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Especialistas criticam emenda que deve dificultar direito ao aborto

Marcos Candido

Do UOL, em São Paulo

13/09/2017 17h08

Uma tentativa de emenda à Constituição, que inicialmente pedia o prolongamento da licença-maternidade em caso de parto prematuro para 240 dias, recebeu um adendo que pode dificultar o direito ao aborto legal no Brasil. O deputado Jorge Tadeu Mudalen, que é membro da bancada evangélica e também relator da comissão especial que debate a PEC, propõe que o trecho da Constituição que defende "a dignidade à pessoa humana" deve ser substituído por "dignidade à pessoa humana, desde a concepção".

Especialistas consultados pelo UOL acreditam que o pedido de alteração é um movimento para dificultar as leis já existentes e as possíveis ampliações do direito ao aborto, uma vez que movimentos em defesa das mulheres, parte da ala médica e do direito acreditam que o feto ainda não é desenvolvido o suficiente para ser considerado um indivíduo no momento da concepção.

O deputado também pede que o artigo 5º, que defende o "direito à vida" entre outros preceitos, seja alterado para "direito à vida desde a concepção". As críticas dos especialistas também recaem sobre a maneira como as duas emendas foram apresentadas em meio a outro texto, do senador Aécio Neves, sem ligação com a interrupção da gravidez.

Caso aprovada, a PEC pode seguir para discussão no plenário da Câmara. 

Constitucionalidade

A professora de direito constitucional da PUC Adriana Ancona de Faria explica que uma PEC não pode alterar um preceito fundamental da Constituição. Em um cenário hipotético, no qual o projeto é aprovado em todas as instâncias, o judiciário ainda poderia checar se alteração é válida ou não. Se sobrevivesse às etapas, a emenda poderia proibir aborto em caso de estupro, por exemplo. Além de casos de violência sexual, o aborto é permitido e regulado para casos de risco à mãe e, desde 2012, para gestação de bebês anencéfalos (com malformação do cérebro) no Brasil.

Adriana também questiona a maneira como o texto foi apresentado. "Deveria ter sido aberto um novo projeto de lei para discutir [o tema] com a sociedade. Há emendas que pegam 'carona', sim, mas essa 'carona foi gritante'", analisa a professora.

Para Gabriela Rondon, pesquisadora e advogada do Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, o pedido de emenda é apenas uma manobra política. "No horizonte [da emenda], o objetivo é tornar o debate sobre o aborto mais difícil. O final mais evidente é tentar impedir completamente a interrupção da gravidez em qualquer situação", diz.

Ofensiva contra Ministros

O parecer feito por Mudalen serve como uma ofensiva à decisão tomada por uma das turmas do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em novembro de 2016, revogou as prisões preventivas de cinco pessoas que trabalhavam em uma clínica clandestina de aborto em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. O entendimento dos ministros abriu uma janela para descriminalizar o aborto nos três primeiros meses em futuros julgamentos feitos pelo STF.

Para justificar a emenda, Mudalen defende que ministros do Supremo não podem julgar um "assunto complexo e sensível" por "falta de competência e legitimação". O UOL entrou em contato com o gabinete do deputado em Brasília e com seu escritório em São Paulo, mas não conseguiu encontrá-lo. Até o fechamento desta reportagem, a assessoria de imprensa do parlamentar ainda não havia se pronunciado.