Reformulação de bons projetos causa "crimes contra o design"

Alice Rawsthorn
Reformulação da sinalização de Londres: Design de uma placa de desvio temporário para ciclistas, em Mandeville, desconcentra o observador do conteúdo da mensagem Imagem: Alice Rawsthorn

Alice Rawsthorn

10/04/2011 08h00

LONDRES - Buracos. Engarrafamentos. Estradas fechadas. Motoristas irritados. “Proibido virar à esquerda”. “Proibido virar à direita”... Como se a lista de obstáculos irritantes que você encontra quando dirige por Londres não fosse longa o suficiente, agora há mais um elemento: Os sinais de trânsito mal projetados.

“Dãã…”, você pode pensar. Por que resmungar sobre os sinais de trânsito, se o risco de ficar preso no engarrafamento ou ser descoberto por câmeras de vigilância ao virar em local proibido -  para não fazer o retorno que fica a quilômetros de distância - são motivos melhores? Porém, alguns dos novos sinais nas estradas da Grã-Bretanha merecem esse tipo de resmungo, porque são exemplos vergonhosos da categoria “péssimo design”, talvez melhor descrita como "um crime contra o design".

O design ruim pode surgir de muitas formas: coisas que não são seguras. Coisas que não funcionam adequadamente ou são desnecessariamente complicadas. Coisas que são ética ou ambientalmente insalubres. Crimes contra o design são diferentes. Eles nos privam da alegria de um bom projeto ao destrui-lo ou substituí-lo.

Assim, alguns - e felizmente não todos - dos mais novos sinais de trânsito da Grã-Bretanha são culpados, em primeira instância, por estragar algo especial: o sistema de sinalização rodoviária projetado, entre 1957 e 1967, por Jock Kinneir e Margaret Calvert. No projeto original, não havia qualquer ostentação. Aquelas placas eram modelos de lógica e clareza, num estilo agradável e discreto. Elas eram tudo o que os sinais de trânsito concebidos de forma inteligente deveriam ser.

Como exemplo, pegue a placa "Diverted Cyclists” (Desvio para Ciclistas) que vi recentemente em Marylebone. Ela é composta por duas palavras, uma seta e o símbolo de uma bicicleta. Como poderia alguém estragar aquilo, especialmente quando a fonte é a mesma criada por Kinneir e Calvert para o sistema original, e as cores são as mesmas da combinação de preto e amarelo que eles escolheram para sinalização temporária? Mas alguém estragou tudo ao, inexplicavelmente, deixar a letra “D” de "Diverted" muito maior que as outras. Não só parece malfeito, como faz com que o olho seja tão atraído por aquele “D" que é difícil se concentrar no que a placa significa.

O mesmo se aplica a outras recentes alterações ao sistema meticulosamente planejado de Kinneir e Calvert. Os símbolos são mal desenhados e cheios de detalhes que só atrapalham. Além do quê, surgem inconsistências: Uma placa mostra "Tower Bridge", outra exibe “Tower bridge”.  Individualmente essas gafes parecem inconsequentes, mas no todo elas confundem na mesma proporção em que o design original era claro e tranquilizador.

Os maiores problemas no projeto das novas placas de trânsito são típicos e próximos dos que podem acontecer a um sistema projetado com inteligência e comandado por alguém que permite que as coisas desandem. Primeiro, ninguém toma tanto cuidado com o sistema quanto as pessoas que o criaram. Além disso, estes sistemas precisam evoluir com o tempo: neste caso, com o surgimento de novos tipos de perigos na estrada e a nova tecnologia de gerenciamento de tráfego.

  • Transport for London

    Sinal de trânsito congestionado nas ruas de Londres é claro, coerente e agradável aos olhos

Mas não há motivo para deixar o padrão baixar. Nem toda a nova sinalização está malfeita. Posso odiar a taxa de congestionamento que os motoristas têm de pagar quando entram ou saem do centro de Londres, mas a placa vermelha e branca com a letra "C" é clara, coerente e agradável aos olhos, seguindo o estilo discreto de Kinneir e Calvert.

“Deixar as coisas desandarem” não é a única subcategoria de crimes contra o design. A outra é a síndrome de "indigno sucessor", que geralmente acontece quando uma empresa de consultoria de design é contratada para "atualizar" uma obra inspirada, apenas para chegar a algo semelhante, mas lamentavelmente inferior.

A empresa de logística UPS, fez isso, substituindo o maravilhoso logo do “presente”, criado por Paul Rand em 1961, por uma versão deprimentemente insípida,elaborada pelo grupo de design global FutureBrand. O novo logotipo é descrito no site da FutureBrand como "uma curva dinâmica simplificada" que expressa "a evolução dos serviços da empresa e seu compromisso em liderar o futuro do comércio global". Um blogueiro da área resumiu de forma mais sucinta e divertida: o “penteado lateral do careca de ouro”. Cada vez que vejo símbolo, eu morro de saudades do seu antecessor.

O mesmo destino teve a Citroën quando contratou Landor, outro grupo de branding global, para redesenhar o logotipo que vinha usando desde sua fundação em 1919. O logo antigo era um par de V’s invertidos que teve como inspiração as engrenagens dentadas em ziguezague, inventadas pelo fundador da empresa André-Gustave Citroën. Toda vez que eu via aquilo, lembrava que a Citroën nascera do design e da inovação e que a empresa já havia produzido carros notáveis, ??como o corajoso2CV e o magnífico DS 19.

Infelizmente, Landor reduziu as formas originais dessa engrenagem em ziguezague a manchas digitais impessoais como parte do que o website da empresa chama de "plataforma de branding 360º", seja lá o que isso significa. Ao invés de se colocar como uma empresa que está apropriadamente orgulhosa de ter a engenharia como herança (nada mau para um fabricante de automóveis), a Citroën agora parece mais um cortador de biscoitos com seu logotipo corporativo de fácil e instantâneo esquecimento, mas provavelmente bastante caro.

Jogar no lixo a história do próprio design como a UPS e a Citroën fizeram é uma coisa, mas algumas empresas cometem outra subcategoria na gama de  crimes contra o design ao comprometer alguém. O McDonald's fez isso ao recriar o design de suas espeluncas de fast food na Europa, ajudado pelo designer francês Philippe Avanzi.

Um dos novos padrões no design incluía as elegantes cadeiras Ovo e Series 7, criadas nos anos 50 pelo arquiteto dinamarquês Arne Jacobsen. (Mesmo que não o conheça pelo nome, você vai reconhecer as cadeiras, que estarão gritando "sou um clássico do século 20!"). O McDonald's comprou milhares delas do fabricante original, Fritz Hansen, apenas para que uma situação embaraçosa eclodisse quando também comprou, de outra empresa, cópias baratas das mesmas cadeiras.

Apesar de sua fúria ter sido compreensível, Fritz Hansen não deveria ter percebido que ao vender cadeiras tão distintas para o McDonald's, estaria arriscando redefiní-las de “clássico do século 20" para algo sobre o qual a gente se joga enquanto chafurda em McNuggets? Porém, isso não foi menos pior do que todo o novo conjunto de cadeiras que o McDonald’s encomendou para o Sr. Avanzi.

É tentador descrever aquilo como um McTributo a Jacobsen, porque as formas elegantes de suas cadeiras foram distorcidas e transformadas em novas formas popularescas que zombam dos originais, e acrescentam outro crime contra o design na ficha corrida do McDonald's.

Tradutor: Erika Brandão

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