Estilo de vida

A cadeira de Charles Darwin: como o naturalista contribuiu para o design

Trabalhadores em um escritório de Washington, em 1924. Ao incentivar as empresas a adotarem estruturas hierárquicas, Taylor e sua "administração científica" involuntariamente levou os funcionários a esperar que o custo de suas cadeiras refletissem suas posições imagem: Biblioteca do Congresso / Divisão de Imagens

Alice Rawsthorn

22/05/2011 10h00

LONDRES - O naturalista do século 19, Charles Darwin, foi um cientista tão eminente que cerca de 120 espécies, uma cidade australiana e uma montanha nos Andes foram nomeados em sua homenagem, mas entre outras de suas realizações encontra-se uma modesta nota de rodapé na história do design graças a uma contribuição que não foi devidamente valorizada no design de móveis.

Darwin projetou o primeiro exemplo conhecido de cadeiras de escritório em que milhões de pessoas agora se sentam ou se jogam desleixadamente no mundo todo. Ele eliminando as pernas de uma poltrona de madeira que ficava na casa da família, na zona rural inglesa na década de 1840, e substituindo-as por um par de pernas de cama de ferro fundido, montadas sobre rodízios. Darwin deitou e, literalmente, rolou em cima de suas pesquisas, examinando espécime após espécime.

Este exemplo primitivo do que agora é chamado de "design hacking " ou "co-design" deu a Darwin um pequeno papel em "A Taxonomy of Office Chairs” ("Taxonomia das Cadeiras de Escritório", em tradução livre), um novo livro do designer industrial e pesquisador de design, o americano Jonathan Olivares.

Classificação "biológica"

As palavras "taxis" e "nomia" vêm do grego antigo e as traduzimos como "arranjo" e "método", respectivamente, portanto uma "taxonomia" é um sistema de classificação. Esta palavra isolada sugere que Olivares utilizou uma abordagem incomum, cuidadosa e rigorosa para o seu tema, e assim destaca seu livro dos grossos volumes comuns de design, repletos de imagens e com poucas informações, e que se acotovelam sobre mesas de centro.

E precisa ser destacado, mesmo. O livro contém três formas diferentes de classificação. A primeira seção é um catálogo cronológico de 142 cadeiras de escritório, que Olivares considera particularmente inovadoras. A segunda é uma taxonomia que traça o desenvolvimento de diferentes partes da cadeira, incluindo apoio para a cabeça, costas, braço, assento, pé e base. Cerca de 11 tipos de encosto são identificados: espinha única, espinha simples dividida, espinha única com conexões para os apoios de braço, e assim por diante. A terceira seção é dedicada a marcos do movimento de cadeiras de escritório: do giro de 360 graus da base da Centripetal Spring Chair, de 1849, às inclinações laterais do encosto da cadeira ON, de 2009.

Cada seção está repleta de fatos e ilustrada frugalmente com uma foto da silhueta de cada cadeira da cronologia, além de desenhos de linhas simples das peças na taxonomia e catálogo dos movimentos. Olivares também desenvolveu um método para facilitar o cruzamento das informações sobre cada cadeira em cada uma das três seções utilizando os números das páginas. O resultado compartilha a clareza e a inventividade de outro livro recentemente publicado, “I swear I use no art at all”, [Juro que não uso arte nenhuma", em tradução livre], no qual o designer holandês Joost Grootens descreve seu trabalho por meio de uma série de mapas, redes, tabelas, índices e outros dispositivos visuais.

Evolução

O objetivo original de Olivares não era analisar a cadeira de escritório especificamente, mas traçar a evolução de um produto industrial tão completa e objetivamente quanto biólogos e zoólogos estudam a natureza. Como ele mesmo admite, o livro poderia muito bem ter sido sobre a taxonomia de torradeiras ou de motores automotivos, mas ele escolheu cadeiras de escritório porque elas combinam complexidade mecânica e uma estreita relação com o corpo humano.

Ele escolheu bem. As histórias mais interessantes do design de objetos são, invariavelmente, de coisas que são qualquer ou (idealmente) totalmente o seguinte: a) familiares o bastante para que todos possam reconhecer, mesmo pessoas que não as usam; b) suficientemente desafiadoras em termos de estrutura ou sistema operacional para persuadir os mais hábeis designers e fabricantes a produzi-las e, c) um reflexo de seu tempo, particularmente das mudanças sociais, econômicas, culturais e comportamentais.

Poucos objetos possuem todas essas especificações, e a cadeira de escritório é um deles. Ela tem a vantagem adicional de ser usada intensivamente pelas dezenas de milhões de pessoas que passam a maior parte dos seus dias de trabalho sentadas em uma cujo design possui um impacto significativo sobre a saúde e o bem-estar. Alguém aí com dor nas costas?

Outra vantagem, ainda que em termos literários, é o grau bastante elevado de tecnologia, mesmo em cadeiras relativamente pouco sofisticadas. Se não acredita em mim, tente entender como ajustar uma delas lendo seus manuais de instrução incompreensivelmente complicados, daqueles que você esperaria encontrar somente num ônibus espacial. Como os tênis, a cadeira de escritório é um objeto cotidiano que geralmente foi projetada de maneira desproporcional ao seu tamanho ou função.

Complexidade tecnológica

Todos estes elementos constroem uma excelente história no design, e que Olivares conta com prazer. Ele demonstra em gráficos como a cadeira de escritório se desenvolveu a partir de engenhocas customizadas do século 19, como a de Darwin, de acordo com a expansão do mercado de escritórios, que permitiu aos fabricantes investir em tecnologias cada vez mais sofisticadas. Entretanto, ele sempre se esforça para contextualizar a aplicação de novos materiais e processos de produção, mostrando como sua adoção geralmente foi impulsionadas por fatores externos, na maioria das vezes por pressões econômicas.

Tome a ergonomia, ou o ato de fazer as cadeiras mais confortáveis para aqueles que as usam. Virou moda entre designers na década de 1970, mas ela não foi adotada pelos grandes fabricantes até a década de 1980, quando normas europeias de segurança foram reforçadas e os custos para as empresas dos EUA, que precisavam se garantir contra as reivindicações legais dos trabalhadores, dispararam. Um conjunto semelhante de considerações de ordem financeira tem conduzido os esforços no desenvolvimento de mobiliários de escritório sustentáveis.

Símbolo de status x ergonomia

Olivares atribui o aumento do "símbolo de status" da cadeira no século 20 à popularidade da teoria de Frederick Winslow Taylor, de 1911, sobre "administração científica". Ao incentivar as empresas a adotarem estruturas hierárquicas, Taylor involuntariamente levou seus funcionários, especialmente os com cargos mais altos, a esperar que o custo e a complexidade de suas cadeiras refletissem suas posições.

Só em 1994 o fabricante americano Herman Miller deu início a uma era mais democrática, apresentando a cadeira Aeron, que foi projetada especificamente para usuários de computador, com um estilo único, uma só cor e três tamanhos diferentes, determinados pela forma do corpo e não pelo seu status.

O ponto fraco do livro de Olivares é que, como os grandes livros das mesas de centro, ele tende a se concentrar nos sucessos do design, ignorando as falhas que também podem ter influência no desenvolvimento de um produto. Esta é uma falha menor, se comparada aos pontos fortes de um livro que questiona seu assunto com tanto entusiasmo e vigor. Você nunca mais vai olhar para uma cadeira de escritório do mesmo jeito.

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