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'A Fazenda 9' e por que os agressores das mulheres saem impunes

Marcos Harter em "A Fazenda 9" - Reprodução/R7
Marcos Harter em "A Fazenda 9" Imagem: Reprodução/R7

Daniela Carasco

do UOL, em São Paulo

29/09/2017 04h00

Quando o reality show “A Fazenda” decidiu confinar os ex-BBBs Marcos Harter e Yuri Fernandes, há pouco mais de duas semanas, em sua 9ª edição, uma série de debates contrários ao programa ganharam as redes. O motivo: os dois rapazes protagonizaram publicamente episódios de violência contra ex-companheiras e, agora, estão tendo uma “Segunda Chance” -- fazendo um paralelo com o título escolhido para a nova temporada da atração -- em nome da audiência. Segundo especialistas, trata-se de um caso claro de banalização da violência contra a mulher, que está presente em todas as esferas sociais.

Para Tânia Siqueira Montoro, professora de Comunicação e membro do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de Brasília (UNB), tratar a violência como polêmica e alçar os agressores ao patamar de celebridade é minimizar a gravidade do assunto. “É uma escolha lamentável, considerando que a TV ainda é uma grande fonte de informação da população e nosso país é o quinto mais violento do mundo para mulheres”, diz.

O programa tem atingido, em média, 8,4 pontos de audiência, só na Grande São Paulo, segundo dados da Kantar Ibope Media. Isso equivale a mais de 600 mil televisões sintonizadas.

Quem são eles?

Para quem ainda desconhece ambos os nomes, Marcos Harter foi expulso da casa do "Big Brother Brasil 17", reality da TV Globo, ao adotar atitudes violentas contra a ex-namorada Emilly Araújo, que consagrou-se vencedora. Na época, o médico precisou prestar contas com a Justiça depois de uma denúncia formal feita pelo Ministério Público contra ele.

Yuri Fernandes se irrita com Marcos Harter em "A Fazenda 9" - Reprodução/R7 - Reprodução/R7
Yuri Fernandes, em "A Fazenda 9"
Imagem: Reprodução/R7
Já Yuri Fernandes, participante do "BBB 12", foi preso em flagrante, há três anos, depois de agredir sua então namorada Angela Sousa, ex-bailarina do programa “Domingão do Faustão”. Na época, ela trouxe a público imagens de hematomas que justificavam a agressão. O rapaz passou um dia detido e saiu após o pagamento da fiança.

Essa não é a primeira vez que isso acontece. Em 2009, um ano após ter sido condenado por agredir a ex-namorada Luana Piovani, Dado Dolabella foi coroado vencedor do reality e levou para casa o prêmio de R$ 1 milhão. A prova de que o público o havia perdoado.

A impunidade televisionada

Os três casos têm origem na impunidade, que ainda impera entre quem deveria aplicar a lei, e na naturalização da violência doméstica. “As denúncias das vítimas ainda são desacreditadas dentro das delegacias. Suas palavras são frequentemente colocadas em dúvida, principalmente quando o que existe são marcas psicológicas e não físicas. Nos atendimentos de saúde, são tratadas como reclamonas”, diz a advogada Fernanda Castro Fernandes.

Com isso, agressores se veem a salvo. “Se o participante fosse um ex-traficante ou tivesse tirado a vida de alguém não teria tido essa chance. Aqueles que cumprem prisão não são tolerados. Acredito, sim, no valor do perdão. Mas então que não seja relativizado.”

Caroline Freitas, professora de Antropologia da FESP-SP, considera esse um problema cultural. “Temos visto uma série de movimentos de mulheres tentando mudar essa realidade. Só que aí um gigante da televisão vai lá e reafirma velhas lógicas machistas. É o reforço da tão falada ‘cultura do estupro’.”

A própria Lei Maria da Penha, criada em 2006, exige rigor por parte dos veículos de comunicação na hora de tratar assuntos como esse. Em seu artigo 8º, deixa claro que é preciso ser garantido “o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar”. Ou seja, dar uma roupagem sensacionalista a opressões é fortalecer atitudes que possam justificar agressões.

Para reverter a situação, as especialistas são unânimes ao sugerir que se jogue cada vez mais luz sobre o assunto. "As mulheres precisam continuar lutando e se rebelando contra a violência", diz Tânia.