De maldito a ídolo: conheça a trajetória do designer norte-americano Victor Papanek
NOVA YORK - Como você se sentiria se tivesse escrito um livro que, em suas próprias palavras, fosse "ridicularizado ou barbaramente agredido" pelos seus colegas? Ou se você fosse forçado a se afastar de uma entidade profissional, que, em seguida, ameaçasse boicotar uma exposição no Centro Pompidou, em Paris, se seu trabalho fosse incluído?
Todos esses afrontas -e mais- foram infligidas ao designer Victor Papanek depois da publicação do seu livro de 1971 "Design for the Real World". Por quê? Há uma pista na frase de abertura: "Há profissões mais prejudiciais do que o design industrial, mas são poucas". Papanek saiu acusando seus colegas designers pela produção de baixa qualidade, trabalho estilizado que desperdiçou recursos naturais, agravou a crise ambiental e ignorou suas responsabilidades sociais e morais. Doeu! Quatro anos mais tarde, ele foi descrito pela revista “Design” como uma pessoa “de quem seus próprios contemporâneos não gostava, e até desprezavam."
No entanto, Papanek riu por último. Em 1985 em seu prefácio à segunda edição de "Design for the Real World" (no Brasil, “Arquitetura e Design -Ecologia e Ética), ele observou com orgulho que a primeira edição havia sido traduzida para mais de 20 línguas e havia se tornado "o livro sobre design mais lido do mundo". Ele morreu em 1998, mas 40 anos depois da primeira publicação, seu livro ainda é impresso e continua muito influente -e Papanek é louvado como um dos pioneiros do design sustentável e humanitário. Como diz Zoë Ryan, presidente da área de design e arquitetura no Art Institute of Chicago, "sua abordagem parece mais relevante do que nunca em tempos desafiadores como os de hoje."
Obra influente
Papanek foi até mesmo abraçado pelas autoridades do design. Seus arquivos foram recentemente adquiridos pela Universidade de Artes Aplicadas de Viena, que vai inaugurar a Fundação J. Victor Papanek em novembro, com um simpósio sobre o seu legado. A fundação também está colaborando com o Museu de Artes e Design, em Nova York, para apresentar o prêmio J. Victor Papanek Social Design.
Por que um livro de 40 anos se mostrou tão duradouro? Papanek escreveu vários outros livros sobre temas semelhantes, mas nenhum teve o impacto de "Design for the Real World". De fato, nenhuma obra sobre design teve tamanha influência.
"Design for the Real World" é, por qualquer definição, uma boa leitura, escrita com entusiasmo, convicção e autoridade. O arquiteto americano William McDonough, que o leu quando ainda um estudante de arte, em 1971, considera o livro como algo “muito simples, no entanto, curiosamente sofisticado: humanista, inteligente, sagaz e divertido."
O texto de Papanek foi criado com base em sua bagagem. Nascido na "Viena Vermelha", em 1927, quando a capital austríaca era governada por radicais social-democratas, ele teve uma educação particular na Inglaterra antes de se estabelecer nos Estados Unidos, em 1939.
"Falsos desejos"
Frequentou o curso noturno de arquitetura e design na Cooper Union, em Nova York, no final dos anos 40, e estudou na escola de arquitetura dirigida por seu herói, Frank Lloyd Wright, em Taliesin West, no Arizona. Mais tarde, Papanek se matriculou em um curso de engenharia criativa no Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Ele tentou a sorte com design comercial, mas detestou a experiência. "Design for the Real World" inclui uma dolorosa descrição de "meu primeiro, e espero que o meu último, encontro com ... o design cosmético" -um rádio portátil. Papanek buscou então uma carreira em pesquisa e ensino de design, principalmente projetos antropológicos realizados enquanto vivia entre Navajos, Inuits e outras comunidades indígenas.
No início dos anos 1960 ele já havia criado muitos dos princípios articulados em "Design for the Real World". Numa palestra em 1964, na Rhode Island School of Design, Papanek repudiou o design comercial como sendo "a perversão de uma grande ferramenta", e convocou os designers a satisfazer necessidades genuínas ao invés de "falsos desejos”.
Mais críticas do que propostas
Começou a escrever "Design for the Real World" no ano anterior. O texto final expressa sua visão sobre o design, acompanhado por uma variedade estonteante de referências, inclusive textos de Hermann Hesse e Arthur Koestler sobre as habitações da Drop City, uma comuna dos anos 1960 no Colorado, e uma fazenda californiana de porcos, cuja energia era gerada pelo estrume dos seus mil suínos.
"Design for the Real World" estava longe de ser impecável. Como muitos dissidentes, Papanek é mais forte criticando o status quo do que proporcionando alternativas (a fazenda de suínos energizada por esterco e o rádio que ele projetou a partir de lata cera de parafina e esterco de vaca pensando nos países em desenvolvimento eram excessões).
Ele próprio admitiu, no prefácio da segunda edição, que seu relato original sobre a contribuição que os designers ocidentais poderiam fazer para os países em desenvolvimento tinha sido "condescendente", subestimando o quanto eles poderiam aprender ali. Mas ele defendeu suas análises sobre a crise ambiental e as fraquezas da indústria de produtos manufaturados.
Abordagem inclusiva
Tais problemas vêm piorando desde então, e a visão corrigida de Papanek sobre o potencial do design para as economias em desenvolvimento é hoje amplamente aceita. As redes voluntárias, como o Project H e Architecture for Humanity permitiu que milhares de designers participassem de tais projetos. As mesmas idéias pelas quais Papanek já foi ridicularizado parecem cada vez mais prescientes.
O mesmo pode ser dito em relação a sua capacidade de apreciar as dimensões morais e sensuais do design. O designer suíço Yves Behar conheceu Papanek quando era estudante, na década de 1990, quando o veterano radical estava obcecado em repensar as viagens aéreas. "Ele imaginava grandes e confortáveis aviões ecológicos, econômicos e muito divertidos de se estar, com piscinas e academias de ginástica em pleno ar", disse Behar.
Papanek não foi o primeiro desinger a defender uma abordagem inclusiva e sustentável para o design -R. Buckminster Fuller fez o mesmo nos anos de 1920- mas sua visão era surpreendentemente coerente. Seus sucessores passaram pelas tarefas mais difíceis e, em geral, mais maçantes, de explicar a logística de suas implementações. McDonough e o químico alemão Michael Braungart se prestaram ao desafio no livro "Cradle to Cradle" (de 2002, sem tradução no Brasil), mas é um raro exemplo de sucesso, e "Design for the Real World" ainda brilha como uma inspiração para os jovens designers.
"Foi um dos primeiros textos que li e que surgia com tanta urgência e com comentários tão crus e corajosos", disse Emily Pilloton, co-fundadora do Project H. "Eu tenho a maior consideração por Papanek, não só como grande pensador, mas como agitador."
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