Milão, entre audácia e recessão: as idas e vindas do maior evento de design do mundo
MILÃO - Cinzel, serras, plainas e chanfras pendurados nas paredes. Serragem pelo chão. Carregadores retirando a madeira de um caminhão estacionado em frente. Parecia ser o trabalho de sempre na movimentada carpintaria da Via Palermo, em Milão, até que tentaram colocar a madeira para dentro e encontraram a entrada bloqueada por blogueiros brasileiros que estavam fotografando três luminárias na janela.
As luminárias eram obra do jovem designer italiano Federico Angi. Ele as havia deixado ali na esperança que fossem notadas por algumas das centenas de milhares de designers, fabricantes, varejistas e jornalistas que estavam em Milão em abril para o Salão Internacional do Móvel que terminou domingo.
Angi escolheu um excelente local. A oficina estava a apenas algumas portas de La Pelota, o cavernoso ginásio onde Hermès, a maison de luxo francesa, exibia sua nova coleção de móveis em uma instalação espetacular criada pelo arquiteto japonês Shigeru Ban. Os blogueiros devem ter ido à Via Palermo para ver a poltrona imaculadamente concebida de 3.800 euros, cerca de 5.500 dólares, que o mestro do design italiano, Enzo Mari, havia criado para a Hermès, mas também acabariam escrevendo sobre uma vitrine charmosa criada por um honesto desconhecido.
Objetos de cortiça desenvolvidos pela portuguesa experimentadesign em colaboração com a Corticeira Amorim. Designers portugueses e estrangeiros participaram do trabalho
Embora a exposição de Angi fosse barata e audaciosa, ela personifica muitas das qualidades que permitiram que a Milan Furniture Fair, hoje com 50 anos de idade, se tornasse o maior, mais impetuoso e mais histérico evento no calendário de design internacional. A feira foi criada em 1961 por um grupo de produtores locais, cuja produção vinha, em geral, de carpintarias especializadas, como a da Via Palermo. Graças à bravura, como a que levou Angi a recrutar sua janela na semana passada, o Salão tem sido um bacanal de marketing global, um objetivo que muitas vezes parece ter pouco a ver com móveis, e ainda menos com design.
O Salão deste ano precisava de tanta ousadia quanto pudesse reunir. Milão estava abarrotada de cartazes das eleições para prefeito no próximo mês, o que serviu como lembrete dos problemas políticos da Itália em um momento em que a economia está se deteriorando e Silvio Berlusconi está lutando para acalmar mais um escândalo.
As empresas de móveis, que vêm de todo o mundo para exibir no Salão, estão igualmente frágeis depois de três anos de recessão. Foram 2.720 expositores na feira "oficial", no labiríntico Rho, ante 2.499 em 2010, segundo os organizadores do Cosmit. Embora isso pudesse soar como incentivo, o clima subjacente era de contenção.
Não era possível perceber isso a partir das hordas que lotavam as salas do Rho ou no estande carnavalesco da Kartell, um dos grupos emblemáticos de móveis da Itália. Painéis gigantes de neon enunciavam slogans alegremente ruins como "Produção Fresca", "Experimente" e "As Novas Estrelas da Kartell". "Meu Deus, é a Las Vegas Strip em Milão!", exclamou um visitante americano. Mas muitos dos principais fabricantes haviam discretamente cortado custos introduzindo novos produtos em menor quantidade que o habitual, em favor do aumento das suas coleções já existentes.
Penteadeira Pivot, de Shay Alkalay para a Arco, indústria holandesa de 106 anos que passa por uma renovação sob a direção criativa de Jorre van Ast, designer e membro da família fundadora
Algumas novas e fortes peças foram apresentadas por grandes marcas, incluindo a cadeira Waver, de Konstantin Grcic, para a Vitra, a mesa Baguette, dos irmãos Bouroullec, e as cadeiras Tagliatelle, de Magis e Jasper Morrison para a Alias. A Flos roubou a cena da iluminação do Euroluce em Rho com o lustre 2620 LED, no qual o designer Ron Gilad incorporou 2.620 minúsculos diodos emissores de luz (ou seja, LEDs) nos anéis aparentemente aleatórios de luz que ele posicionara de modo a criar ilusão de movimento. "Há fantásticas novas tecnologias em iluminação agora", disse Piero Gandini, presidente da Flos. "É incrivelmente excitante para nós trabalhar com jovens designers como Ron, porque eles pensam a iluminação de modo muito diferente."
Uma tendência promissora no Salão foi o renascimento de pequenas empresas familiares, que estão desenvolvendo novos produtos para combater o declínio dos seus mercados tradicionais ou o fim de antigos fornecedores. Azucena of Italy apresentou os primeiros frutos de sua colaboração com o Grcic, e a empresa japonesa Maruni exibiu novas peças criadas por Naoto Fukasawa e por Morrison.
A Arco, fabricante de móveis holandesa de 106 anos, também está mudando. Segue sob a direção criativa de Jorre van Ast, membro da família fundadora e que também é designer. Sua obra de destaque foi a engenhosa série Pivot de móveis de madeira produzida pelo seu amigo de faculdade, Shay Alkalay. "Vamos, lentamente, apresentar o trabalho de novos designers", disse van Ast. "Esta empresa existe há mais de um século e seria errado avançar muito rápido."
Quando falamos sobre um dos caminhos mais importantes do design, a sustentabilidade, os principais fabricantes ainda tendem a ser mais fortes no discurso do que na ação. Muitos dos desenvolvimentos mais interessantes foram encontrados nos acontecimentos marginais, em vez de em Rho. Os jovens designers italianos Andrea Trimarchi e Simone Farresin, do Studio FormaFantasma, apresentaram Botanica, uma bela série de vasos feitos a partir de polímeros animais e vegetais que eles desenvolveram como alternativa ao plástico.
No Lambrate, antigo bairro industrial que se tornou um importante centro de design experimental, o designer alemão Werner Aisslinger revelou a primeira cadeira monobloco (que é, no linguajar do design, feita em uma única peça da matéria-prima) a ser produzida a partir de compostos de fibras naturais. Questões ambientais e éticas também dominaram as mostras estudantis. Como de costume, a melhor grupo foi a da holandesa Design Academy Eindhoven, embora a exposição da Academia Bezalel, de Israel, tenha obtido um vigoroso segundo lugar.
Os projetos culturais mais interessantes também foram eventos independentes. O designer italiano Giulio Iacchetti criou uma caça ao tesouro no Museo Diocesano com "Cruciale" ao incorporar vinte diferentes interpretações do crucifixo entre as pinturas renascentistas.
Uma das exposições mais excêntricas e charmosas foi outra caça ao tesouro no centro do jardim Ingegnoli, cercado pelos muros espanhóis do século 17. Posicionadas entre flores e arbustos estavam reconstituições de sobras de móveis abandonados, montadas pelos designers italianos Bottazzi Pedro e Denise Bonapace. As plantas cresciam em cada uma das peças, algumas das quais podem ter surgido em algum Salão Internacional de Móveis de Milão passado.
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