.

Nas duas realidades, trata-se de um mesmo sentimento, nem sempre reconhecido e aceito. Ele pode surgir em situações em que nos percebemos contrariados, magoados ou decepcionados. Também é comum que a raiva esteja relacionada à idealização do papel do filho na família. "Idealizamos o filho perfeito e, quando ele chega e demonstra sua própria forma de ser, percebemos que não temos controle total sobre ele. Isso é muito frustrante para a maioria das pessoas", afirma a psicóloga Bianca Amorim.

Por que a raiva gera tanta culpa?

E se sentir raiva é algo comum aos pais, e até natural, por que o sentimento geralmente vem acompanhado de tanta culpa? "A tendência é interpretar a raiva como uma emoção indesejável e inapropriada. Mas é importante entender que não existem emoções boas ou más, todas são funcionais", diz a psicóloga Thais Rabanea, especializada em neuropsicologia pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ela explica que, apesar de ter potencial destrutivo, a raiva, quando elaborada, pode contribuir para o desenvolvimento de habilidades fundamentais tanto para os pais, quanto para a criança. A percepção de que é preciso ser mais firme ou mais objetivo com o filho, por exemplo, pode surgir depois de um ataque de nervos.

Para que o sentimento leve ao amadurecimento, é preciso que ele acenda um sinal de alerta interno – a raiva não deve ser ignorada. Posteriormente, vale refletir sobre o que despertou o sentimento. Um determinado comportamento da criança ou adolescente pode, de fato, deixar os pais bastante contrariados. Mas não é incomum que uma insatisfação pessoal leve pai e mãe a gerarem um conflito com os filhos sem que as crianças tenham provocado uma reação tão intensa. "Preocupações, medos, mágoas, pressões externas e internas ao lar podem influenciar na resposta dos adultos. Muitos pais vivem constantemente contidos, sempre a ponto de explodir", diz a psicóloga Janice Pedronio Gaspar, especializada em Psicanálise pela USP (Universidade de São Paulo).

O melhor é esperar a raiva passar

Seja qual for o motivo da raiva, o melhor é evitar o confronto com o filho no auge da ira. "Se você percebe que está começando a perder o controle sobre as suas atitudes, não é o momento de conversar. Dê um passo para trás e retome quando estiver mais calmo. A chance de ser assertivo no momento da raiva é muito menor", afirma a psicóloga Tatiana Leite, psicóloga com especialização em Terapia de Casal e Família pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.

No dia a dia, ter a calma necessária para respirar fundo e simplesmente tirar o time de campo pode ser um pouco mais complicado. "Nessas horas, é fundamental lembrar que, na relação entre pais e filhos, nós somos os adultos", diz Tatiana. Tolerar, ponderar e buscar recursos que nos capacitem a enfrentar a situação de maneira positiva - principalmente depois de uma explosão - é, portanto, tarefa dos pais.

Mesmo quando a temperatura esquenta demais e a reação impulsiva torna-se inevitável, convém voltar ao assunto mais tarde, com um propósito educativo. "Se a criança fez algo que desencadeou esse sentimento nos pais, é importante que, após o ocorrido, eles conversem com ela e expliquem o que aconteceu e como se sentiram", diz a psicóloga Juliana Germinari, especializada em psicopatologia pela USP. Desculpas também são bem-vindas. "Assumir os sentimentos para a criança é muito importante, pois você separa o que é seu do que é dela. Ao dar nome às emoções, ainda ajuda a criança a nomear os seus próprios sentimentos, a se autoconhecer", completa Juliana.