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"Levarei um quilombo inteiro na mala", diz brasileira que encontrará Obama

Adriana Barbosa, criadora da Feira Preta, fala sobre o evento

Universa

Flávia Martinelli

Colaboração para o UOL, em São Paulo

26/09/2017 04h00

Dias antes da viagem para Nova York, Adriana Barbosa ainda não sabia que vestido usar. Convidada para a premiação dos 51 negros influentes com menos de 40 anos da lista do Mipad (Most Influencial People of African Descent), a produtora cultural e criadora da Feira Preta será recepcionada pelo ex-presidente Barack Obama nesta terça-feira (26), em um jantar de gala. Do Brasil, também irão os atores Taís Araújo e Lázaro Ramos. Todos lado a lado de personalidades como Beyoncé e Rihanna.

"Se eu tiver a oportunidade de falar com o Obama, direi para vir conhecer a sua gente preta do Brasil", diz Adriana, pós-graduada pela USP, da primeira geração diplomada de sua família. Neta de empregada doméstica, filha de secretária e mãe solo de Clara, de 4 anos, ela sabe o peso que levará nesta viagem. Enquanto preparava a mala, disse ao UOL com determinação: "tem um quilombo inteiro aqui dentro".

Na sala de seu apartamento de 30 m², no Centro de São Paulo, ela contou que se emocionou com a mobilização de amigos e desconhecidos que fizeram uma vaquinha virtual para que ela fosse ao evento desta noite. Estipulada em R$ 9 mil, em poucos dias, a vaquinha arrecadou quase R$ 12 mil. 

"Somos reis e rainhas"

Criada em 2002, a Feira Preta movimentou cerca de R$ 4 milhões ao longo de suas 15 edições em São Paulo. O evento anual acumula público de mais de 120 mil visitantes e 700 expositores de produtos ligados à cultura negra – de beleza à decoração. Com isso, vem mudando a vida de muita gente.

A empresária Cláudia Cristina Caetano, dona da marca de máscaras africanas Art Abanã, diz que foi a partir da feira que aprendeu a reconhecer a beleza de suas raízes e, a partir disso, viu que poderia ser uma empresária.

"Antes eu era só uma artesã que fazia máscaras. Agora sou uma negra orgulhosa do meu negócio. E também feliz com o meu turbante, roupas coloridas e cabelo crespo!", explica Cláudia. "Minha filha, que na infância me perguntava porque ela não tinha a pele rosadinha como a das amigas, hoje é uma mulher segura de sua lindeza".

Adriana olha para essa nova geração de mulheres negras empoderadas com otimismo. "Elas estão de olho no empreendedorismo negro como oportunidade. É um novo patamar, capaz de movimentar um mercado que já existe, formado por quase 54% da população brasileira. Somos uma potência! Somos reis e rainhas!".

"Assumir meu cabelo me tornou empresária"

Sheila Makeda, proprietária da marca de cosméticos Makeda, para cabelos crespos, é uma das que acompanhará na torcida a homenagem à criadora da Feira Preta. "Sou mais que grata à Adriana. Minha marca ganhou força na Feira Preta há cinco anos, depois de uma longa trajetória familiar", conta Sheila. "Minha mãe era doméstica, fui criada na casa da patroa. Ela se tornou cabeleireira, foi trabalhar numa empresa de cosméticos e essa experiência me estimulou a estudar técnicas capilares e desenvolvimento de produtos para negras".

A empresária conta que frequentava a Feira Preta como cliente. "Aqueles cabelos volumosos, lindos, que eu via ali me animaram a assumir meu crespo e eu acabei criando meus próprios produtos de tratamento dos fios. Na Feira Preta eles fizeram tanto sucesso que pensei, uau, tenho que continuar! Nesse ano, montei minha loja num shopping".

"Diversidade não é só colocar negro na propaganda"

Acabou o tempo da publicidade sem nenhum negro na foto e as marcas sabem que não podem ficar fora da discussão sobre a diversidade. É uma das principais ideias defendidas por Adriana. "Lutamos por esse momento de visibilidade e, sim, estamos nos vendo nas propagandas, mesmo tardiamente. Mas cadê a representatividade?", alfineta.

Adriana se refere não só de ser vista na publicidade, mas dentro das empresas. "Há negros nos cargos de decisão ou só entre os estagiários? Estamos falando de mais de 50% de população negra. Então, deveria ter metade de nós nas propagandas e nas empresas".

Para a produtora, o que está em jogo agora é a conscientização do consumidor. "Quantos patrocínios, doações ou investimentos sociais privados essa marca está fazendo em iniciativas de negros e negras para dessa população?". Adriana vê um futuro próspero e quando encaro essas questões como consumidora. "Tem um levante negro acontecendo. E, sim, se eu não me vejo, não compro".

Após o compromisso em Nova York, Adriana terá muito trabalho no Brasil. É que em novembro, acontece a próxima edição da Feira Preta. O evento vai participar do calendário especial em comemoração ao mês da Consciência Negra, com uma série de atividades descentralizadas na cidade de São Paulo em formato de ocupação de espaços públicos e privados. As negociações estão em andamento.