O negligenciado design dos equipamentos do dia a dia: a história de uma lava-louça

Electrolux
Anúncio de 1908 para a AEG, empresa que faz parte da sueca Electrolux Imagem: Electrolux

Alice Rawsthorn

25/07/2011 15h33

LONDRES – Primeiro, uma confissão: parte da descrição (não oficial) do meu ofício como crítica de design é verificar se as coisas que compro têm um bom design, mas nem sempre me incomodo com isso. Às vezes a vida parece curta demais, e foi exatamente o que senti há duas semanas, quando tive que comprar uma nova máquina de lavar louças.

Uma pessoa sensata teria comparado as especificações técnicas dos diferentes modelos no site dos fabricantes, olhado outros sites onde consumidores postaram comentários sobre suas lava-louças ou, no mínimo, teria entrado em uma loja para saber o que estaria em oferta. Mas eu não fiz nenhuma destas coisas porque: a) falta de conhecimento técnico; b) ninguém  garante que esses sites não foram manipulados; e c) como eu disse no início, a vida é muito curta para certas coisas. 

Ao invés de ser sensata, fiz o que vários consumidores preguiçosos fazem ao entrar no site da loja (John Lewis), onde sempre compro produtos para casa, e escolher o modelo mais atraente (ou o menos feio) da marca da minha antiga lava-louças (AEG). Só quando a nova máquina chegou -uma AEG F87000P- que percebi como não sabia nada sobre seu design.

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    A lava-louça AEG F87000P, igual à comprada pela crítica de design Alice Rawsthorn. Um fator “eco-positivo” do produto, segundo Rawsthorn, é que sua embalagem é compacta; um eco-negativo é que a mesma embalagem traz isopor

“Dãã”, você deve estar pensando, é uma máquina para lavar louças -dificilmente seria o sonho dos designers. Mas aí é que está. Uma lava-louças é um dos “burros de carga” que fazem parte do nosso dia a dia, e que temos o hábito de não percebê-los. Paguei 579 libras, ou cerca de 926 dólares, pela minha, mas dediquei muito menos tempo para escolhê-la do que o faria com uma camiseta, mesmo que os méritos ou deméritos de seu design venham a ter um impacto muito maior em minha vida. Além disso, aparelhos “burros de carga” são sempre melhores termômetros daquilo que está realmente acontecendo no design do que objetos deslumbrantes da moda, como o último iPad ou um carro elétrico, pelos quais os designers se digladiam e a blogosfera fica obcecada.

Eficiente, fácil de operar e ambientalmente correta

Lava-louças ainda precisam reescrever a história do design, e provavelmente nunca o farão. Já conheceu algum designer em ascensão cujo sonho é projetar uma? Imaginei que não. As multinacionais que as produzem, inclusive a dona da AEG, a companhia sueca Electrolux, tendem a ser as seguidoras, não as líderes, que vão na onda das tendências de design em outras empresas ao invés de liderar a inovação. E consumidores preguiçosos como eu têm uma parcela de culpa, porque nossa expectativa quanto ao design deste tipo de produto não é particularmente alta.

Eu queria três coisas da minha lava-louças: que fosse eficiente, fácil de operar e ambientalmente responsável. Idealmente, eu gostaria que ela fosse bonita também, mas isso não importava tanto. Como muitas lava-louças, a minha fica escondida dentro do armário da cozinha e só é visível quando coloco ou tiro a louça dali de dentro.

Como a minha compra desleixada fica em termos de design? Comecemos com a eficiência. Ela funciona? Só o tempo dirá, claro, mas até agora tudo bem, e sua antecessora abriu um precedente encorajador.

Admito que escolhi minha lava-louças anterior por um dos piores motivos: sentimentalismo. Sempre tive uma queda pela AEG por causa do período no começo dos anos 1900, quando o designer alemão Peter Behrens estabeleceu que aquela época determinaria o modelo do design moderno, e colegas progressistas juntaram-se a ele, inclusive Mies van der Rohe, Walter Gropius e, durante alguns meses, Le Corbusier. 

Marca "it" da década de 1960

Podem me chamar de nostálgica, mas foi por isso que comprei a lava-louças AEG 15 anos atrás, quase um século depois da era Behrens. Mas o sentimentalismo valeu a pena, porque a máquina funcionou perfeitamente durante 15 anos, apesar de nunca ter recebido manutenção. Ela também teve a boa vontade de morrer sem destruir seu conteúdo. Vamos torcer para que sua sucessora atue tão bem quanto. 

Seguindo com o próximo desafio: ela é fácil de operar? Outro grande designer alemão, Dieter Rams, que fez da Braun a marca "it" dos anos de 1960, disse uma vez que “nenhum produto deveria requerer um manual de instruções” baseado no fato que quase ninguém se preocupa em lê-lo. A Apple colocou sua teoria em prática ao criar aparelhos digitais tão sofisticados quanto o iPad e o iPhone, que podem ser ativados e utilizados sem manuais. Mas a AEG falha aqui. A F87000P vem com um manual de instruções que é tão extenso e confuso que acabei por abandoná-lo. Adivinhar como fazer a máquina funcionar acabou sendo simples para uma lavagem básica, mas ainda estou tentando entender como acionar operações mais complexas. 

Dito isto, a AEG ganhou pontos no campo da usabilidade ao recriar as cestas onde são colocados os pratos na F87000P. Como diz a propaganda, a maioria das cestas de lava-louças ainda são feitas para acomodar louça dos anos 70, e é por isso que elas parecem irritantemente inflexíveis hoje em dia. Os designers da F87000P acrescentaram prateleiras às suas cestas, que podem ser colocadas ou retiradas quando necessário.

E finalmente vem a responsabilidade ambiental. Frases como “eficiência energética” e “ajuda o ambiente” aparecem em toda a literatura da F87000P, mas a AEG é irritantemente imprecisa quanto ao seu impacto ambiental. Não fornece nem mesmo informação básica como a identificação das pegadas de carbono nos diferentes ciclos de lavagem.

Embalagem

Um ponto eco positivo é que a embalagem da F87000P é bastante compacta. Quanto menor a unidade, mais lava-louças podem ser espremidas no mesmo contêiner ou caminhão, exigindo, portanto, menos combustível para transportá-las. (Embora a frugal embalagem deva ter sido criada segundo o desejo da AEG de reduzir os custos de transporte, e não pela preocupação corporativa sobre o consumo de combustível fóssil.)

Um ponto eco negativo é que a embalagem contém isopor moldado, que não é biodegradável, tampouco facilmente reciclado. A F87000P também vem com alguns livretos aparentemente supérfluos e uma embalagem desproporcionalmente grande (24cm x 17cm) contendo dois minúsculos tabletes de sabão para a máquina.

Quanto à máquina em si, não há indicações sobre o quanto dela pode ser, eventualmente, reciclado, ou como descartá-la com responsabilidade além de uma vaga sugestão que “ela deve ser levada ao local apropriado de coleta”. 

Mas, claro que se eu fosse ambientalmente responsável de verdade, lavaria minha louça através do método antigo, e jamais usaria uma lava-louças.

Tradutor: Érika Brandão

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