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Inspiração pra fazer da atividade física um hábito


Ultrapassar limites no spinning pode aumentar casos de doença grave

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Anahad O'connor

Do NYT, em Nova York

21/07/2017 04h05

"Nunca pensei que exercícios poderiam ser perigosos. Mas podem ser, caso seu organismo não esteja preparado para níveis realmente intensos", relata vítima da rabdomiólise, uma doença rara e potencialmente letal, muitas vezes provocada por exercício extremo.

Há três anos, Christina D'Ambrosio foi à sua primeira aula de "spinning", pedalando em alta velocidade numa bicicleta ergométrica ao ritmo de música popular, enquanto um professor dava gritos de motivação.

Mas Christina, que se exercita regularmente, achou que a aula, com uma hora de duração, era mais difícil do que imaginava. No fim, as pernas estavam bambas e doendo.

A professora Christina D'Ambrosio que foi diagnosticada com rabdomiólise, uma doença rara e potencialmente letal, depois de uma aula de spinning - Sam Hodgson/NYT - Sam Hodgson/NYT
A professora Christina D'Ambrosio que foi diagnosticada com rabdomiólise, depois de uma aula intensa de spinning
Imagem: Sam Hodgson/NYT
"Achei que meu corpo simplesmente não estava acostumado com aquele tipo de dor muscular, porque era a minha primeira aula", afirma a professora de jardim de infância, de Pleasantville, em Nova York.

Nos dois dias seguintes, as pernas latejavam com uma dor excruciante, a urina ficou marrom escuro e ela sentia náusea. Por fim, procurou um hospital, onde soube que tinha rabdomiólise, uma doença rara e potencialmente letal, muitas vezes provocada por exercício extremo. O problema surge quando o músculo sobrecarregado começa a morrer, liberando seu conteúdo na corrente sanguínea, pressionando os rins e causando dor aguda.

Após duas semanas internada, D'Ambrosio teve alta e se recuperou. O caso dela mereceu destaque na edição de abril do "The American Journal of Medicine", ao lado de dois outros episódios de rabdomiólise induzida por "spinning", tratados pelos mesmos médicos.

O estudo observou que pelo menos outros 46 casos de pessoas que desenvolveram a doença após aulas de "spinning" estavam documentados na literatura médica; 42 delas em novatos fazendo a primeira aula. O artigo alertou que a enfermidade era muito rara, não sendo um motivo para evitar exercícios de alta intensidade. Entretanto, os autores disseram que a meta era aumentar a consciência do público para que as pessoas que estão começando um novo programa rígido de exercícios peguem leve, para reduzir o risco de lesão.

Spinning não é uma aula para se começar com tudo

"Eu nunca iria desencorajar exercícios", diz Alan Coffino, diretor de medicina do Hospital Northern Westchester e um dos autores do estudo. "A aula de 'spinning' é uma ótima ginástica. Só que não é uma atividade na qual se deva começar com tudo. E é importante que o público e os instrutores saibam disso."

A rabdomiólise foi documentada há bastante tempo entre soldados, bombeiros e outras pessoas cujas profissões são exigentes em termos físicos. Um estudo do Exército dos EUA, de 2012, estimou que cerca de 400 casos da doença são diagnosticados anualmente entre os soldados na ativa. Ocasionalmente, registram-se grandes grupos de atletas universitários internados com a doença após sessões muito cansativas.

Porém, os médicos dizem que a veem com mais frequência entre os guerreiros de final de semana, atraídos em parte pela popularidade de exercícios de alta intensidade. O "spinning" em particular ganhou um grande número de fãs; grandes cadeias de academias relatam milhões de pedaladas e dezenas de milhões de dólares em vendas anuais.

Estudos mostram que o exercício de alta intensidade oferece inúmeros benefícios à saúde, mas para um pequeno subconjunto de pessoas, muitas delas iniciantes, a rabdomiólise pode rapidamente se tornar um caso grave.

Foram parar no hospital logo após a primeira aula de spinning

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Em 2014, médicos do Centro Médico NewYork-Presbyterian Weill Cornell publicaram um estudo sobre dois pacientes que chegaram ao pronto-socorro com a enfermidade logo após a primeira aula de "spinning". Um deles era uma mulher de 24 anos mancando por causa da dor, com as pernas inchadas e se sentindo "tão esticada quanto um tambor". Ela foi prontamente levada à cirurgia para aliviar uma perigosa formação de pressão nas pernas.

Outro estudo constatou que, entre 2010 e 2014, somente o NewYork-Presbyterian registrou 29 casos no pronto-socorro de rabdomiólise causada por exercício. Levantamento de peso, CrossFit, corrida e P90X eram os motivos para parte das visitas ao PS. A razão mais comum, contudo, era o "spinning". O Dr. Todd S. Cutler, especialista em medicina interna do hospital e principal autor do estudo, diz que todos os pacientes tinham um perfil parecido.

"Essas pessoas estão em forma. Mas são pressionadas demais [na aula] e não têm treinamento para isso, acabando com traumas musculares severos", conta Cutler.

Existem alguns indícios de que determinados remédios, incluindo estatinas, estimulantes e antipsicóticos, além de suscetibilidades genéticas, também podem contribuir para a doença, diz Patricia Deuster, professora de Medicina Militar e de Emergência da Universidade de Ciências da Saúde dos Serviços Uniformizados dos militares dos EUA.

De acordo com especialistas, porém, em geral ela ocorre quando as pessoas simplesmente não dão tempo para os músculos se ajustarem a um novo exercício agressivo. Uma pequena lesão é uma coisa boa, porque estimula o crescimento muscular e adaptação à tensão. Só que se ela for grande demais, as fibras são destruídas. Quando isso acontece, elas se partem, liberando compostos que podem causar danos ao fígado, tais como a proteína mioglobina, que leva à urina marrom ou cor de chá, um sintoma clássico da rabdomiólise.

Embora quase toda atividade intensa possa causar rabdomiólise, ela nem sempre ataca quem está fazendo algo novo. É por isso que as pessoas sempre devem partir do nível leve a moderado e, então, à intensidade vigorosa ao executar um exercício novo, diz Eric Rawson, diretor do departamento de saúde, nutrição e ciências do exercício da Faculdade Messiah, Pensilvânia.

"Você pode estar em forma e eu invento uma série com a qual você não está acostumado, e isso pode ser a causa da rabdomiólise", ele afirma.

Nem atletas de elite são imunes. Amy Purdy, medalhista de bronze nos Jogos Paralímpicos no snowboard e participante do programa de TV "Dancing With the Stars", foi a uma sessão de exercícios após três semanas afastada do treinamento. A aula era composta por um circuito de exercícios desafiadores, incluindo dezenas de flexões na barra fixa.

"Lá pelas tantas, percebi que meus braços estavam completamente fatigados", conta a medalhista.

Na manhã seguinte, não conseguia esticar o braço esquerdo, que, mais tarde, começou a doer, a ficar duro e inchado, fazendo com que a atleta procurasse um hospital. Ela ficou internada oito dias enquanto os médicos inundavam seus rins com água. Purdy ouviu o diagnóstico de rabdomiólise e, quando escreveu a respeito na mídia social, recebeu inúmeras respostas.

Milhares de pessoas me procuraram na minha página no Instagram contando que passaram pelo mesmo. Quase todos estavam em forma antes, ficaram com o problema por causa de flexões e estão tentando descobrir um jeito de voltar a se exercitar sem correr o risco de uma recaída.

Como se precaver contra a doença

Duas coisas podem ajudar a evitar a rabdomiólise, diz Joe Cannon, especialista em fisiologia do exercício. Antes de começar um programa novo, faça primeiro uma versão menos intensa. Isto é, pedale em ritmo moderado na bicicleta ergométrica antes da aula de "spinning" ou faça apenas uma série de levantamento de pesos em vez diversas séries e repetições.

Mas o conselho mais importante é conhecer seus limites: não tenha medo de deixar a aula ou dizer não ao instrutor se você sentir problemas.

"Uma coisa que eu notei quando as pessoas me contam que a rabdomiólise foi adquirida na academia é que elas abriram mão de seu poder pessoal. Continuaram fazendo o que o instrutor pedira, porque não queriam parecer fracas", afirma Cannon, autor de um livro sobre o tema.

Esse foi o caso de Nancy Weindruch, executiva do setor de comunicação da Council for Responsible Nutrition, entidade empresarial de Washington. Em 2015, Weindruch, que se exercitava regularmente, fez uma aula de "spinning" com a irmã, mas não estava preparada para o ritmo acelerado do professor e com as instruções para "ultrapassar seus limites".

Houve uma rápida aceleração brusca. Em questão de minutos, eu sabia que estava acima da minha capacidade, mas engoli o orgulho e continuei.

Três dias mais tarde, depois de sentir uma dor intolerável nas pernas, ela foi internada com rabdomiólise, ficando seis dias no hospital. Weindruch terminou retomando os exercícios, mas agora prefere atividades como caminhada, ioga e uso do aparelho elíptico.

"Nunca pensei que exercícios poderiam ser perigosos. Mas podem ser, caso seu organismo não esteja preparado para níveis realmente intensos."