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"Aprendi a me maquiar no escuro para ajudar minha amiga deficiente visual"

Helena Bertho

do UOL

10/05/2017 04h00

Thais Frota, 33 anos, tem uma doença degenerativa que leva à perda gradual da visão e nunca imaginou que poderia se maquiar sozinha, mas Themis Briand, 32, deu um jeito de aprender técnicas para que a amiga pudesse se embelezar sem ajuda. Hoje elas compartilham as dicas com outras mulheres no Youtube e contam aqui como tudo aconteceu.

"Eu e Thais somos amigas desde a escola, quando brincávamos na saída das aulas. Nossa amizade é enorme, a gente faz tudo juntas. Ela tem uma doença degenerativa que vai gradualmente afetando sua visão e, por isso, nunca conseguiu se maquiar, nem se importava com maquiagem.

Themis Briand e Thais Frota - Reprodução/ Youtube - Reprodução/ Youtube
Imagem: Reprodução/ Youtube

Por outro lado, eu amo maquiagem, estou sempre produzida e vivia me oferecendo para fazer um make para ela, que sempre negava. Até uma viagem que fizemos juntas para Foz do Iguaçu ano passado, quando ela acabou deixando e adorou o resultado.

Então quando voltamos para casa, ela ficou com isso na cabeça e um dia me procurou para perguntar se eu toparia ensinar um jeito que ela conseguisse fazer sua própria maquiagem sozinha. E eu falei: 'vou te ajudar, mas tem uma condição: quero que a gente faça tutoriais para divulgar para outras pessoas, porque não é justo que esse conhecimento fique só para nós.'

É que eu já tinha um canal no Youtube em que dava dicas de penteados e pensei que seria legal compartilhar isso com outras pessoas com deficiência visual. O detalhe é que eu não fazia ideia de como ensinar ela a se maquiar, mas nem pensei na possibilidade que não ia conseguir.

"Percebi que com o tato eu podia sentir o que fazia"

Depois que ela topou, eu precisava dar um jeito de desenvolver alguma técnica de maquiagem. E pensei: 'o que ela não tem?'. Então eu precisava simular uma forma de não ter a visão, ou seja, no escuro e de olhos fechados.

Então fui tentar, sem enxergar nada. Eu deixei as maquiagens organizadas, para saber onde estava cada coisa e fui tateando e tentando, para realmente sentir a situação.

A primeira coisa que notei é que podia sentir a textura dos produtos e percebi que fazendo tudo com a mão era melhor, pois dava mais firmeza e sensibilidade. Assim, com o tato, eu conseguia perceber onde tinha aplicado ou não.

Fiquei quase três horas tentando, mas quando acendi a luz veio a surpresa: tinha dado certo. Verdade que era uma maquiagem simples, algo que eu normalmente fazia em cinco minutos, mas o que importava é que tinha funcionado. Então na hora chamei a Thais, ela veio para casa e eu fui explicando para ela tentar! Foi demais ver minha amiga se maquiando por conta pela primeira vez.

Thais: "Como eu ia fazer maquiagem sem ver as linhas ou cores?"

"Eu nunca tive interesse por maquiagem mesmo, provavelmente porque com a minha perda de visão, eu não conseguia ver as diferenças nos rostos das pessoas. Até a vez em Nova Iguaçu que a Themis me maquiou. Meu noivo me elogiou tanto!

E eu lembrei de outras vezes, em casamentos ou na minha formatura, em que eu havia contratado maquiagem e as pessoas todas comentaram. Se todo mundo falava tanto, provavelmente era por que fazia diferença. Então eu comecei a acreditar em maquiagem.

Mas como eu ia fazer, sem ver as cores ou as linhas? Eu até arriscava um blush e pedia para as pessoas de casa passarem lápis nos meus olhos (meu pai já me maquiou!), mas eu queria poder fazer sozinha, ter essa independência.

Foi quando liguei para todos os institutos da cidade, perguntando se tinha algum curso de maquiagem para cegos, mas nada! Procurei no Youtube e nos tutoriais, as mulheres sempre diziam 'segura o pincel assim', 'passa o produto assim', 'olha como ficou'. Que raiva! Eu não podia ver!

Por isso pedi para a Thais me ajudar! E que bom que ela topou!

"Tem um jeito certo de posicionar a mão ou o pincel"

Lembro do dia que ela me ensinou a me maquiar a primeira vez e eu consegui. Fiquei muito empolgada, porque de fato tinha técnicas para que eu não errasse.

O que ela me mostrou foram truques que permitiam eu acertar as posições e cores da maquiagem.

Para o blush, por exemplo, tem um jeito certo de segurar o pincel, usando a outra mão para marcar onde ele deve passar. Sempre contando quantas pinceladas eu dou de cada lado para não ficar desigual.

As sombras eu preciso contar quantas vezes bato o dedo no produto e depois quantas camadas passo em cada olho. E assim, com truques simples desses, eu passei a conseguir me maquiar sozinha!

Claro que tem coisas que a gente ainda não descobriu como fazer, tipo o rímel de gatinha. Mas sei que logo vamos bolar uma técnica. 

"Criamos vídeos inclusivos, para outras mulheres aprenderem"

Depois de aprender a fazer a minha própria maquiagem, cumpri minha parte do combinado com a Themis e participei da gravação de uma série de vídeos para passar todo esse aprendizado adiante. Os vídeos chamam 'Beleza para Todos' e neles explicamos o passo a passo de cada técnica, sempre descrevendo tudo.

A ideia é que qualquer pessoa com deficiência visual possa ouvir e entender por completo, do jeito mais simples possível.

E o resultado ficou incrível. Nosso público não são apenas pessoas com deficiência visual, mas também gente que usa óculos, por exemplo ou mulheres idosas! Tem uma coisa muito forte também de que a maioria das mulheres cegas enxergou um dia, então essa questão da maquiagem é muito importante, ajuda a recuperar a autoestima, faz muita diferença!

"Faltam só as marcas pensarem na gente"

Hoje em dia eu consigo me maquiar por completo sozinha, já sou independente. A única coisa que ainda não posso é comprar minha própria maquiagem. Como os rótulos não são em braile ou alto relevo, não dá para entender. Sempre preciso ir acompanhada ou pedir ajuda. Uma pena.

Por isso, em nossos vídeos fazemos um apelo às marcas, para quem sejam mais inclusivas também em seus produtos, permitindo que mulheres com deficiência visual possam ter a autonomia de escolher e comprar o que precisam. Afinal, a gente também gosta de se sentir bonita, deixar a autoestima lá em cima.