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"Tive câncer de mama, amamentei só com um peito e descobri um novo tumor"

Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para o UOL

04/10/2017 04h00

Sobrevivente de dois cânceres de mama, a pedagoga Patrícia de Almeida, 44, perdeu o seio direito aos 32 anos após fazer uma mastectomia radical. Ao se tornar mãe pela segunda vez, ela conseguiu amamentar com apenas um peito, mas, durante o aleitamento, descobriu um novo tumor, dessa vez na mama esquerda. Depois de nove cirurgias para combater a doença, Patrícia conta como sua vida é uma prova de que o câncer tem cura.

“Estava apalpando o seio direito quando percebi um caroço embaixo da dobra da mama. Sem acesso a muita informação e morando em uma cidade pequena no interior da Bahia em 2006, demorei seis meses até descobrir o diagnóstico. Nesse tempo, o tumor cresceu rapidamente e chegou a ficar com 6 cm de diâmetro, parecia que ia estourar.

Diagnosticada aos 32 anos com um tumor maligno agressivo na mama direita, fiz a mastectomia radical com o esvaziamento da axila. Fiquei lisa como uma tábua, só sentia a pele e o osso. Um mês depois, iniciei a quimioterapia, ia toda maquiada para as sessões e, desde a primeira vez, coloquei na cabeça que não passaria mal. Não tive enjoos, nunca vomitei e mantive meu peso habitual. Ao todo, foram oito sessões de químio e 28 de radioterapia, em um tratamento que durou oito meses.

Senti medo, mas sou uma pessoa positiva e determinada, me preparei até para a queda de cabelo. Meu filho Luis Guilherme, com três anos e meio na época, ficou assustado ao me ver careca, sem cílios e sobrancelhas. Eu estava numa guerra onde ou eu vencia o câncer ou ele me vencia, e eu decidi vencê-lo. Minha maior motivação foi a vontade de criar meu filho. Eu estava doente, mas nunca tive autopiedade.

Colocava meia no sutiã para fazer volume e ia à praia

Não me sentia menos mulher por ter um peito só. É claro que a doença feriu a minha vaidade, mas, naquele momento, o mais importante era viver. Recebi o apoio do meu marido, familiares e amigos. Quando íamos à praia, eu vestia meu maiô com um sutiã de bojo tomara-que-caia, colocava uma meia na região onde seria o seio para dar um enchimento, passava filtro solar, botava chapéu e ia para o mar.

Após dois anos da mastectomia, fiz a reconstrução da mama direita e a cirurgia de simetria dos seios. Continuei com o acompanhamento médico e exames de controle. Apesar da batalha, me sentia renascida, estava feliz e pronta para ir em busca de um sonho: ser mãe pela segunda vez.

Amamentar com apenas uma mama foi especial

O desejo de ter uma menina era grande, mas meu oncologista explicou que após o tratamento com quimioterapia, eu teria 50% de chance de ficar estéril. Prestes a completar cinco anos do primeiro diagnóstico do câncer de mama, eu descobri que estava grávida em 2011. Fiquei radiante. Perguntei ao obstetra se seria capaz de amamentar apenas com a mama esquerda. Ele me disse para não criar expectativas e me alertou que talvez eu não tivesse leite. Eu fiquei triste, mas estava esperançosa e pensei: ‘O milagre nunca vem pela metade. Se eu consegui engravidar, eu vou conseguir amamentar’. 

A Maria Laura nasceu prematura de 31 semanas e ficou internada na UTI por 28 dias. Descobri que iria amamentá-la quando uma enfermeira apertou o bico do meu peito e saiu um líquido amarelo. Na hora ela me disse, Deus já fez a parte dele, agora faça a sua: ‘Vá para casa e tire leite de três em três horas para estimular a sua mama a produzir mais leite’. Eu me emocionei e fiz o que ela me orientou.

No tempo em que ficou no hospital, minha filha tomava uma fórmula de leite para prematuros através de sonda. Após 20 dias internada, ela mamou pela primeira vez no meu peito. Amamentá-la com apenas um seio depois de um câncer de mama foi incrivelmente especial.

Patrícia mostra a careca para filha Maria Laura - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Patrícia mostra a careca para filha Maria Laura
Imagem: Arquivo Pessoal
Minha filha nasceu para me salvar do segundo câncer

Eu sempre perguntei a Deus por que a Maria Laura tinha nascido prematura, já que tive uma gestação tão saudável. Hoje, eu sei que ela nasceu dessa forma para me salvar. Se ela tivesse nascido com nove meses, eu teria demorado mais tempo para receber o diagnóstico.

Foi durante a amamentação, quando minha bebê tinha cinco meses, que eu descobri o meu segundo câncer. Ao apalpar a lateral do seio, senti uma parte mais durinha, achei que fosse leite empedrado por causa da mama cheia. Procurei minha mastologista e amiga, a doutora Fátima Oliveira, e fomos investigar. Quinze dias depois, abri o resultado da biópsia sozinha: eu tinha um tumor maligno na mama esquerda.

Fiquei completamente atordoada, passou um filme na minha cabeça: ‘Vou ter que viver tudo aquilo de novo e agora com dois filhos’. Ainda fiquei um mês amamentando a Maria Laura com a mama que estava com o tumor, só parei uma semana antes da cirurgia. Os médicos disseram que isso não traria riscos à minha saúde nem a dela, mas me advertiram que não poderia mais dar o aleitamento após o procedimento cirúrgico. Fiquei arrasada, mas estava grata de ter conseguido amamentá-la por seis meses.

Cuidava da minha filha mesmo doente

Foi uma fase de lutas. Fiquei doente, meu casamento não ia bem, entrei numa crise interna. Aos 38 anos, retirei o quadrante lateral da mama esquerda. Fiquei bastante fragilizada e reagi da pior forma possível ao tratamento: passei mal, meu corpo ficou cheio de feridas, meu organismo desregulou e sentia tanta dor e cansaço que cheguei a ficar três dias de cama.

Ao mesmo tempo que foi difícil cuidar da Maria Laura ainda pequena, foi o que mais me fortaleceu. Em meio às seis sessões de quimioterapia e 33 de rádio, eu dava banho nela, preparava a comida, brincava e saía para passear.

Depois de terminar a primeira fase do tratamento, retirei o útero e os ovários por prevenção. Para completar, fiz a mastectomia total na mama esquerda com reconstrução imediata. Três meses após encerrar esse ciclo e acumular nove cirurgias no combate a dois cânceres de mama, meu casamento chegou ao fim, depois de 13 anos.

Último dia do tratamento de quimioterapia em julho de 2012 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Último dia do tratamento de quimioterapia em julho de 2012
Imagem: Arquivo Pessoal
Sou a prova de que o câncer tem cura

Tive muito medo, mas sabia que o câncer não me mataria. Fui curada e acredito que Deus está acima de tudo. Eu estava doente da alma, mas me reencontrei e quero ser feliz. Sou uma vencedora pela pessoa que eu me tornei após a doença. Hoje, aos 44 anos, me sinto mais forte e plena como mãe, profissional e mulher. Estou bem comigo mesma e pronta para um novo amor.

A todas as guerreiras que estão na batalha contra o câncer de mama, eu deixo uma mensagem: encontre uma razão para lutar, não desista e vença. Não acredite que por ter câncer você vai morrer. Isso não é verdade. Eu sou a prova de que o câncer tem cura".