Designer conta como torna os livros interessantes na era digital
LONDRES - A última página do novo livro de Joost Grootens contém uma dedicatória às suas duas filhas. Você pode achar a atitude meiga, mas não surpreendente. Pelo menos até o momento em que ele as identifica como "Step (nascida entre 17 e 18) e Clara (nascida entre 73 e 74)."
Os números referem-se aos livros que ele estava criando antes e depois do nascimento das meninas. Assim como os outros 98 designs de livros que o Sr. Grootens produziu na última década, eles estão numerados em ordem cronológica na página 2 do seu novo livro, intitulado “I Swear I Use No Art At All: 10 years, 100 books, 18.788 pages of book design.” [N.T.: ainda sem tradução no Brasil]. Ali, ele descreve o processo de criação de cada livro e da evolução de sua carreira como designer, parte através de palavras e em sua maior parte visualmente, através de mapas, gráficos, infográficos, índices e assim por diante.
Há a planta baixa de cada um dos escritórios e estúdios de design que o Sr. Grootens, baseado em Amsterdã, já trabalhou, com números codificados indicando onde cada um se sentava. Um mapa do norte da Europa mostra cidades onde ele teve reuniões, imprimiu livros e lançou livros. Ele incluiu exemplos de cada fonte tipográfica que usou, fotografias da encadernação de cada livro e diagramas dos layouts. Há também a lista de todos os autores, editores, gráficas e colegas com quem colaborou.
Limpo, elegante e sutil, é um brilhante resumo do trabalho do Sr. Grootens. Tanto designer de informação quanto designer de livros, ele é mais conhecido pelo premiado atlas que produziu para a editora holandesa 010. Ao repensar o tipo de informação que um atlas deveria conter e criando novas formas de apresentá-la, o Sr. Grootens reinventou o atlas antiquado e o tornou útil e relevante em uma época em que podemos clicar instantaneamente em busca de mapas digitais nos sistemas de navegação via satélite ou pela internet.
O título de "I Swear" descreve a sua filosofia de design. Ela vem da cena em "Hamlet" quando Polonius está tentando convencer a mãe de Hamlet, Gertrude, da loucura do seu filho. Shakespeare era brincalhão, uma vez que Polonius não passa de um ser ardiloso. Por sua vez, o Sr. Grootens é extremamente sério - ele não vê espaço para arte, vocação artística ou qualquer outra forma de expressão no design de livros.
O designer de livros holandês Joost Grootens
"Meu papel como designer é pura e simplesmente resolver problemas", explicou, por telefone, de seu estúdio em Amsterdã. "Minha responsabilidade com o leitor é organizar o conteúdo do livro, apresentando-o do modo mais claro possível. Há toda uma questão sobre ser realmente possível um designer manter-se neutro, mas eis algo bom para tentar."
Sr. Grootens, 39, foi parar no universo do design de livros por acaso. Depois de estudar arquitetura, ele trabalhou com multimídia até um editor lhe pedir para produzir uma versão em livro de um CD-ROM que havia criado. Ele aprendeu sozinho a tarefa através de escaneamento e pesquisa das páginas dos livros que ele admirava. "Foi como voltar para casa", disse. "Eu tinha encontrado exatamente o que queria fazer."
Em seu ensaio "I Swear", o Sr. Grootens descreve por que acha os livros tão atraentes, numa época em que a internet os ultrapassa em termos de acessibilidade, velocidade e interatividade. "Às vezes o livro é a melhor opção", escreveu. "A qualidade das imagens, a concentração de informações e sua materialidade são características que o livro tem de vantagem sobre uma tela de computador. O designer deve explorar ao máximo esses aspectos."
Ele então explica como tenta fazer isso. O primeiro passo é decidir como organizar a informação e eliminar o máximo possível para evitar a produção do que ele chama de "informação pela informação”, que ele não gosta tanto quanto "a beleza pela beleza." Então ele escolhe que tipo do livro vai produzir, sempre alternando as tipologias, como fez em "I Swear", que é tanto uma monografia quanto um atlas, embora idiossincrático.
Nada é por acaso. O Sr. Grootens prefere papel fino, que revela vestígios do texto do outro lado da folha, para lembrar ao leitor o fluxo do livro. Ele gosta de capas que passem experiências táteis, e consegue isso usando materiais texturizados e técnicas de impressão que trabalham com relevo ou folhas metálicas. O papel interno é macio, reforçando a clareza do estilo e ele favorece as tintas brilhantes, metálicas ou fluorescentes para um maior contraste. Em seu atlas, ele já experimentou através do uso de cores, pictogramas, fontes tipográficas, mapas, infográficos, listas e índices para replicar a interatividade da internet. "Aqui, menos não é mais", escreveu ele, embora as qualidades que ele mais preze no design sejam "reserva e controle".
A capa de "I Swear I Use No Art At All: 10 years, 100 books, 18.788 pages of book design", de Joost Grootens
Ambos são evidentes nos elementos visuais que dominam “I Swear". Um dos meus favoritos é um fluxograma que mostra como um projeto o levou a outro, através de reuniões e do boca a boca, em uma lista surpreendentemente concisa do coquetel aleatório de táticas e coincidências que determinam a maioria das carreiras dos designers.
O Sr. Grootens é igualmente hábil na hora de demonstrar a complexa relação entre imagens e texto, e como o designer pode manipulá-la para guiar os olhos do leitor. Convencidos de que as pessoas param de olhar para o livro logo que começa a ler as palavras, ele primeiro apresenta a informação visual. Ele prova sua teoria em "I Swear" ao imprimir o texto no sentido inverso nas poucas reproduções das milhares de páginas que criou, explicando que elas estão ali para “serem vistas, não lidas". Ele também faz os leitores procurarem as coisas que a maioria deve esperar encontrar em um livro sobre design de livros - as imagens das capas - ao "escondê-las" as dentro do encadernamento japonês, ou das páginas fechadas, de seu ensaio. Para vê-las, é preciso cortar nas dobras.
Esses detalhes fazem de “I Swear" um relato espirituoso, original e diretamente engenhoso do modo de pensar de um designer e seu método de trabalho, enquanto transmite a paixão do Sr. Grootens pelo seu ofício. Tão bem quanto uma boa e convincente argumentação sobre livros na era digital, ele garante que dificilmente alguém vai enxergar - ou simplesmente ver – novamente um livro do mesmo modo.