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Por que larguei a medicina tradicional e aderi à ginecologia natural

A médica Bel Saide (segunda da esquerda para a direita), em workshop sobre Ginecologia Natural, no Rio de Janeiro - Amanda Nakao/Reprodução/Facebook
A médica Bel Saide (segunda da esquerda para a direita), em workshop sobre Ginecologia Natural, no Rio de Janeiro Imagem: Amanda Nakao/Reprodução/Facebook

Adriana Nogueira

Do UOL

17/10/2017 04h00

Bel Saide, 38 anos, é médica ginecologista e obstetra formada pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Durante 11 anos, atendeu exclusivamente no SUS (Sistema Único de Saúde), com ênfase na realização de partos humanizados, bem antes da expressão ficar conhecida. Apesar da identificação com esse trabalho, sentia-se inadequada na medicina e pensou, muitas vezes, em abandonar a profissão.

O sentimento só passou quando conheceu a ginecologia natural. Mais do que trocar remédios alopáticos pelo feitos à base de ervas e abolir o uso de contraceptivos hormonais, o movimento –originário de países da América Latina– prega que a mulher conheça o próprio corpo e seja capaz de reconhecer quando algo vai mal.

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“As mulheres não precisam ir, anualmente, ao ginecologista. Isso é uma falácia", segundo ela, contrariando a recomendação dos médicos tradicionais. "Se a gente ensinar a mulher a se conhecer, ela vai saber quando está tudo bem e quando não está. Quando não estiver, ela vai procurar o ginecologista, da mesma forma que procura um cardiologista, um pneumologista, um dermatologista. Não se vai a médico nenhum para ver se está bem", afirma Bel. A seguir, ela fala sobre trocar a ginecologia tradicional pela natural.

"Achei que a medicina não era meu caminho"

“Sempre me senti diferente dentro da medicina, tanto na forma de ser, de pensar, de me vestir quanto na de atender as pacientes. Se uma vinha e me falava que tinha um cisto no ovário, olha e pensava: ‘tem alguma coisa a mais aí’. Daí queria saber mais da vida dela.

Muitas vezes, achei que a medicina não era o meu caminho. Cheguei a largar a faculdade e depois voltei. Após formada, pensei várias vezes que não queria ser médica.

"Eu me apaixonei pelo parto humanizado"

Muito influenciada pelo fato de ter passado por uma gravidez durante o período da faculdade [é mãe de um garoto de 15 anos], fui fazer ginecologia e obstetrícia. Eu me apaixonei pela humanização do parto. Durante mais de 11 anos, eu me dediquei a isso [no SUS, Sistema Único de Saúde], que é algo bastante semelhante à ginecologia natural, porque é um movimento de empoderamento feminino, de autoconhecimento da mulher, de autonomia sobre o próprio corpo.

A médica Bel Saide, que é adepta da ginecologia natural; personagem de matéria de UOL Estilo - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
Quando uma amiga me falou de um curso de formação em ginecologia natural [com a professora argentina Liliana Pogliani], fui fazer e me apaixonei na hora.

Comecei a estudar as ervas, fiz curso de aromaterapia. Comecei a mergulhar a fundo e a atender por essa linha. Criei um blog. Vi o efeito transformador desse caminho na saúde e no bem-estar de mulheres.

"Tudo na medicina é muito técnico

O currículo da medicina é muito extenso, mas ainda assim há poucas matérias que levam em consideração a relação médico-paciente e o impacto das emoções na saúde. Até se estuda psicologia médica, mas é uma matéria secundária. Tudo é muito focado no técnico. A gente aprende a diagnosticar doença, o funcionamento do corpo, que remédio passar, que cirurgia indicar. Lógico que são conhecimentos fundamentais, mas existe uma coisa além, que se aborda muito pouco.

Com a ginecologia natural, descobri que a história da mulher, as relações dela, principalmente as afetivas, contribui para o desencadeamento de doenças, e como a cura tem a ver com buscar equilíbrio do modo de vida.

"Muitos acham que o movimento é uma palhaçada"

Tenho muitos colegas que simpatizam com o movimento, mas muitos acham palhaçada. Poucos vêm falar para mim. Falam por trás, ridicularizam, igual acontece com o movimento do parto natural. A maioria está engessada em uma forma antiga de ver as coisas. Mas há os que estão percebendo que as mulheres estão querendo formas mais naturais de se tratarem. Mesmo que não migrem para ele, percebem que precisam ter algum conhecimento sobre.

Não posso responder pela ginecologia natural, mas eu não abro mão completamente dos remédios alopáticos. Na maioria das vezes, discuto opções com a paciente. Quando a mulher não quer alopatia de jeito nenhum, ela tem de saber que, muitas vezes, não vai ter uma solução rápida. Mas há várias maneiras de lidar.

Se você sente uma dor muito grande, pode tomar um anti-inflamatório para passar aquela dor intensa e, a partir daí, passar a se tratar de forma natural, para que o problema não volte. Outro exemplo: se uma paciente tem infecção urinária, a princípio, vou sugerir tratamentos com ervas, mas, se chegar em um ponto em que ela esteja com febre alta, vou sugerir antibiótico.

"Não precisa ir todo ano ao ginecologista"

Uma coisa que falo para as mulheres, inclusive no consultório, é que elas não precisam ir anualmente ao ginecologista. Isso é uma falácia. O único exame que se tem indicação de fazer rotineiramente é o Papanicolau e, mesmo assim, a determinação do Ministério da Saúde é que, em uma mulher que tenha dois exames consecutivos normais, ele deve ser feito a cada três anos. Fazer de rotina, só se houver uma indicação. A mamografia é indicada rotineiramente entre 50 e 69 anos, e a cada dois anos.

O que acontece é que os colegas aplicam rotinas erradas. Nada disso que estou falando é minha opinião. São os protocolos ginecológicos de rastreamento de doenças. Criou-se essa cultura --muito interessante para os ginecologistas-- de as mulheres acharem que precisam ir ao médico anualmente para ver se está tudo bem.

"A mulher precisa se conhecer"

Se a gente ensinar a mulher a se conhecer, a se tocar, ela vai saber quando está tudo bem e quando não está. Quando não estiver, ela vai procurar o ginecologista, da mesma forma que procura um cardiologista, um pneumologista, um dermatologista. Não se vai a médico nenhum para ver se está bem.

A ultrassonografia transvaginal, que se pede todo ano para as pacientes, não é exame de rotina. Fazer campanha de Outubro Rosa para todas as mulheres, de todas as idades, fazerem mamografia para prevenir câncer de mama, está errado. Isso não diminui a incidência da doença.

Não estou falando que ninguém nunca mais vai fazer ultrassonografia, mamografia, mas os exames têm indicações para serem feitos. Não é para serem feitos por todo mundo. Um médico que pede um monte de exames, sem nenhum rigor para isso, não é um bom médico.

"Médicos atendem um paciente a cada dez ou 15 minutos"

Essas questões têm a ver com o sistema de saúde no qual a gente está inserido. Sistema em que as pessoas têm planos de saúde, que cobram muito bem do paciente e pagam muito mal para o médico. Aí os médicos atendem um monte de pacientes, em intervalos de dez a 15 minutos cada um, para compensar esse valor baixo.

Obviamente, nas consultas, não se dá a devida atenção para os pacientes. Uma consulta de ginecologia natural demora uma hora, uma hora e meia, tempo em que a gente fica conversando com a paciente para compreender o que se passa com ela. A principal queixa das pacientes é que os médicos não as escutam. Eles mal olham para elas e pedem um monte de exames sem necessidade, porque aquilo é mais fácil e rápido do que dar atenção.”