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Miniboneca vira mania graças a vídeos e faz pais gastarem mais de R$ 2 mil

Claudia e as filhas gêmeas Laura e Joana, 7 anos, que têm mais de 25 LOLs Dolls - Arquivo Pessoal
Claudia e as filhas gêmeas Laura e Joana, 7 anos, que têm mais de 25 LOLs Dolls Imagem: Arquivo Pessoal

Amanda Serra

Do UOL, em São Paulo

08/01/2018 04h00

Elas custam cerca de R$ 100, têm menos de 10 centímetros e foram sucesso absoluto de vendas no Natal. Mas o que são e por que as LOL Surprise Dolls estão enlouquecendo as crianças e seus pais? Lançadas em dezembro de 2016, com propagandas apenas nos meios digitais (leia-se YouTube), as minibonecas que vêm em bolas surpresa se tornaram um fenômeno nos EUA e no mundo. Se você tem filhos, enteados ou parar para falar com uma criança, vai ouvir falar delas. 

Com mais de 120 modelos disponíveis, a bonequinha foi o brinquedo mais vendido em 2017 nos EUA, de acordo com dados do grupo NPD, empresa americana de pesquisa de mercado. No Brasil, não foi diferente. De acordo com dados da RiHappy, líder no varejo de brinquedos, a boneca foi o item mais procurado no Natal e o estoque da peça esgota em poucas horas. 

Por conta do boom, mães e pais estão criando grupos nas redes sociais para trocarem personagens repetidos. Como os pacotes das bonequinhas são revestidos por até sete camadas de embalagem, a diversão está justamente em descascar cada uma das partes para encontrar os itens - adesivos, pingentes, sapatos, acessórios, além de uma boneca. Sendo assim, não é possível identificar qual modelo se está comprando. E a repetição é parte do jogo. 

Mais de R$ 2 mil em bonecas

A LOL Queen Bee é tida como uma peça rara dentro da coleção - Divulgação - Divulgação
A LOL Queen Bee é tida como uma peça rara dentro da coleção
Imagem: Divulgação
 Mãe das gêmeas Laura e Joana, 7 anos, a fisioterapeuta Camila Cristina Corrêa, 36, descobriu a existência das LOLs quando as filhas viram vídeos no YouTube. Recentemente em uma viagem para Nova York, ela comprou mais de 20 bonecas.

“No início, não dei atenção. Mas aí vendo as youtubers, entendi que a graça está em abrir as camadas na expectativa de saber qual será. Minhas filhas já têm cerca de 25 bonecas e agora querem um modelo raro, a Queen Bee, para completar a bendita coleção”, conta a paulistana que mora na Granja Viana, em Cotia. Mesmo nos EUA, onde a média de preço varia de US$ 10 a US$ 100, a brincadeira não é barata. Camila já gastou cerca de R$ 2 mil e é uma das mães participantes de comunidades de troca

Concluir a coleção se tornou uma tarefa complicada já que são quatro coletâneas e cada série possui mais de 10 modelos, incluindo animais. “Cada hora aparece um modelo novo e pelo valor será bem difícil completar. Mesmo nos EUA, com a febre, as lojas só estavam vendendo quatro unidades por pessoa”, conta Camila, que ainda tem nove bolas fechadas em casa. As filhas só recebem novas bonecas quando se comportam e contribuem com a própria mesada. “Fazemos isso para que elas deem valor ao dinheiro e aos brinquedos", explica.

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Camila não esconde que as filhas passam mais tempo do que deveriam na navegando na web, mas não vê como um problema o fato de os vídeos incentivarem o consumo infantil. “Acho as propagandas da TV a cabo mais ofensivas. Na internet, são as minhas filhas que digitam na busca o que querem ver. Na TV, elas são bombardeadas o tempo todo”, opina.

Mesmo com o gasto, a mãe das gêmeas prefere não questionar o prazer das filhas em terem as minibonecas. “É uma fase, eu também já tive minhas coleções. Vai passar. Tenho certeza que sentirei falta delas com essa idade”, finaliza.

As LOL dolls se tornaram uma nova febre entre as crianças graças ao Youtube - Divulgação - Divulgação
As LOL dolls se tornaram uma nova febre entre as crianças graças ao Youtube
Imagem: Divulgação
"Recebidos"

De olho na tendência de unboxing - ato de desembalar pacotes que virou mania entre os influenciadores digitais e, por aqui, ficou conhecido como recebidos -, o iraniano Isaac Larian, CEO da MGA Entertainment, maior empresa mundial de brinquedos, criou a LOL. Já são mais de 2,5 milhões de bonecas vendidas no mundo. 

"Estou no mercado de brinquedos há 37 anos. Houve um tempo em que você colocava o brinquedo em um comercial de televisão e ele vendia. Esses dias acabaram. Agora, com o YouTube, o resultado é muito maior. São mais de 44 milhões de visualizações combinadas com vídeos unboxing de influenciadores, incluindo DCTC Toy Channel (mais de 7,3 milhões de assinantes) e CookieSwirlC (mais de 4,3 milhões de assinantes)”, disse ele em entrevista para revista Forbes em abril do último ano. 

Laura tem 3 anos e foi exatamente mexendo no tablet que ela descobriu as bonecas e pediu que a mãe, a médica socorrista Gabriela Matielo Galli Starzewski, 36, lhe desse uma. “Primeiro ela começou com a ‘LOL surprise’, mas logo descobriu a ‘Big LOL dourada’. Na época do lançamento, custava cerca de R$ 1.600 no Brasil. Eu pedi para uma tia trazer dos EUA. Além de abrir a embalagem, o que ela mais gosta é de trocar as roupas e acessórios”, conta a paulistana, que mora no bairro do Morumbi em São Paulo.

A garota já possui cerca de R$ 2.500 em bonequinhas que ganhou dos pais, avós e parentes. Gabriela tende a encarar o momento com tranquilidade, apesar de achar caro. “Elas são lindas, cheias de glitter, alguns modelos fazem xixi, cospem. Minha filha sempre gostou muito de miniatura. Ela realmente brinca, cuida, guarda”, conta. A menina costuma ter acesso à internet somente antes de dormir. “Ela gosta dos vídeos em que os youtubers abrem os recebidos”, relata Gabriela.

Flávia Cristina e a filha Kimberly Maria, de 9 anos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Flávia Cristina e a filha Kimberly Maria, de 9 anos, com as LOLs
Imagem: Arquivo Pessoal
"Compro para ter paz, ela me vence pelo cansaço"

Com uma aspirante a digital influencer em casa, a professora de matemática Flávia Cristina Cavalcante Augusto, 38, de Guarulhos, Grande São Paulo, rapidamente se viu envolvida no mundo LOL. Dona de um Iphone 7, Kimberly Maria Cavalcante, 9 anos, também descobriu as bonecas nas redes sociais. Na vida real, seus colegas já competem para ver quem tem mais mini bonecas.

“Ela gosta de gravar alguns vídeos, tipo blogueira mesmo e já tem três bonecas raras, além de uns outros modelos. Ela sabe distinguir as falsas das verdadeiras. No YouTube, eles ensinam. O valor é absurdo, mas compro para ter paz. Ela mesmo sabe que me vence pelo cansaço. Isso é uma febre. Mas quando vem uma rara gritamos juntas e vivemos a mesma emoção”, diz Flávia, que está com viagem marcada para os EUA, de onde irá trazer a decoração da festa de aniversário da filha que será inspirada nas bonecas.

Como educadora, incentivo a fantasia. Na minha época, colecionávamos papel de carta, agora, é a LOL. Não quero pular as fases dela, mas confesso que me assusta esse consumismo. Não sei até quando poderei dar tudo para eles. Tento suprir a ausência do pai, é uma compensação”, afirma Flávia, que também é mãe de um casal.

Maria Cristina Moreira e a filha Maria Clara, 6 anos, que coleciona LOL dolls online - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Maria Cristina Moreira e a filha Maria Clara, 6 anos, que coleciona LOL dolls online
Imagem: Arquivo Pessoal
Sem grana, mãe dá ‘jeitinho’

Assim que soube da existência das bonecas por meio da filha, Maria Clara, 6, a massagista Maria Cristina Moreira Mendes Ferreira, 35, foi atrás de uma alternativa para não precisar gastar dinheiro.

“Ela é muito xereta e descobriu a LOL no YouTube. Eu permito que ela fique na internet duas horas por dia, uma hora de manhã e outra à tarde. Quando vi o valor, falei que poderia comprar várias bonecas pelo preço de uma dessas. Aí, fui atrás do aplicativo da LOL e expliquei que ela poderia colecionar online, pintar, trocar a roupa. Ela gostou, bastou. Sou contra explorar a inocência da criança com um brinquedo que faz tão pouca coisa e tem um preço abusivo”, opina.

Maria Cristina mora em Lucélia, interior de São Paulo, e explica que não tem a intenção de destruir as fantasias da filha, mas prioriza o senso crítico da garota. “Não quero que ela já seja adulta, mas que questione o que vê. Vou orientando para que ela não seja consumista e procure criar seus brinquedos, como fizemos com a Amoeba (massinha) que ela também viu e queria comprar”, conta.

Consciente de que a propaganda existe e que será impossível esconder a existência dos produtos da filha, a massagista resolveu adotar o meio-termo – não esconde, fala não quando precisa e busca alternativas. “Prefiro investir o dinheiro em uma boa alimentação e educação para ela. Corta o coração falar não, mas é necessário. Em contrapartida, pesquiso outras opções. É tudo uma questão de educação. Tudo que você combina antes é mais fácil, isso incluiu as idas ao supermercado, por exemplo. A Maria Clara ama pipoca, então ensinei a comparar o valor das coisas com base no da pipoca”, finaliza.

As LOL dolls foram lançadas em dezembro de 2016 e as vendas aumentaram em mais de 500% desde então - Divulgação - Divulgação
As LOL dolls foram lançadas em dezembro de 2016 e as vendas aumentaram em mais de 500% desde então
Imagem: Divulgação
“A criança é uma cidadã e não uma consumidora”

Ana Olmos, psicanalista de crianças, pais e família, além de conselheira do projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, destaca a necessidade da criança receber limites durante o seu crescimento para saber lidar com o mercado de consumo, além de ter seu acesso à internet controlado. “É um princípio fundamental para saúde mental e física. Assim será mais fácil para ela enfrentar as frustrações do dia a dia. Quando o pai ou a mãe tira sempre o filho do ‘apuro’, eles tendem a criar pessoas vulneráveis às frustrações, frágeis, que não aguentam a realidade", diz.

"E isso vai das atividades mais básicas como estudar, ler, fazer lição de casa até casos mais complexos, como lidar com a morte ou com um amor não correspondido. A pessoa cresce com sensação de impotência, pois nunca precisou confrontar a realidade. Tendo ou não dinheiro, é preciso dar limites. Precisamos empoderar os pais para que eles vejam que as crianças precisam de ‘não’, assim como precisam de ar. Ou ela não se desenvolve, fica refém do que os outros pensam, definem, fica infeliz”, continua.

"Por lei, a peça publicitária de um brinquedo não pode conversar com a criança, não pode ter música infantil, apresentador mirim, desenho, tem que ser dirigida aos pais e ser exibida em um horário comercial, além de informar o valor do produto. Mas na prática não há um regulamento para internet, diferente do que ocorre na TV aberta. E essas bonequinhas foram criadas seguindo a linguagem dos blogueiros”, diz Ana.

"A criança é uma cidadã em desenvolvimento, ela tem etapas, como do pensamento, dos sentimentos. Quando você estaciona um bebê em frente a uma tela, você está sonegando, roubando, sem perceber, os estímulos que ele necessita nessa fase. O mercado não tem compromisso com a saúde mental, a cidadania, com o fato de criar empatia, de levar a opinião do outro em consideração. A maioria das escolas trabalha com competição ao invés da cooperação, e isso inclui comparar carros, viagens, brinquedos. O problema de colecionar é que não tem fim. Isso já acontecia com a Barbie, assim como com os carrinhos. A coleção é uma estratégia para aumentar o consumo”, conclui a profissional.