Uma visita ao estúdio de Achille Castiglioni, herói do design italiano

Studio Museum Achille Castiglioni
Interior do Museu Studio Catiglioni, em Milão, onde o desenhista industrial Achille Castiglioni trabalhou por quase 60 anos. As salas permanecem exatamente como Castiglioni as deixou Imagem: Studio Museum Achille Castiglioni

Alice Rawsthon

15/05/2011 10h00

MILÃO - Se eu tivesse que escolher um lugar para visitar em Milão, este seria o abarrotado estúdio de design, num lúgubre palácio do século 18 que fica ao lado do Parco Sempione, onde Achille Castiglioni trabalhou de 1944 até sua morte, em 2002. Deixado tal como estava em seu último dia de trabalho, o estúdio está agora aberto ao público como Studio Museum Castiglioni.

Não sou a única fã. "O Studio Museum Castiglioni é maravilhoso -uma verdadeira jóia", disse o designer alemão Konstantin Grcic. "É um tesouro do passado e todo jovem designer deveria conhecê-lo. Ele é inspirador porque não é só um escritório ou um local de trabalho, é o universo pessoal de Castiglioni. Isso é o que o faz ser tão especial."

Infelizmente, o futuro do estúdio agora é incerto. Ele foi inaugurado como museu em 2005 e financiado em conjunto por cinco anos com outro museu de artes e design que fica nas proximidades, chamado La Triennale di Milano and Castiglioni. O financiamento do La Triennale terminou em outubro e eles estão agora tentando arrecadar dinheiro para substituir a contribuição de cerca de 215 mil dólares anuais e estabelecer uma instituição de caridade. A menos que tenham sucesso, o Studio Museum pode fechar.

Nós, então, perderíamos um dos melhores exemplos do que os franceses chamam de "musées biographiques", ou museus biográficos, que em algum momento foram casas ou locais de trabalho dos artistas, arquitetos e escritores. Entre os meus favoritos estão a belíssima casa do século 18 construída pelo arquiteto John Soane para viver com a família, em Londres; a vila menos salubre do subúrbio parisiense de Passy, onde o escritor Honoré de Balzac se refugiou dos credores na década de 1840 sob o pseudônimo Monsieur Brugnol, e a oficina do ceramista Kawai Kanjiro, em Kyoto, do início dos anos 1900.

A alegria de um "musée biographique" é que ele lhe passa uma sensação muito viva de como o sujeito viveu e trabalhou. O sucesso para tal é determinado por uma combinação de a) a extensão de suas conquistas, b) a força de sua personalidade, e c) a qualidade do seu trabalho. Os museus Soane e Kanjiro marcam três pontos. O museu de Balzac marca dois dos três: ele é reprovado em conteúdo porque Balzac estava tão endividado no momento em que precisou se esconder em Passy que foi forçado a vender ou penhorar a maioria das suas posses. O Castiglioni Studio Museum ganhou nota máxima.

Quando falamos em realizações, Castiglioni foi um dos maiores designers do século 20. "Um designer seminal dos tempos modernos", como coloca o designer australiano Marc Newson. Ele foi particularmente influente na Itália como parte da geração de ouro dos designers industriais, que contribuíram para o renascimento econômico do país após a Segunda Guerra Mundial ao desenvolver produtos, o que persuadiu os consumidores do pós-guerra a pagar um pouco mais pela "linha italiana."

Castiglioni, que inicialmente trabalhou com seus irmãos mais velhos, Livio e Pier Giacomo, até a morte deste último, em 1968, avançou o processo de um relacionamento produtivo com fabricantes italianos como Alessi, Cassina, Flos, Kartell e Zanotta. Muitos dos produtos que ele desenvolveu para estas marcas foram best-sellers, incluindo a luminária Arco, para a Flos e o cinzeiro Spirale para a Alessi, mas seu trabalho também foi surpreendentemente cuidadoso e rico em significados, inteligente, elegante e tecnicamente genial.

Ele era excepcionalmente carismático. Paola Antonelli, que foi aluna de Castiglioni no Politécnico de Milão e agora é curadora sênior de arquitetura e design no Museu de Arte Moderna de Nova York, lembra dele com carinho. "Era como um comediante do cinema mudo, nervoso, fumava um cigarro atrás do outro, estava sempre em movimento, era brincalhão e muito travesso."

Todas estas qualidades ficam evidentes em seu estúdio. As quatro salas principais estão cheias de livros, revistas, modelos e protótipos, ferramentas, amostras de materiais, desenhos, planos, arquivos organizados em caixas numeradas e cinzeiros Spirale, sobre os quais Castiglioni gostava de descansar seus cigarros. O enorme espelho em seu escritório continua no ângulo exato que lhe permitia observar as pessoas indo e vindo, e assistir seus assistentes trabalhando sem ter que sair de sua mesa. Desenhos de amigos designers, como Ettore Sottsass e Max Huber, estão pendurados em uma parede.

Há também as coleções de objetos que Castiglioni garimpava em suas viagens. Óculos de formas estranhas, galochas da época soviética e garrafas de refrigerante antigas ficam amontoados em armários de vidro com engenhocas de formas estranhas e que mais parecem esculturas cinéticas, mas que acabam sendo as escovas para chaminé. Ao lado de sua mesa fica um dos bancos de madeira de ordenha que os suíços usavam para tirar o leite das vacas. Era um dos acessórios favoritos de Castiglioni quando ele dava palestras no Politécnico, sobre o qual ele sentava para imitar a ordenha de uma vaca imaginária.

"Eu tive a sorte de visitar o estúdio Castiglioni enquanto ele ainda estava vivo, e não havia nada mais a fazer além de absorver a atmosfera em torno do homem e de sua obra", lembra o designer britânico Jasper Morrison. "Em ambas ocasiões, ele abriu um armário de vidro com amostras industriais e tirou dali alguma coisa para explicar a sua genialidade. Um par de óculos de sol feito com um rolo de filme Polaroid de 35 milímetros e que voltava para dentro do invólucro de plástico foi exibido com todo o estilo de um assassino da Máfia mostrando sua última realização."

Não há placas de "por favor, não toque" ou barreiras de segurança no museu. Câmeras de vigilância à parte, ele ainda parece um local de trabalho. Os visitantes são guiados em grupos pela esposa de Castiglioni, Irma, e pela sua filha Giovanna, que compartilham com alegria suas lembranças. Dianella Gobbato e Antonella Gornati, que trabalharam com ele durante 20 anos, são responsáveis pelo arquivo de conteúdos do estúdio. Sem os fundos extra, o trabalho delas pode acabar.

"Todos nós precisamos de heróis, eles são muito necessários e preciosos", diz Paola Antonelli, do MoMA. "Mas os heróis dão muito trabalho, pois seus santuários e suas imagens devem ser cuidadosamente mantidos como exemplo de vida e como inspiração. Castiglioni é um herói para Milão, para a Itália e para o design. Devemos preservar seu estúdio como um santuário, se não por ele, pelo menos por nós mesmos."

Tradutor: Erika Brandão

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