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Brasileiro desvenda mecanismo que dá vontade de comer alimentos calóricos

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Imagem: iStock

Elton Alisson

Agência Fapesp

12/10/2017 19h02

Seu sistema nervoso é poderoso e tem funções para escolher alimentos de acordo com seus nutrientes (ótimo para dieta), ou pelo gosto bom (aposto que escolherá um docinho). Ao menos é o que mostra o estudo do brasileiro Ivan de Araujo, professor dos departamentos de Psiquiatria e Fisiologia Celular e Molecular da Yale School of Medicine, nos Estados Unidos.

O pesquisador tentou responder à pergunta: Como o sistema nervoso controla a alimentação de forma que, depois de ingerir um determinado alimento – geralmente calórico –, o gosto, o cheiro e as sensações despertadas fazem você querer comer de novo?

Para chegar em uma conclusão, Araujo realizou uma série de pesquisas que identificou circuitos neurais associados à fome, saciedade, palatabilidade e ao prazer proporcionado pelos alimentos, além de mecanismos pelos quais o sistema nervoso controla o comportamento alimentar.

“Meu interesse é, basicamente, entender melhor de onde surge a motivação para a ingestão de nutrientes e tentar identificar que tipo de informação é transmitida para o sistema nervoso quando as pessoas ingerem um alimento, se lembram dele depois e querem consumi-lo mais e mais”, afirmou Araujo à Agência FAPESP.

Em experimentos realizados com camundongos, cientistas constataram que esses animais, assim como os humanos, demonstraram a habilidade de formar preferências por um alimento em função muito mais de seu valor nutricional do que por ser agradável ao paladar.

“Foi a primeira indicação de que deveria existir uma codificação no sistema nervoso por meio da qual o cérebro consegue dissociar um estímulo sensorial de um estímulo nutricional”, disse Araujo.

A fim de comprovar essa hipótese, o pesquisador realizou mais experimentos com camundongos em que se constatou que a sensação de prazer da ingestão e o valor calórico e nutricional dos alimentos ativam circuitos neuronais diferentes.

“Existe uma espécie de divisão de trabalho no sistema de recompensa dopaminérgico [neurônios que produzem a dopamina, associada ao prazer e à recompensa] no cérebro, onde certas células parecem interessadas no valor de palatabilidade de um alimento, enquanto outras respondem mais especificamente ao valor nutricional, ou seja, à quantidade de calorias ou de metabólitos daquele alimento”, explica Araujo.

O gosto e o valor nutricional de um alimento são dissociados e codificados de maneira diferente e paralelamente no sistema nervoso central por esse grupo de células que computam a recompensa da ingestão.

Conexão com o trato gastrointestinal

Os experimentos com camundongos também indicaram que o trato gastrointestinal poderia estar conectado de alguma forma com o sistema de recompensa do sistema nervoso. Isso porque, ao colocar nutrientes no trato gastrointestinal dos animais, há liberação de dopamina no cérebro deles.

“Sabíamos que existia uma conexão biológica entre o nutriente no trato gastrointestinal e o aumento de dopamina no cérebro dos animais. Mas não sabíamos qual o circuito que os conectava”, disse.

Ao fazer testes em um tipo de lesma do mar, o cientista percebeu que os neurônios que compõem o que seria o nervo vago do trato gastrointestinal do animal liberam dopamina e que isso modifica o comportamento do molusco.

A partir dessa constatação, os pesquisadores decidiram verificar se isso também ocorria nos mamíferos, que também possuem esse nervo que percorre uma grande parte do corpo, indo do cérebro ao abdômen, e desempenha funções motoras e sensoriais.

Por meio de experimentos em que estimulam com laser células sensoriais do trato gastrointestinal de camundongos, os pesquisadores pretendem identificar e entender qual é via de sinalização que conecta o trato gastrointestinal com o sistema de recompensa no cérebro dos mamíferos.

“Queremos descrever essa via de sinalização, manipular e ganhar controle sobre as células sensoriais do trato gastrointestinal de forma que seja possível criar experimentalmente sensações gastrointestinais por meio da estimulação com laser, por exemplo”, disse Araujo.

Os resultados preliminares dos experimentos indicaram que a estimulação dessas células por laser ativa o sistema de recompensa do cérebro, contou o pesquisador.

“O entendimento clássico do nervo vago é de que ele agiria para conter o consumo. Mas, na verdade, ele comunica o cérebro que um evento importante aconteceu. O animal se lembra disso depois e age de acordo”, disse.

A descoberta abre a perspectiva do desenvolvimento de alimentos que estimulem eficientemente esse grupo de células sensoriais do trato gastrointestinal de modo a diminuir a ingestão calórica.

Segundo Araujo, ao descobrir as células sensoriais do trato gastrointestinal e os receptores que expressam, poderá ser possível desenvolver alimentos que maximizem a atividade delas de modo que o cérebro não inicie um comportamento compensatório e contribua para aumentar a ingestão calórica.