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Por que uso de véu por indústria da moda no Ocidente está irritando algumas mulheres muçulmanas?

Modelo usam o hijab como parte da coleção Anniesa Hasibuan na Semana de Moda de Nova York em 2016. Hasibuan é uma designer muçulmana. - Anniesa Hasibuan/Instagram
Modelo usam o hijab como parte da coleção Anniesa Hasibuan na Semana de Moda de Nova York em 2016. Hasibuan é uma designer muçulmana. Imagem: Anniesa Hasibuan/Instagram

09/05/2017 08h10

Um número crescente de empresas tem inserindo aos poucos o véu islâmico em suas produções e anúncios. No entanto, a investida não tem agradado a algumas mulheres que seguem a religião muçulmana.

Dolce&Gabbana, H&M e Nike foram algumas marcas a incluírem mulheres usando o hijab, o tradicional véu islâmico que cobre a cabeça, como destaque em suas campanhas publicitárias.

O hijab, aliás, é um tema constante em debates sobre feminismo, religião e conservadorismo.

Muitas comunidades na internet discutem os significados do uso do véu para as mulheres. Mas desta vez o questionamento foi à potencial banalização de um símbolo sagrado.

A jornalista Tasbeeh Harwees recentemente escreveu na revista Good sobre uma propaganda da Pepsi que viralizou, usando a modelo Kendall Jenner.

O anúncio já era polêmico por conta da alegação de que banalizava os protestos de rua - mas algumas mulheres muçulmanas não gostaram dele por um motivo diferente. Na peça, havia uma mulher fotografando o protesto. E usando um hijab.

"Uma empresa multibilionária estava usando a imagem de uma mulher muçulmana para projetar uma imagem de progesso que ela própria sequer pode viver", disse Harwees à BBC.

Poder da marca

Já a Nike anunciou recentemente que está desenvolvendo um véu específico mulheres que praticam esportes - e que chegará às lojas em 2018.

A H&M usou a primeira modelo com hijab em uma peça publicitária, e outras inúmeras marcas lançaram campanhas com as chamadas "Coleção Ramadã", com o objetivo de atrair mulheres muçulmanas.

"Imagens de mulheres muçulmanas comunicam para os consumidores desses produtos que essas marcas são extremamente progressistas e inclusivas", afirma Harqee.

"Considerando o clima político em que vivemos, tornou-se socialmente conveniente alinhar com as minorias ou excluídos. E, para muitas pessoas, as mulheres muçulmanas representam isso."

Kendall Jenner fez parte de um comercial da Pepsi em que o hijab também era retratado - PA - PA
Kendall Jenner fez parte de um comercial da Pepsi em que o hijab também era retratado
Imagem: PA

O crescimento da popularidade dos chamados "blogs da moda para hijab" ou outros oferecendo tutoriais de maquiagem para mulheres que usam o véu proporcionou uma intensificação do debate sobre o tema. Eles geram milhões de visualizações, compartilhamentos e discussões.

Mas algumas mulheres contam que há uma pressão crescente para elas "entrarem na moda" e citam esse como um dos motivos pelos quais elas param de usar o hijab.

O sentimento é de que o véu islâmico pode estar sendo minado pelo comércio. Khadija Ahmed, editora da revista online Another Lenz, contou em um texto pessoal como ela optou por usar o hijab por dois anos, e depois tomou a decisão de não usá-lo mais.

À BBC, Ahmed disse que se sentia pressionada pelas imagens que via em anúncios publicitários e nas redes sociais.

"Eu não sinto que as marcas agem como se estivessem nos fazendo um favor. Não precisamos do 'ok' das empresas mais famosas do mundo para aprovar nossa identidade", pontuou Ahmed.

A empresa de material esportivo Nike lançou hijab esportivo - Reuters - Reuters
A empresa de material esportivo Nike lançou hijab esportivo
Imagem: Reuters

"Elas não estão fazendo nada pela comunidade muçulmana, só estão reduzindo o significado do hijab - que, para mim, é um ato de louvor - a algo tão simples como uma tendência da moda."

Do outro lado, há também um posicionamento forte de grupos feministas contrários ao uso do véu pelas mulheres muçulmanas, principalmente nos países onde ele ainda é obrigatório. Masih Alinejad é uma ativista iraniana e jornalista que começou uma campanha no Facebook, chamada "Minha liberdade furtiva", que mostrava mulhares tirando seu hijab em um gesto de desafio à ordem de trajá-lo.

"Acho que às vezes a mídia no Ocidente quer normalizar a questão do hijab. Quer falar sobre minoria islâmica no Ocidente, mas se esquece de que existem milhões de mulheres em países muçulmanos que são obrigadas a usar o hijab", afirmou Alinejad.

"Se você quer falar sobre o véu e usá-lo como um símbolo de feminismo ou de resistência, você precisa pensar naquelas meninas e mulheres que são forçadas a usá-lo."

Motivos

Mas se há potencial para tanto debate e polêmica, por que as empresas estão querendo tanto mostrar essa vestimenta religiosa em particular?

Hend Amry é considerada a "rainha do Twitter muçulmano" - Hend Amry - Hend Amry
Hend Amry é considerada a "rainha do Twitter muçulmano"
Imagem: Hend Amry

Shelina Janmohamed, vice-presidente da agência de publicidade Ogilvy Noor, diz que a empresa está ajudando seus clientes a propagar seus produtos para muçulmanos ao redor do mundo.

"Nesse momento, há um segmento de consumidores muçulmanos crescente", ela diz. "Eles têm aspirações de estilo de vida e isso deveria ser refletido nos produtos."

Janmohamed explicou quem assim como as marcas refletem outros estilos de vida para agradar outros tipos de público, essa seria a mesma lógica para muçulmanos

"Isso é uma questão de negócios."

Apesar das críticas, essa abordagem também teve algum apoio de feministas muçulmanas. Hend Amry, chamada de "rainha do Twitter muçulmano", consegue ver o lado positivo sobre esse destaque que o véu islâmico tem recebido no mundo da moda.

"Existem mulheres muçulmanas que usam hijab e tuítam essas reações divertidas ou compartilham sua sabedoria, além de mostrar personalidades fortes ", diz ela.

"Apenas fazendo isso, já é possível acabar um pouco com os estereótipos da mulher muçulmana dócil, oprimida e silenciada, e isso é realmente empolgante ".

"Acho que só há uma mudança que precisa ser feit: as mulheres muçulmanas precisam contar suas próprias histórias. Uma vez que isso acontecer, as narrativas falarão por si só", acrescenta.